Um parlamento de tolos: quando políticos declaram guerra à ciência
A doença estadunidense chegou à Inglaterra: parlamentares declarando guerra total à ciência. Um grupo de parlamentares, alguns deles, como John Redwood, Peter Lilley, Andrew Tyrie e Graham Stringer, veteranos, experientes, se prepararam para deixar de lado todo tipo de precaução e declarar guerra total contra as evidências. Objetivo: atacar o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas e bombardear o Ato de Mudanças Climáticas da Inglaterra. Por George Monbiot.
Por George Monbiot, para o Guardian
Londres - Um encontro hippie falando sobre a Terra ser chata. Foi assim que um deputado descreveu o Parlamento semana passada. A política com que cidadãos dos Estados Unidos, do Canadá e da Austrália já estão exaustivamente familiarizados, em que os parlamentares eleitos acusam tanto as evidências científicas quanto os pesquisadores que chegaram a elas, chegou à Inglaterra.
Alguns anos atrás, eu decidi parar de discutir com quem negava as mudanças no clima. Eu perdi tempo demais com pessoas como Lord Lawson, Lord Monckton, David Rose ou Christopher Booker. Parece que o que eles têm fica grudado em você. Eu comecei a me sentir como o homem daquela charge: “Não posso ir para a cama ainda, querida. Ainda tem alguém errado na internet.”
Mas isso, em Westminster, é algo novo: um grupo de parlamentares, alguns deles, como John Redwood, Peter Lilley, Andrew Tyrie e Graham Stringer, veteranos, experientes, se prepararam para deixar de lado todo tipo de precaução e declarar guerra total contra as evidências. Ouvindo ao debate de terça-feira, eu tive a sensação de que eles estavam fazendo um ritual de iniciação, como membros de gangue fazendo uma tatuagem na cara. Para mostrar que você é crente de verdade, você deve mutilar seu histórico político falando um monte de bobagens sem sentido no Parlamento. Então, com o coração pesado, lá vou eu de novo.
Eles pareciam ter dois objetivos: atacar o relatório a ser apresentado na semana seguinte pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas e bombardear o Ato de Mudanças Climáticas da Inglaterra. Não fosse pelo fato de que eles hoje representam uma forte corrente de opinião dentro do Parlamento, na qual o secretário de meio ambiente está, eu simplesmente bateria minha cabeça na parede três vezes e iria em frente. Mas o poder e o alcance deles, suas certezas e absurdas deturpações demandavam uma resposta.
O debate foi proposto por um parlamentar conservador chamado David TC Davies, que usa seu discurso para tecer uma longa lista de teorias da conspiração e mitos sobre zumbis; alegações que vêm sendo derrubadas diversas vezes mas continuam reaparecendo. Eis aqui alguns exemplos, para dar para vocês uma noção da distância que os nossos representantes eleitos tomaram das evidências.
“Não está provado”, sustentou Davies, “que o dióxido de carbono que foi para a atmosfera seja o responsável pelo pequeno aquecimento que aconteceu desde o início da industrialização”. Bem, claro que não está provado – nada está. Mas as evidências são impressionantes. Talvez Davies não saiba da montanha de estudos científicos sobre o assunto, investigando as contribuições prováveis de manchas solares, vulcões e outras causas naturais, e a mensuração da radiação refletida de volta para a Terra por causa dos gases do efeito estufa. Esses estudos atribuem a maior parte do aquecimento das últimas décadas a nós.
Davies insiste que “nos anos 1970, todo mundo previa que estávamos chegando a uma nova era do gelo”. Mas um estudo sobre os artigos que tratavam de mudança climática publicados entre 1965 e 1979 encontrou sete textos que sugeriam que o mundo poderia estar esfriando, e 44 propondo a tese de que ele estava esquentando. A “ênfase no aquecimento por causa do efeito estufa”, conclui o estudo, “dominou a literatura científica desde então”. Havia muitas histórias na imprensa popular sugerindo uma iminente era glacial, mas os cientistas não têm culpa disso, assim como eles não têm culpa pela declaração de Davies de que “é com uma era glacial que devemos nos preocupar”.
E assim ele foi, desenrolando fábulas bem conhecidas sobre conspirações selvagens com o departamento de meteorologia (conhecido como Met), “fez tudo que era possível para esconder evidências e cálculos”, postando, ãhn, tudo no seu site. Malditos. Mas uma afirmação se destaca. Davies a sustentou de acordo com uma resposta de um parlamentar que ele recebeu, de que “toda pessoa no país vai pagar entre 4.700 e 5.300 libras esterlinas por ano para manter as políticas de controle do clima do governo”. Eu procurei isso. Não achei nada.
Os números que ele mencionou são uma média de todos os custos por pessoa com energia entre 2010 e 2050: “todo o dinheiro necessário para a operação de todo o sistema energético, incluindo o funcionamento dos carros, trens, aviões, usinas de força de todos os tipos”. Os programas de controle do clima são uma parcela bem pequena disso. A tal resposta foi dada oito dias antes do debate. É difícil imaginar como o sr. Davies conseguiu lembrar tão bem dos números exatos, mas esquecer a que eles se referiam.
Ele não é o único a manipular as evidências assim. O deputado trabalhista Graham Stringer se juntou à caça às bruxas dizendo que o departamento de pesquisa do Met – o Hadley Center, em Exeter – foi desacreditado depois de uma pesquisa feita por Lord Oxburgh. Mas a pesquisa de Lord Oxburgh investigou (e desonerou completamente) um corpo completamente diferente, do outro lado do país: a unidade de pesquisa climática da Universidade de East Anglia. O que faz com que tudo isso seja mais estranho ainda é que Stringer, como membro da comissão de ciência e tecnologia da Câmara dos Comuns, conduziu uma pesquisa paralela sobre a tal unidade, em que foi registrado que seus métodos eram extremamente agressivos. Como ele poderia esquecer qual o órgão que foi submetido às investigações?
Devemos acreditar que esses representantes têm mesmo uma memória tão ruim ou tão pouca capacidade de compreensão que esses foram erros não intencionais? Seja qual for o caso, Davies e Stringer devem se corrigir perante a Casa.
Foi muito bom ver um ministro conservador, Greg Barker, montar uma defesa tão robusta da ciência, especialmente quando um de seus colegas, o secretário de meio ambiente Owen Paterson, publicamente a rejeitou, se aliando aos lobistas dos combustíveis fósseis contra as evidências. Mas por quanto tempo mais o governo vai manter entre os seus os terra-chata? Será que logo vamos estar como a Austrália, onde o primeiro ministro disse que aquecimento global por ação do homem é “uma completa besteira”?
Nunca subestime a capacidade dos poderosos de ignorarem as evidências que eles acharem inconvenientes. Nunca subestime a boa vontade deles em apaziguar os lobistas repetindo as besteiras que eles falam. Nunca subestime a presteza com que eles abandonam os interesses de toda a humanidade em nome de uma crença que eles se recusam a deixar para trás.
Alguns anos atrás, eu decidi parar de discutir com quem negava as mudanças no clima. Eu perdi tempo demais com pessoas como Lord Lawson, Lord Monckton, David Rose ou Christopher Booker. Parece que o que eles têm fica grudado em você. Eu comecei a me sentir como o homem daquela charge: “Não posso ir para a cama ainda, querida. Ainda tem alguém errado na internet.”
Mas isso, em Westminster, é algo novo: um grupo de parlamentares, alguns deles, como John Redwood, Peter Lilley, Andrew Tyrie e Graham Stringer, veteranos, experientes, se prepararam para deixar de lado todo tipo de precaução e declarar guerra total contra as evidências. Ouvindo ao debate de terça-feira, eu tive a sensação de que eles estavam fazendo um ritual de iniciação, como membros de gangue fazendo uma tatuagem na cara. Para mostrar que você é crente de verdade, você deve mutilar seu histórico político falando um monte de bobagens sem sentido no Parlamento. Então, com o coração pesado, lá vou eu de novo.
Eles pareciam ter dois objetivos: atacar o relatório a ser apresentado na semana seguinte pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas e bombardear o Ato de Mudanças Climáticas da Inglaterra. Não fosse pelo fato de que eles hoje representam uma forte corrente de opinião dentro do Parlamento, na qual o secretário de meio ambiente está, eu simplesmente bateria minha cabeça na parede três vezes e iria em frente. Mas o poder e o alcance deles, suas certezas e absurdas deturpações demandavam uma resposta.
O debate foi proposto por um parlamentar conservador chamado David TC Davies, que usa seu discurso para tecer uma longa lista de teorias da conspiração e mitos sobre zumbis; alegações que vêm sendo derrubadas diversas vezes mas continuam reaparecendo. Eis aqui alguns exemplos, para dar para vocês uma noção da distância que os nossos representantes eleitos tomaram das evidências.
“Não está provado”, sustentou Davies, “que o dióxido de carbono que foi para a atmosfera seja o responsável pelo pequeno aquecimento que aconteceu desde o início da industrialização”. Bem, claro que não está provado – nada está. Mas as evidências são impressionantes. Talvez Davies não saiba da montanha de estudos científicos sobre o assunto, investigando as contribuições prováveis de manchas solares, vulcões e outras causas naturais, e a mensuração da radiação refletida de volta para a Terra por causa dos gases do efeito estufa. Esses estudos atribuem a maior parte do aquecimento das últimas décadas a nós.
Davies insiste que “nos anos 1970, todo mundo previa que estávamos chegando a uma nova era do gelo”. Mas um estudo sobre os artigos que tratavam de mudança climática publicados entre 1965 e 1979 encontrou sete textos que sugeriam que o mundo poderia estar esfriando, e 44 propondo a tese de que ele estava esquentando. A “ênfase no aquecimento por causa do efeito estufa”, conclui o estudo, “dominou a literatura científica desde então”. Havia muitas histórias na imprensa popular sugerindo uma iminente era glacial, mas os cientistas não têm culpa disso, assim como eles não têm culpa pela declaração de Davies de que “é com uma era glacial que devemos nos preocupar”.
E assim ele foi, desenrolando fábulas bem conhecidas sobre conspirações selvagens com o departamento de meteorologia (conhecido como Met), “fez tudo que era possível para esconder evidências e cálculos”, postando, ãhn, tudo no seu site. Malditos. Mas uma afirmação se destaca. Davies a sustentou de acordo com uma resposta de um parlamentar que ele recebeu, de que “toda pessoa no país vai pagar entre 4.700 e 5.300 libras esterlinas por ano para manter as políticas de controle do clima do governo”. Eu procurei isso. Não achei nada.
Os números que ele mencionou são uma média de todos os custos por pessoa com energia entre 2010 e 2050: “todo o dinheiro necessário para a operação de todo o sistema energético, incluindo o funcionamento dos carros, trens, aviões, usinas de força de todos os tipos”. Os programas de controle do clima são uma parcela bem pequena disso. A tal resposta foi dada oito dias antes do debate. É difícil imaginar como o sr. Davies conseguiu lembrar tão bem dos números exatos, mas esquecer a que eles se referiam.
Ele não é o único a manipular as evidências assim. O deputado trabalhista Graham Stringer se juntou à caça às bruxas dizendo que o departamento de pesquisa do Met – o Hadley Center, em Exeter – foi desacreditado depois de uma pesquisa feita por Lord Oxburgh. Mas a pesquisa de Lord Oxburgh investigou (e desonerou completamente) um corpo completamente diferente, do outro lado do país: a unidade de pesquisa climática da Universidade de East Anglia. O que faz com que tudo isso seja mais estranho ainda é que Stringer, como membro da comissão de ciência e tecnologia da Câmara dos Comuns, conduziu uma pesquisa paralela sobre a tal unidade, em que foi registrado que seus métodos eram extremamente agressivos. Como ele poderia esquecer qual o órgão que foi submetido às investigações?
Devemos acreditar que esses representantes têm mesmo uma memória tão ruim ou tão pouca capacidade de compreensão que esses foram erros não intencionais? Seja qual for o caso, Davies e Stringer devem se corrigir perante a Casa.
Foi muito bom ver um ministro conservador, Greg Barker, montar uma defesa tão robusta da ciência, especialmente quando um de seus colegas, o secretário de meio ambiente Owen Paterson, publicamente a rejeitou, se aliando aos lobistas dos combustíveis fósseis contra as evidências. Mas por quanto tempo mais o governo vai manter entre os seus os terra-chata? Será que logo vamos estar como a Austrália, onde o primeiro ministro disse que aquecimento global por ação do homem é “uma completa besteira”?
Nunca subestime a capacidade dos poderosos de ignorarem as evidências que eles acharem inconvenientes. Nunca subestime a boa vontade deles em apaziguar os lobistas repetindo as besteiras que eles falam. Nunca subestime a presteza com que eles abandonam os interesses de toda a humanidade em nome de uma crença que eles se recusam a deixar para trás.
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