terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Quem é David Harvey?


Em março deste ano David Harvey estará no Brasil, e será mais uma grande oportunidade para se conhecer e discutir o pensamento deste geógrafo marxista, tão rigoroso e criativo na análise do capitalismo, das crises e da urbanização. Harvey nasceu em Kent, na Inglaterra, e neste mesmo país, em Cambridge, se formou em geografia e fez seu doutorado. Seu primeiro livro, publicado em 1969, Explanation in Geography, marca um momento importante de crítica ao empirismo, porém sua teorização se limita à lógica formal.

Gilberto Cunha Franca

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Geógrafo David Harvey
No início dos anos 70, já na Johns Hopkins University, em Baltimore, EUA, publica Justiça social e a cidade [1]. Muito influenciado pelos movimentos civis do final dos anos 60, o livro sinalizava a passagem de um ponto de vista do planejamento do espaço urbano para a compreensão da produção capitalista do espaço e suas desigualdades intrínsecas. O autor e seu pensamento atraíram os leitores brasileiros com o livro “A condição pós-moderna”, publicado no Brasil em 1993.
Seu trabalho de maior densidade é sem dúvida The limits of capitalism [2]. Nele Harvey faz um mergulho nos principais escritos de crítica da economiapolítica de Marx: O capitalOs Grundrisses e Teorias da mais-valia. Parece-me que daí ele traz uma ideia central recorrente em seus escritos: o capitalismo produz suas próprias barreiras, e a transposição delas não pode ser feita se não através do levantamento de barreias cada vez mais amplas. Em seu recente livro O Enigma do capital[3], em que analisa a crise atual, iniciada em 2008 nos EUA e que se propagou globalmente, Harvey reconstrói de maneira impressionante o nexo estreito entre acumulação capitalista, crise e urbanização da sociedade.
O espaço, sobretudo o espaço urbano, transformou-se na principal fonte de reprodução do capitalismo. Harvey se apoia nesta hipótese de Henri Lefebvre, para explicar como isto ocorre, ou seja, como a solução e a formação das crises capitalistas estão cada vez mais atreladas à produção do espaço.
Na reprodução ampliada do capital e sua expansão geográfica há reiterado processo de expropriação, que o autor define como acumulação por despossessão. Na cidade e no campo, através do crédito e das privatizações, o capitalismo relembra o momento original de acumulação. A guerra do Iraque, para dominar um recurso natural, o petróleo, é um exemplo do caráter expropriador ainda na fase contemporânea do capitalismo. Este assunto está bem desenvolvido em O novo imperialismo, publicado no Brasil em 2005, pela Edições Loyola.
No Enigma, esboça uma importante contribuição à teoria revolucionária, cujo centro é enfrentar a acumulação interminável do capital em escala global, o que requer um movimento político global. Para isto ele destaca um principio geral: “manter o movimento político movendo-se de uma esfera de atividade para outra, de maneiras que se reforçam mutuamente”. Numa versão própria da revolução permanente, ele insiste num movimento político que combine transformações nos arranjos políticos e territoriais do Estado com experiências no nível imediato da vida, nas concepções de mundo, nas relações sociais, na relação com a natureza, nas tecnologias e no processo de trabalho.
O centro é a luta de classes, porém esta luta se urbanizou. “A cidade é tanto um lugar de movimentos de classe como a fábrica e precisamos aumentar nossa visão pelo menos a esse nível e a essa dimensão da organização e prática política, em aliança com a vasta gama de movimentos rurais e camponeses, se alguma grande aliança para a mudança revolucionária está para ser construída”, 197. Este é o assunto principal do último livro The rebel cities, ainda não traduzido para o português. E será com certeza um dos temas que podemos aprender e discutir com este geógrafo marxista na sua passagem pelo Brasil.
[1] Este livro foi publicado no Brasil em 1980 pela Hucitec.
[2] Há uma tradução em espanhol deste livro excepcional, Los limites del capitalismo y la teoría marxista, pela Fondo de Cultura.
[3] O livro foi publicado no Brasil pela Boitempo, em 2011, e tenho uma resenha publicada na revista Mercator, da UFC, Vol. 11, No 26 (2012): set./dez.

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