segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Azerbaijão: o duto de petróleo que abastece um ditador


Azerbaijão: o duto de petróleo que abastece um ditador

Emma Hughes escreve do Azerbaijão, onde o líder autocrático Ilham Aliyev usa a energia fóssil para financiar seu regime autoritário e comprar o silêncio da União Europeia.

O ímpeto do governo britânico por gás não apenas resultou num aumento de estações de energia movidas a gás no Reino Unido, mas está também apoiando a perfuração de 26 novos poços no campo de Shah Deniz, operado pela British Petrol (BP), na costa do Azerbaijão. Companhias e tomadores-de-decisões em Londres e Bruxelas miram tais poços e já acertam acordos para a construção de um megaduto do mar Cáspio até a Europa central.

O duto proposto parece com algo assim: do terminal da British Petrol em Sangachal o gás seria impulsionado para o oeste através do Duto do Cáucaso do Sul pelo Azerbaijão e pela Geórgia. De lá, o duto Trans-Anatólio bombearia o gás por toda a Turquia, a fronteira da Grécia, Albânia e finalmente terminaria na Itália. Enquanto cada segmento tem um nome diferente, na realidade são todos parte de um mesmo megaduto. E os planos não terminam por aí. Pressionam para que ele seja estendido até o Turcomenistão, Iraque e Irã, criando uma fonte de recursos significativa, pois os campos de gás da Ásia Central e do Oriente Médio estariam ligados diretamente à rede de dutos europeia.

Um duto como este pode ser devastador para o meio ambiente, colocando outras 1,1 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera até 2048 - o equivalente a 2,5 anos do total de emissões dos 5 países pelos quais o duto passará: Azerbaijão, Georgia, Turquia, Grécia e Albânia. E no país de extração, o Azerbaijão, sua construção minaria diretamente a luta para derrubar o ditador do país, Ilham Aliyev.

A família no comando, os Aliyevs, se mantiveram no poder no Azerbaijão nas últimas duas décadas através de uma combinação entre eleições fraudulentas, prisões de candidatos da oposição, espancamento de manifestantes e cerceamento da liberdade de imprensa. O pai de Ilham, Heydar Aliyev, se tornou presidente em 1993, depois de um golpe militar; ele havia sido anteriormente o chefe do Azerbaijão Soviético de 1969 a 1982. Em 2003 ele foi forçado a se retirar das eleições presidenciais devido a problemas de saúde e, ao invés dele, seu filho concorreu e ganhou. As eleições foram reconhecidas como fraudulentas.

O governo dos Aliyevs foi facilitado pela assinatura do ''contrato do século''em 1994, que trouxe 11 corporações, incluindo a British Petrol, a Amoco, a Lukoil da Rússia e a Companhia de Petróleo da República do Azerbaijão, em um consórcio para extrair petróleo do Mar Cáspio. O dinheiro deste petróleo não apenas fez com que estas corporações tivessem lucros gigantescos, como também deu à família Aliyev muita riqueza e aliados importantes além-mar. O petróleo forneceu meios para que o regime não tivesse de depender de impostos, então há pouco incentivo para o governo prestar atenção à voz ou interesse dos cidadãos.

Mirvari Gahramanli trabalha no sindicato que busca proteger os direitos dos trabalhadores petroleiros. Ela culpa a British Petrol pelo presidente autocrático do país: “A British Petrol é a fonte de seu poder. O que seria dele sem dinheiro? Onde estariam sua riqueza, sua polícia, sem o dinheiro da BP? Os Aliyevs enriqueceram pela BP e como resultado hoje eles têm muito mais poder."

O dinheiro da indústria petrolífera deveria ser controlado pelo Fundo Estatal do Petróleo para o Azerbaijão, que deveria financiar a transição da economia azeri para além do petróleo, o que asseguraria que a riqueza seria mantida para futuras gerações. Ao invés disso, muito deste fundo foi investido na construção civil.

Permanentemente em obras
Chegar na capital do Azerbaijão, Baku, à noite, faz parecer que é um dos lugares mais opulentos do planeta. O caminho do aeroporto internacional Heydar Aliev é uma confusão de luzes e cores. Uma caminhada à luz do dia revela um lado diferente da cidade. A opulência ainda é evidente nas ruas comerciais, cheias de lindas praças e lojas de design - a maioria delas vazias. Mas caminhar em uma rua paralela é como ir aos bastidores de um set de filmagens. Poeira e detritos por todos os lados, edifícios inteiros destruídos lançando poeira para as ruas. Baku é uma cidade permanentemente em obras.

As pessoas beneficiadas pelo estado contínuo de demolição de Baku foram reveladas pelo trabalho de jornalistas azeris. Khadija Ismayilova mostrou a ligação entre muitos projetos com o presidente e sua família. Entre eles, estão inclusos o Palácio de Cristal que sediou o festival de canções Eurovision em 2012; e a Praça da Bandeira que custou 38 milhões de dólares e deteve temporariamente o recorde mundial do Guiness como o maior mastro de bandeira até que foi derrotado há alguns meses pelo mastro rival em Dushanbe, no Tajiquistão. Dois terços do custo da praça vieram do fundo e o outro terço veio do orçamento estatal de 2011, ainda que as companhias construtores fossem conectadas com Aliyev.

A lista de empreendimentos nos quais os Aliyevs estão conectados é extensa. Ela inclui companhias de telefonia, de mineração de ouro e de infraestrutura energética. É comum que grandes projetos de infraestrutura, financiados por dinheiro público proveniente dos lucros do petróleo, sejam distribuídos entre companhias que pertencem a funcionários de alto escalão do governo, incluindo o presidente. Novas leis fazem com que o registro de propriedade destas empresas seja secreto. mesmo que elas sejam registradas no estrangeiro, para que a auditorias públicas se tornem impossíveis.

O papel de Khadija Ismayilova na exposição dos lucros pessoais da família Aliyev fez com ela começasse a ser chantageada. No meio da investigação sobre o lucro das empresas responsáveis pela Praça da Bandeira, uma fita com a gravação feita por uma câmera escondida mostrando ela e seu namorado fazendo sexo em seu flat lhe foi enviada. A carta que acompanhava a fita ameaçava publicar o vídeo na internet caso ela não parasse as investigações. Ela continuou e a gravação foi parar na internet. A isto se seguiu uma campanha de difamação e assédio por oficiais do governo em eventos públicos.

Enquanto as autoridades tentavam rotulá-la como uma “mulher promíscua” por ter feito sexo fora do casamento, ela afirma que o tiro saiu pela culatra: “a sociedade ficou mais liberal do que o governo e eu obtive muitas mensagens de apoio não apenas de setores liberais da sociedade mas também de partidos islâmicos porque eles também lutam contra o governo, todos me apoiaram a continuar fazendo meu trabalho.”

No Azerbaijão não há quase nenhuma mídia independente; a maioria dos jornais e quase todos os canais de televisão são controlados pelo governo. A experiência de Khadija Ismayilova é rara pois ela não foi para na prisão, nem no hospital, nem no necrotério. Em 2005 o fundado e editor da revista semanal de oposição “Monitor”, Elmar Huseynov, foi morto a tiros em seu apartamento. Ele havia recebido ameaças pelos seus escritos e muitos no Azerbaijão acreditam que ele foi baleado por este motivo.

Os azeris estão furiosos sobre o fato de como o dinheiro público tem sido desperdiçado. Apesar da opulência no centro de Baku, os cidadãos têm de pagar muito caro por serviços básicos, como o de saúde. Grande parte da infraestrutura do país precisa de reparos.

Uma nova geração está encontrando meios de se organizar através do Facebook, de blogs e flashmobs. O clima em Baku é de expectativa; as pessoas falam sobre quando Aliyev partirá. À época que Baku sediava o festival Eurovision em 2012, os movimentos de protesto tiveram a oportunidade de conquistar a atenção internacional, mesmo que isso não impedisse que o governo respondesse com dura repressão. Em outubro, 200 ativistas muçulmanos que protestavam contra a proibição dos hijabs [N.T. tipo de véu usado para cobrir o cabelo e o pescoço das mulheres] nas escolas secundárias se confrontaram com a polícia em frente ao ministério da educação. 72 foram presos - a maioria continua na cadeia.

Em Janeiro de 2012, na cidade de Ismaylli, a oeste de Baku, o filho do ministro do trabalho, bêbado, bateu o seu SUV em um taxi e depois espancou o motorista do veículo. Em resposta, moradores da cidade colocaram fogo em seu SUV e em outros veículos e hotéis pertencentes à sua família. O gás lacrimogêneo empesteou as ruas enquanto a polícia militarizada marchava sobre a cidade. Um estado de emergência foi declarado na cidade e região, cafés foram fechados e a internet censurada. As tropas se mantiveram na cidade por mais de um mês como uma demonstração de força. Em um regime que teme a mudança é necessário recorrer a cada vez mais violência e repressão. Aumentou o número de prisões devido à eleição marcada para outubro.

A democracia não será conquistada com facilidade. Pressionar a família Aliyev para fora do poder será um processo muito duro, que tem sido ainda mais dificultado pelas ações dos governos ocidentais aliados. Em uma viagem à Bruzelas, Aliyev prometeu dois trilhões de metros cúbicos de gás do Azerbaijão para a Europa. Na mesma reunião, o presidente da comissão européia José Manuel Bassoro falou sobre a ótima conversa que teve com Aliyev e elogiou o país pelo progresso que havia feito no campo da democracia e dos direitos humanos.

Foi anunciado recentemente que a assinatura formal da parte final do acordo para o megaduto entre o consórcio Shah Deniz e a Trans Adriatic Pipeline (TAP) parece que ocorrerá em meados de outubro. Isso significa que coincidirá com a eleição presidencial azeri e irá silenciar aqueles da comissão europeia que gostariam de se pronunciar sobre os prisioneiros políticos azeris e a eleição fraudulenta. Ativistas em favor da democracia acusam o ditador do país, Ilham Aliyev de manipular a data da eleição para garantir que a União Europeia não seja crítica do espantoso registro de violações dos direitos humanos e da democracia. 

Tradução de Roberto Brilhante.

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