segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Pascual Serrano: Ser de esquerda hoje

Não falta quem diga que não é de esquerda nem de direita, ou que não entende de política, apenas quer um trabalho e uma vida digna.

Pascual Serrano
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As forças mais conservadoras e reacionárias, em seu entusiasmo após a queda do muro de Berlin, começaram a tentar terminar com a dicotomía esquerda-direita. O iniciaram com a tese do “fim da história”, de Francis Fukuyama, continuaram com “o crepúsculo das ideologias”, do franquista Fernández de la Mora e continua hoje com Silvio Berlusconi reivindicando a anti-política. Na Espanha, o ditador Francisco Franco, quando alguém de seu entorno lhe expressava alguma queixa, respondia, “você faça como eu, não se meta em política”.

A estratégia vem dando certo resultado entre alguns novos movimentos. Não falta quem diga que não é de esquerda nem de direita, ou que não entende de política, apenas quer um trabalho e uma vida digna. O avanço desta tese é mais uma prova da perda da batalha ideológica pela esquerda. Daí a necessidade de explicar que existem dois modos de enfrentar aeconomia como está organizada, a convivência e inclusive nosso comportamento privado e nossos sentimentos. E esses modos continuam estando bem representados nos termos de direita e esquerda, baseados na distribuição dos deputados na Assembleia Constituinte após a Revolução Francesa.

Ser de esquerda hoje supõe situar-se e escolher em três âmbitos: o da alternativa política, o dos valores e princípios, e o do comportamento pessoal. Como posição política supõe a defesa de um estado social que intervenha para garantir os direitos e liberdades. Tendo claro que determinadas liberdades burguesas, resultado dos princípios da Ilustração, só têm sentido se são garantidas as condições sociais necessárias (alimentação, saúde, educação, moradia, trabalho, segurança, paz...).

Para a esquerda, o exercício de uma liberdade que necessita dinheiro, nunca será um verdadeira liberdade. Isso será mercado. Essa é uma diferencia fundamental com a direita.  E apenas algumas instituições representativas do povo, ou seja, o Estado, podem garantir esses direitos e liberdades, que estarão orientados a garantir que se cubram as necessidades dos cidadãos e que existe um sistema de leis e distribuição da riqueza justa. Em termos marxistas, “de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo sua necessidade”.

Ser de esquerda também supõe a adoção de alguns valores e princípios. Leva a renegar do mito da competitividade que impõe a direita e o neoliberalismo, para defender o da cooperação. A esquerda se inspira no compromisso com apoiar o mais débil da manada frente ao darwinismo social da direita. Igualmente, a esquerda entende que as lutas nunca são individuais, mas coletivas. Como afirmou Paulo Freire, “Ninguém se salva sozinho, ninguém salva ninguém, todos nos salvamos em comunidade”.

Por último ser de esquerda supõe adotar um comportamento coerente na vida pessoal. Para isso será imprescindível uma vida em harmonia com a sustentabilidade do planeta e o resto de seres vivos. Também informar-se, indignar-se e combater, como diria o Che a sua filha, qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo. Supõe formar-se e capacitar-se para poder melhorar a participação e colaboração no avanço coletivo. E também enfrentar e combater em nossa vida cotidiana as tentações que o modelo neoliberal tenta nos impor pela via do consumismo, da frivolidade, do egoísmo e do individualismo.

Por último, diferente dos modelos de direita que podem ser impostos pela força, um projeto social de esquerda apenas será possível se é compartilhado pelas maiorias sociais. Daí que um compromisso individual do cidadão de esquerda é trabalhar para promover os princípios, os valores, as políticas e os líderes que os representem.

As linhas recém escritas são breves, mas as condições e obrigações que impõem à esquerda são poderosas. Devem ser, porque demasiadas vezes, demasiados governos, em nome da esquerda, cometeram demasiadas traições. Dizem que muitas vezes a política é como tocar o violino: se toma o controle com a mão esquerda, mas depois se executa com a direita.  Por isso devemos ter claro o que é esquerda, para que não confundamos tocar o violino com um governo de esquerdas.  

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