quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

De revolucionário a ícone da paz: imagem de Mandela se transformou ao longo das décadas. Carlos Andrade

Iconografia mostra como líder deixou de ser chamado de "terrorista" no Ocidente para se tornar 
unanimidade mundial
Nelson Mandela dedicou pelo menos sete décadas de sua vida à luta pela liberdade. A dedicação com que combateu a crueldade do regime do apartheid sul-africano e os 27 anos em que ficou preso despertaram comoção de boa parte do mundo. Após sua libertação, em 1990, e eleição como presidente (1994), conduziu uma política de reconciliação entre brancos e negros e a refundação da África do Sul, o que o tornou, posteriormente, um ícone da paz.
Todos os países, em algum momento de sua história, sofreram com períodos de desigualdade, repressão e racismo. Não à toa, a forma como “Madiba” (como é popularmente conhecido na África do Sul) superou esses problemas em sua vida acabaram por sensibilizar multidões e líderes políticos para além das fronteiras da África do Sul até que ele se tornasse uma figura de admiração quase unânime ao fim dos anos 1980.

Foi quando começou a ocorrer uma transformação universal em torno de sua imagem. E muito dessa mudança pode ser explicada através da icononografia.

Atualmente, sua imagem positiva perante a opinião pública internacional é quase inquestionável, só se comparando a outras duas unanimidades no século passado, não por acaso, dois pacifistas: Martin Luther King e Mahatma Gandhi.

É comum para muitos que a imagem que venha à cabeça quando se pensa em Mandela seja muito semelhante às mesmas exibidas pelo Google no topo de sua página de busca de fotos quando simplesmente clicamos seu nome: um homem quase sempre sorridente, eventualmente de braço levantado cerrando o punho. Não é coincidência.
Veja abaixo algumas imagens do líder sul-africano na cultura, na mídia e na arte.
Selo da União Soviética em comemoração ao aniversário de 70 anos de Mandela; imagem incomum de austeridade
   
   
Assim como ocorreu com outros personagens históricos influentes, essa imagem alegre e serena ficou atrelada a conceitos e ideologias - nesse caso, o pacifismo e a luta pela igualdade racial. Efeito simbólico parecido, por exemplo, à icônica foto de Che Guevara tirada por Alberto Korda. Para milhões de admiradores do ativista argentino, aquele retrato simboliza a juventude e luta por um mundo melhor.

Esse lado "pacifista" de Mandela é referência em todos os continentes, nas mais variadas culturas. Pode ser encontrado em livros, revistas em quadrinhos, pôsteres, selos, sempre de maneira reverenciosa e, ao contrário de Che e de outros, inconteste.
No entanto, é preciso lembrar que, antes de tudo, Mandela foi um revolucionário – totalmente influenciado pelo comunismo do pós-guerra. E não se encaixa como um pacifista - pois, apesar de ter tentado trilhar inicialmente o caminho da não violência inspirado por Gandhi no início dos anos de 1950, mudou de  ideia radicalmente cerca de dez anos depois, não vendo outra alternativa a não ser a resistência armada. Chegou a pedir ajuda militar clandestina à China; estudou e treinou táticas de guerrilha; organizou um braço armado de seu grupo político que realizava atos de sabotagem. Até os anos 1980, muitos grupos políticos conservadores, que hoje lhe prestam homenagens, o classificaram como “terrorista” durante décadas.
Topo da página de imagens do Google tirada em 7 de dezembro com o termo "Mandela": predominância do pacifista sereno e sorridente Resta saber se, após sua morte, a imagem do Mandela "pacifista", sorridente e conciliador, tantas vezes repetida na mídia e na cultura global e tão mais palatável ao mundo dos mercados, vai se sobrepor e colocar para escanteio o aliado de Fidel, Kadafi e Arafat e, para o incômodo de muitos, um homem disposto a morrer por uma causa.

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