A construção de grandes centrais hidrelétricas no Brasil coloca governo e empresas em numerosas
escaramuças com ambientalistas, indígenas e movimentos sociais. Mas a geradora binacional de Itaipu
é uma exceção, onde se pratica a colaboração. Com um conjunto de 65 ações ambientais, sociais e
produtivas, o programa Cultivando Água Boa (CAB) é dirigido e apoiado por ativistas. Setores governamentais
estudam usá-lo como modelo em outros grandes projetos de infraestrutura, para mitigar impactos e
conflitos.
Mario Osava
escaramuças com ambientalistas, indígenas e movimentos sociais. Mas a geradora binacional de Itaipu
é uma exceção, onde se pratica a colaboração. Com um conjunto de 65 ações ambientais, sociais e
produtivas, o programa Cultivando Água Boa (CAB) é dirigido e apoiado por ativistas. Setores governamentais
estudam usá-lo como modelo em outros grandes projetos de infraestrutura, para mitigar impactos e
conflitos.
Mario Osava
A demanda de que a empresa assuma funções que cabem ao Estado ganhou força diante da proliferação de megaprojetos que transtornam de forma abrupta extensos hábitats. Além disso, leis ambientais tentam impor-lhes o pagamento de compensações, que costumam cobrir omissões dos serviços a cargo do Estado.
No caso de Itaipu, essa exigência se justifica particularmente. Trata-se de uma empresa singular, duplamente estatal e com faturamento de US$ 3,797 bilhões em 2012. Seus domínios, em terras e águas fronteiriças do Brasil e do Paraguai, contêm a gigantesca usina, sua represa, 104 mil hectares de conservação ambiental, a Universidade de Integração Latino-Americana e o Parque Tecnológico de Itaipu.
O programa CAB se estende por toda a bacia do Paraná 3, a área brasileira ao longo dos 170 quilômetros da represa. Inclui 29 municípios, com superfície de 8.339 quilômetros quadrados e um milhão de habitantes. Suas 65 ações incluem desde assistência a indígenas, aquicultura, plantas medicinais e biogás até educação ambiental, em uma aparente dispersão que um eixo central, cuidar da água, interliga em um conjunto concertado.
Dessa forma, no desenvolvimento rural sustentável a prioridade é a agricultura orgânica, para reduzir os pesticidas que contaminam a represa. “Começamos com 186 famílias, hoje são 1.180” as participantes e há cerca de duas mil hortas orgânicas, detalhou Nelton Friedrich, diretor de Coordenação e Meio Ambiente de Itaipu. Também foi criada a Plataforma Itaipu de Energias Renováveis, para proteger os rios dos dejetos de animais. Ao convertê-los em biogás, com o qual gera eletricidade, cria-se outra fonte de renda para os agricultores e evita-se a contaminação das águas.
A bacia, na qual predomina a agricultura familiar, com 26 mil minifúndios, concentra milhões de porcos, aves e bovinos. Seus excrementos, se acumulados na represa, provocariam um excesso de nutrientes, e a consequente proliferação de plantas aquáticas, que, ao apodrecerem, retirariam oxigênio das águas. É o fenômeno da eutrofização, explicou Cícero Bley, superintendente de Energias Renováveis de Itaipu. “A contaminação por resíduos orgânicos é mais comum do que a de agrotóxicos” e em alguns casos obriga que seja feita limpeza permanente nas represas, acrescentou.
A renovação da água na represa demora cerca de 30 dias, o que agrava a preocupação. No rio Madeira, no Estado de Rondônia, onde acabam de entrar em operação as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, bastam dois ou três dias, comparou Domingo Fernandez, pesquisador responsável de fauna itícola em Itaipu. Por isso, o saneamento e o reflorestamento de sua margem são necessidades evidentes para manter produtiva a água da bacia. Dentro do programa CAB foram plantadas mais de 24 milhões de árvores ao redor da represa.
As iniciativas seguem uma metodologia que também é fundamental e que ampliou a atuação para toda a bacia afetada, “porque a natureza se organiza por bacias”, destacou Friedrich. O modelo se fundamenta na responsabilidade compartilhada, envolvendo todos os atores locais, desde órgãos públicos e privados até a sociedade civil e as universidades, e na participação comunitária, em uma espécie de “democracia direta”.
Para isso foram formados comitês gestores nos 29 municípios, que incluem, em média, 57 representantes de variados setores, após numerosas reuniões de sensibilização e discussão dos problemas. Os chamados Pactos das Águas, que são compromissos comunitários assinados com cerimônia, impulsionam o desenho e a execução coletiva de planos e projetos.
Essas iniciativas traçam um bom caminho, mas estão longe de redimir a dívida social de Itaipu, segundo Aluizio Palmar, fundador do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular e ex-secretário de Meio Ambiente e Comunicação de Foz do Iguaçu, município brasileiro onde está instalada a hidrelétrica binacional.
A construção do megaprojeto, entre 1975 e 1983, deslocou famílias camponesas, que muitas vezes careciam de títulos de propriedade para obter indenizações, e multiplicou as favelas e os índices de violência em Foz do Iguaçu, recordou Palmar. As compensações financeiras beneficiam principalmente as prefeituras, que as usam em sedes de luxo e atrações turísticas e quase nada destinam para atender as necessidades da população, lamentou.
De todo modo, o quadro de Itaipu contrasta com o de outras bacias brasileiras, especialmente a do rio São Francisco, cuja revitalização é um clamor nacional e que conta com um incipiente programa, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente. Cinco grandes hidrelétricas, com potência conjunta de 10.827 megawatts (77% de Itaipu), aproveitam suas cada dia mais escassas águas no interior do nordeste brasileiro.
Seu maior trecho cruza esta região semiárida e, além das secas, o São Francisco sofre sedimentação e contaminação por atividades humanas, como o desmatamento de suas margens, lançamento de esgoto urbano não tratado e vários projetos agrícolas irrigados com suas águas.
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