quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

A crise italiana e as piruetas do PD - Achille Lollo



Nunca o Partido Democrático viveu um situação tão favorável para afundar o PdL de Berlusconi

Achille Lollo

Após 20 anos o Tribunal de Milão conseguiu concluir o processo que havia iniciado contra Silvio Berlusconi e o diretor geral do grupo midiático Mediaset. Ambos foram condenados por terem montado uma fraude colossal contra a receita italiana de quase 450 milhões de euros. Os melhores advogados e jornalistas da mídia corporativa não conseguiram evitar que a Junta de Controle Parlamentar efetivasse a condenação do Tribunal de Milão, caçando o título de senador de Silvio Berlusconi, além de retirar-lhe a imunidade parlamentar. 
Isso significa que se o Tribunal de Nápoles e o de Milão finalizarem outros dois processos, por diferentes crimes, e sentenciarem as condenações, Berlusconi irá para a prisão. 
Diante dessa perspectiva, os parlamentares do Partido da Liberdade (PdL) e os pós-fascistas do novo “Irmãos da Itália” promoveram uma agitação midiática a favor de Berlusconi. Porém, tudo isso, na realidade, foi o início da campanha eleitoral que o próprio Berlusconi planejou para tentar reunificar, em 2014, a direita e a centro-direita com a reedição do velho partido “Força Itália”, que Berlusconi fundou em 1994 quando iniciou sua escalada ao poder. 
Nova-velha direita
O leitor brasileiro não pode imaginar o desgaste que o Parlamento e os partidos sofreram nos últimos três meses, quando a mídia e os parlamentares do PdL monopolizaram a atenção dos italianos para justificar e obter a anulação da condenação de Silvio Berlusconi pelo fato de ele ser o líder da direita; “o senador eleito com 6 milhões de votos; um injustiçado; um perseguido pelos juízes comunistas; uma vítima de um erro judiciário, e etc.” 
Uma campanha onde havia de tudo. Uns que exigiam que o presidente Napolitano, espontaneamente, concedesse a graça à Berlusconi; outros que sugeriam apresentar o caso à Corte Internacional de Haia; e houve também o senador Paolo Biondi, que invocou até o golpe de Estado. 
Palavras sem sentido que, na realidade, eram proferidas para exercer uma tremenda pressão midiática sobre os deputados do Partido Democrático (PD) que integravam a Junta Parlamentar e assim adiar a expulsão de Berlusconi do Senado. 
Porém, o lado positivo dessa cena burlesca e ridícula foi a explosão do ódio contra Berlusconi por parte da base do PD, que começou a se manifestar duramente quando o ex juiz e deputado, Luciano Violante, declarou ser a favor de uma “saída judiciária alternativa que se ajustasse aos parâmetros políticos de Silvio Berlusconi”. 
Diante da perspectiva de romper com suas bases, os parlamentares do PD votaram em bloco pela expulsão de Berlusconi do Parlamento. Em represália, Berlusconi ordenou aos parlamentares mais direitistas do PdL a romper com o governo e passar a fazer oposição no novo partido “Força Itália”, que o dinheiro do grupo Mediaset logo improvisou. 
Uma ruptura que, na realidade, foi uma jogada política definida por Silvio Berlusconi e o ministro do Interior, Angelino Alfano. Na verdade, os ministros e os subsecretários, que eram parlamentares do PdL, continuavam a apoiar o governo do PD de Enrico Letta utilizando o novo slogan “Novo Centro-Direita”, com o objetivo de reconquistar a confiança do eleitorado moderado, literalmente apavorado com a possibilidade de outra crise de governo. 
Hoje, o governo de “amplos entendimentos”, formado pela centro-esquerda, (PD e SEL) e a centro-direita (Centro Cívico, UDC e Nova Centro-Direita) sofre a mesma chantagem de antes, quando Berlusconi orquestrava o PdL. O que aconteceu é que Berlusconi simplesmente dividiu os parlamentares do PdL, deixando que a parte ligada a Angelino Alfano continuasse ao lado do governo para exercer uma pressão política e paralisar o programa de Enrico Letta. Um modo de tentar convencer o eleitorado moderado de que é impossível conviver com um governo liderado pelo PD. 
É evidente que a reedição do Força Itália é uma forma para limitar a atomização política da direita, a partir do momento em que o fragoroso fracasso da sociedade de consumo, a  contraão da liberdade de mercado e as crescentes contradições da globalização da economia, liquidaram as propostas programáticas da direita que, hoje, praticamente não tem mais uma sustentação ideológica, a não ser a velha fobia do anti-comunismo. 
A verdadeira ideologia da direita morreu com o aumento da crise econômica e  a multiplicação dos desastres financeiros que estão levando a Itália ao mesmo caminho da Grécia, visto que nesses últimos dez meses a dívida pública passou de 124% para 132% do PIB e o desemprego atingiu a taxa recorde de 12.56%. Nestas condições 44% dos jovens entre 18 e 32 anos estão nas ruas procurando emprego. Uma situação catastrófica que não acontecia desde 1966. 
PD dividido
Nunca o PD viveu um situação tão favorável para afundar o PdL de Berlusconi e, consequentemente, criar as condições para poder governar sem sofrer mais a chantagem política da direita.Uma oportunidade que os senadores do PD queimaram  eludindo com pouca astúcia a possibilidade de modificar o sistema eleitoral chamado por todo o mundo de “Porcalhada”. 
A direção do PD ordenou a seus senadores que postergassem a votação sobre essa lei eleitoral e, assim, dessem tempo ao partido para definir a eleição do novo secretário-geral. Uma eleição que,certamente, irá modificar ou acentuar a linha de atuação do governo liderado por Enrico Letta. 
Tudo isso indica também que o marasmo e o enfraquecimento político do Partido Democrático é tão amplo que hoje o conjunto dos dirigentes estão temerosos em enfrentar seus militantes e, sobretudo, os setores da população mais pobres e mais atacados pelo desemprego e pela crise. Um medo aparente porque o partido sabe que, hoje, é cada vez mais difícil iludir as pessoas com promessas. Tudo isso, infelizmente, amplia o fosso entre a classe dirigente e os eleitores. 
Por outro lado, os militantes não entendem por que a luta interna no PD chegou a ser tão desagradável, tão desagregadora, tão oportunista, enfim, tão sectária. A resposta a tudo isso chama-se luta pelo controle da máquina partidária, a partir do momento que o sistema parlamentar italiano oferece aos partidos o chamado “reembolso eleitoral”, que na realidade é um “financiamento oculto”. Por exemplo, em 2013 o PD recebeu cerca de 4 milhões de euros. Um valor que permite fazer movimentar a burocracia partidária sem a ajuda e a fiscalização da militância. 
Hoje, para os partidos e em particular para o PD, é mais rentável em termos políticos e midiáticos, sustentar a máquina partidária do que depender dos humores da militância. Por isso, o PD trouxe dos Estados Unidos o modelo das eleições  primárias do Partido Democrata de Bill Clinton para eleger seu secretário-geral. Eleições primárias onde somente uma mínima parte de eleitores vota, inclusive porque se deve pagar um taxa de 7 euros. 
Por causa disso, muitos analistas políticos admitem que o PD acabou de ser um partido social-democrata, capaz de manter, ao mesmo tempo, fortes ligações com os setores populares enquanto negocia com o capital um programa de reformas social-liberais. 
Hoje, o PD é, antes de tudo, um partido do poder, com uma classe dirigente que quer se manter nesse poder e, por isso, descarta as relações ideológicas com setores da população para promover, antes de tudo, ligações políticas com setores da classe média e do mundo produtivo que lhe garantam votos e visualidade midiática. 
Uma deformação política provocada pelo atual sistema eleitoral porcellum (Porcalhada) e antes dele pelo mattarellum (em bom português, loucura). Com o porcellum e o mattarellum surgiram no PD grupos de opinião que, em breve tempo, se transformam em tendências políticas, totalmente voltadas na luta pela conquista das direções regionais e da secretaria nacional do Partido. 
Enfim, um processo que no lugar de agregar desagregou a militância, transformando o partido em uma federação de mini-partidos sempre prontos à cisão caso a maioria não satisfaça suas exigências. 
Hoje, o PD está dividido em quatro tendências. O vencedor das próximas primárias de 8 de dezembro parece que será Matteo Renzi, prefeito de Florência. Um jovem líder que não se preocupa em se manter dentro da disciplina política de centro-esquerda, mas que faz de tudo, e com muito sucesso, para branquear o PD. 
O slogan mais famoso de Renzi é dobbiamo rottamare il partido (devemos livrar o partido da velhice política). Por isso, a grande mídia logo apoiou Matteo Renzi porque, desta forma, o PD vai enterrar com muita facilidade os últimas ícones do socialismo que o PD herdou do PCI . 
O absurdo disso tudo é que as bases do PD apoiam Matteo Renzi, não por concordarem com ele, mas porque esperam que com ele na secretaria aconteça algo de novo, capaz de promover no partido um processo de reconstrução dos ideais de luta que o PD perdeu enquanto entrava nas salas do poder.

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