A Lei de Cotas ajuda a quebrar o mito da democracia racial. Essa é a avaliação de Eugenia Portela Siqueira,
pesquisadora da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados). Para a professora, a implementação
da política afirmativa reconhece a existência do preconceito racial na sociedade e a necessidade de fortalecer
a identidade do negro e do indígena.
Cristiane Capuchinho
Cristiane Capuchinho
Para pesquisadora, cota exige "real democratização" da universidade
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Eugenia estuda as relações étnico-raciais na educação. No seu doutorado, a professora acompanhou 31 alunos cotistas do Prouni (programa federal de bolsas em universidades privadas). Em seus depoimentos, os estudantes contavam casos de discriminação racial e social sofridos dentro do ambiente acadêmico e do mercado de trabalho.
Confira abaixo trechos da conversa que aconteceu durante o I FNAC (Fórum Nacional de Alunos Cotistas), no Memorial da América Latina, em São Paulo.
De que maneira a Lei de Cotas ajuda a reduzir a desigualdade racial do país?
[A Lei de Cotas] Deu uma balançada no mito da democracia racial no Brasil. Isso é inegável. Historicamente qual era o espaço do negro na sociedade? Era o da doméstica, o do frentista. Se pegarmos os dados de emprego, a população negra ainda é mal remunerada, tem menor rendimento e tudo mais. Mas já teve alguma mudança. Tem que ter uma discussão para quebrarmos esse paradigma de democracia racial. A presença do negro em espaços que historicamente foram reservados a brancos incomoda.
A universidade ainda é eurocêntrica. Quem é que começou a estudar neste país? Quem é que foi para fora estudar? Os ricos, os brancos. A universidade ainda tem esse modelo, a presença do negro e do indígena nesse espaço ainda causa impacto.
Como se dá a inclusão dos cotistas negros dentro das universidades, que não costumam ter professores negros?
É importante que os grupos de estudo e os núcleos afro-brasileiros afirmem a identidade desses alunos. Muitas alunas na pedagogia se identificaram negras depois que eu comecei a dar aula lá... A primeira orientanda que eu tive, eu olhava os traços dela, eu via que ali tinha a presença negra. Ela tem a pele um pouco mais clara que a minha, alisava o cabelo e clareava com luzes. Eu brinco com ela que ela foi enegrecendo. O cabelo foi ficando encaracolado, e hoje ela parece outra pessoa.
Historicamente nosso cabelo foi negado, porque é cabelo ruim, 'cabelo de nego'. O nosso nariz foi considerado feio, a bunda, feia. Esses estereótipos estão na mídia, com as "belas adormecidas" da vida, os anjinhos da vida. A criança negra cresce sendo negada, negada a cor, negado o cabelo. Como é que você vai afirmar a identidade se você é negra e passa a vida toda brincando com boneca branca? Tem anjinho na igreja, você não pode ser. É esse racismo cordial que existe na sociedade brasileira que tornou tudo mais difícil.
Na universidade não é diferente. Hoje ela abre espaço, mas tem professor contra cota na universidade? Tem. Tem professor que discrimina aluno? Tem. Porque o preconceito está impregnado nas pessoas. Tem pessoas que duvidam da sua capacidade.
Quais os desafios que a Lei de Cotas impõem às universidades?
Não basta dar o acesso, a universidade não acolhe como deve acolher. O grande desafio da universidade é fortalecer a identidade desses grupos, mostrar que [cotas] não é um favor, é um momento em que o Brasil precisa rever o que historicamente fez. É usar a riqueza dessa troca [entre grupos diversos] para que haja respeito entre os grupos.
Qual o impacto que uma política afirmativa como essa pode ter?
A presença desses alunos [negros e indígenas] na universidade, sua entrada no mercado de trabalho, isso modifica as relações étnico-raciais na sociedade e, consequentemente, a sociedade como um todo.
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