O Brasil já teve até projeto de lei para mudar a letra pomposa e confusa, que cria desnecessária dificuldade de entendimento
José Augusto Carvalho
A letra do Hino Nacional, do mau poeta e péssimo gramático Osório Duque Estrada, está cheia de palavras difíceis (lábaro, plácidas, fúlgidos, garrida, impávido colosso, penhor, florão...), tem versos de empréstimo da "Canção do exílio", de Gonçalves Dias ("Nossos bosques têm mais vida; / nossa vida, mais amores"), num encaixe desajeitado ("em teu seio"), porque torna descontínuo o segundo verso, para manter o ritmo; tem um cacófato bravo (herói cobrado), uma ofensa ao país e ao povo, numa leitura denotativa que o poeta não percebeu ou ignorou (deitado eternamente em berço esplêndido); e tem inversões sintáticas terríveis que prejudicam a compreensão ("Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heroico o brado retumbante", isto é, as margens plácidas do Ipiranga é que ouviram o brado retumbante de um povo heroico), e é longa, com dois momentos semelhantes que levam à confusão, na hora do canto ("Brasil de um sonho intenso..." e "Brasil de amor eterno..."). Antônio Rangel Bandeira, no livro
Caixa de Música, editado com o número 118 pelo Serviço de Documentação do MEC, em 1959, informa-nos das tentativas de modificação da letra, em particular doprojeto do deputado federal Herófilo Azambuja, propondo alterações em alguns versos. Concordemos que alterar a letra é piorar o hino. O ideal seria um concurso nacional, propondo não alterações, mas uma letra nova, com uma única parte (por que duas?). Quem sabe não passaríamos mais pelo constrangimento de calar a boca em certa parte do Hino, esperando que outros mais afoitos ou de melhor memória o continuem por nós. Porque muitos desconhecemos se é o amor eterno ou o
sonho intenso a meta prioritária do nosso patriotismo.
Há uma inversão sintática no verso "E o teu futuro espelha essa grandeza", que confunde até professores e tradutores. Ora, como o futuro ainda não existe, não pode espelhar nada. O sujeito e o objeto da sentença estão com suas posições trocadas. A grandeza é que espelha o futuro. Traduzindo: como o país é grande, essa grandeza espelhará o futuro, isto é, o futuro terá igual grandeza. Na
Introdução àLinguística Teórica (Nacional / Edusp, 1979, nota 5, p. 101), John Lyons traz exemplos semelhantes em que o sujeito e o objeto estão invertidos na sentença. Em
Os Lusíadas V, 24, Camões usa a anástrofe: "Enquanto o mar cortava a armada". Na verdade, a armada é que cortava o mar.
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