IHU - Unisinos
Adital
Garantir o transporte gratuito para 7,5 milhões de pessoas que recebem uma renda per capita de até 70 reais é uma das alternativas à infinidade de Projetos de Lei que tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado a fim de melhorar a mobilidade urbana no Brasil. Segundo o pesquisador do Ipea, Ernesto Galindo, autor da Nota Técnica Transporte Integrado Social – uma proposta para o pacto da mobilidade urbana, que propõe a isenção das tarifas de ônibus a uma parcela da população, este projeto é viável "através da desoneração do sistema, ou seja, tirar tributos federais, estaduais e municipais do transporte público, garantindo que ele se torne mais barato”.
Em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone, Galindo esclarece que é possível subsidiar o transporte público através da "gratuidade” do serviço para estudantes e trabalhadores informais, por exemplo, a partir da instituição de leis federais, e através da "desoneração” dos tributos referentes ao transporte público. "A União, os Estados e Municípios devem desonerar o transporte público, mas essas desonerações só podem ocorrer mediante assinaturas de convênios e de um acerto em que o operador do sistema de transporte público se obriga a reduzir as tarifas. (...) Os estados e municípios já reduziram alguns tributos por pressão popular. Então, a parte das desonerações cabe a todo mundo, mas a parte da gratuidade deve ser garantida pelo governo federal através de leis”, salienta.
Ernesto Galindo é técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Confira a entrevista:
Como e em que medida a isenção da tarifa de 7,5 milhões de pessoas que não têm acesso ao transporte pode ser uma alternativa à mobilidade urbana?
Ernesto Galindo – Em primeiro lugar gostaria de esclarecer que essa proposta surgiu num contexto muito específico: além das manifestações que aconteceram a partir de junho, as quais tiveram uma pauta muito forte na questão da mobilidade urbana, o Ipea foi incentivado a escrever uma nota por conta do Pacto da Mobilidade Urbana anunciado pela presidente Dilma e por conta de uma série de Projetos de Lei que tramitam na Câmara dos Deputados ou no Senado, os quais tratam do assunto do transporte público, e que surgiram ou oportuna ou oportunisticamente.
Analisamos que muitas propostas não tinham um cálculo do impacto orçamentário. Então, inicialmente imaginamos uma série de formas de poder subsidiar o transporte público, depois analisamos as implicações de alguns dos impactos dos projetos de lei que estão tramitando no Congresso, e definimos a seguinte proposta: reunimos algumas gratuidades e as vinculamos ao Projeto de Lei Regime Especial de Incentivos para o Transporte Urbano de Passageiro - Reitupe, que está tramitando há mais de dez anos no Congresso, o qual define que a União, os Estados e os Municípios devem desonerar o transporte público, mas essas desonerações só podem ocorrer mediante assinaturas de convênios e de um acerto em que o operador do sistema de transporte público se obriga a reduzir as tarifas. Além disso, existe uma exigência de controle social, de melhorias no sistema de integração, bilhetagem única, etc.
Nesse contexto priorizamos quem tem uma renda muito baixa, ou seja, compatível com o valor que se trabalha no Programa Bolsa Família, quer dizer, 70 reais per capita mensal. A partir desse recorte, baixamos de um universo de mais de 20 milhões de pessoas para um universo de 7,5 milhões. Baixamos também o impacto orçamentário de mais de R$ 20 bilhões para um impacto de oito bilhões, mas consideramos que será possível chegar a menos de cinco bilhões, analisando apenas as 44 maiores cidades do país. Nós tínhamos informações sobre o valor da tarifa nessas cidades e foi possível, a partir dos dados, calcular o impacto. Além disso, de fato essas são as cidades que mais concentram transporte público.
Como subsidiar o custo dessas 7,5 milhões de pessoas a fim de garantir o Transporte Integrado Social? O senhor sugere que o governo federal juntamente com os estados e municípios arquem com os subsídios. Como?
Ernesto Galindo – Basicamente isso é possível através da desoneração do sistema, ou seja, tirar tributos federais, estaduais e municipais do transporte público, garantindo que ele se torne mais barato. Esse é um compromisso dos três entes, sendo que, dos quatro tributos previstos, a União já desonerou três: a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – Cide, que incide sobre os combustíveis; PIS e COFINS, que são cobrados da empresa que presta serviço de transporte público; e uma alteração numa cobrança de seguridade social que recai sobre esse tipo de empresa, que alterou a forma de incidência desse tributo, ou seja, passou a ser cobrada em cima de 2% do faturamento, e isso fez com que reduzisse a carga tributária sobre essas empresas. O único tributo que a União ainda não reduziu foi o PIS e COFINS para importação de alguns produtos como chassi de pneus e combustíveis. Nós consideramos que esse é o caso mais complicado para conseguir reverter o valor da tarifa, porque está envolvido com cadeias monopolizadas ou oligopolizadas.
Os estados e municípios já reduziram alguns tributos por pressão popular. Então, a parte das desonerações cabe a todo mundo, mas a parte da gratuidade deve ser garantida pelo governo federal através de leis. Os municípios e os estados devem arcar com as gratuidades que eles determinam, ou seja, há casos em que estudantes e doadores de sangue têm gratuidade no transporte, e assim por diante.
É possível garantir a gratuidade sem aumentar o imposto de outros serviços?
Ernesto Galindo – Talvez o termo gratuidade seja incorreto, porque sempre que falamos em gratuidade, é claro que alguém está deixando de pagar, mas, para alguém deixar de pagar, outro está pagando. O que acontece no Brasil, e não é um padrão no mundo todo, é que o custo das passagens gratuitas é arcado pelos demais passageiros. Ou seja, outros passageiros pagam para que o idoso possa andar de graça no transporte público brasileiro, por exemplo. É claro que isso gera uma injustiça social, porque muitas vezes pessoas com rendas mais baixas do que um determinado idoso acabam arcando com o custo da passagem desse idoso. Então, consideramos que as gratuidades, ou parte delas, assim como acontece em muitos países da Europa, têm de ser bancadas pelo Estado.
Aí você pergunta: mas então você está tirando algo de outras pessoas? Sim. Esse é o padrão que ocorre com qualquer serviço, seja saúde, educação, e uma série de outros serviços. O que temos de evitar é que quem tem menos condição arque com esse custo. A lógica é que isso recaia sobre as pessoas que têm mais condições.
Como o senhor vê a proposta do Pacto da Mobilidade Urbana da presidente Dilma? Esse pacto já apresentou alguma ação concreta? Em que medida o Transporte Integrado Social é uma alternativa ao Pacto da Mobilidade Urbana?
Ernesto Galindo – Primeiramente quero esclarecer que li algumas matérias na imprensa e houve uma falha de interpretação no nosso texto quando os meios de comunicação informam que para o Ipea o Pacto da Mobilidade Urbana não fez nada e, por isso, estava colocando uma proposta através do Transporte Integrado Social. Esta informação está equivocada, até porque o Ipea é um órgão do governo federal e, apesar de termos a liberdade de apontar críticas, o objetivo é que elas sejam construtivas.
Então, aconteceu que acompanhamos a discussão do Pacto da Mobilidade Urbana com a Casa Civil, com o Conselho das Cidades, com o Conselho de Assuntos Federativos, com o Conselhão que foi presidido pelo presidente do Ipea, e levamos essa proposta para todos esses espaços, inclusive discutimos com movimentos sociais. A presidente Dilma recebeu os movimentos sociais e essas propostas. O próprio Conselho das Cidades emitiu uma resolução indicando de que forma esse pacto deveria ser feito, como poderiam ser utilizados os R$ 50 bilhões anunciados pela presidente para tratar da questão da mobilidade.
O que nós comentamos é que, de fato, até o momento há de concreto os 50 bilhões anunciados pela presidente, mas, em contrapartida, os movimentos sociais e outras instâncias dentro do governo também têm suas propostas referentes à mobilidade urbana e já as colocaram na mesa, anunciando uma série de propostas que consideramos válidas.
A diferença dessas propostas para as que estamos propondo agora é simplesmente porque analisamos que há um contexto em que vários Projetos de Lei poderão ser aprovados e terão um impacto muito grande. Sugerimos, portanto, que o poder Executivo se antecipe a isso e tenha uma contraproposta, porque se chegarem à presidência propostas que têm custos anuais de mais de 20 bilhões para o governo federal, o governo ficará em uma saia justa. Então, é importante que o Estado entenda esses impactos e tenha uma contraproposta para isso, tenha uma forma de priorizar esse público que está sendo colocado nos Projetos de Lei.
Deseja acrescentar algo?
Ernesto Galindo – Os pontos fundamentais são esses: entender o contexto no qual essa questão está sendo proposta, que se trata de uma contraproposta aos projetos que estão tramitando na Câmara e no Senado, e entender que apesar de o pacto da mobilidade urbana não ter oficialmente nenhum resultado que vá além dos 50 bilhões — pelo menos no ponto de vista do governo — existe uma movimentação muito forte, dentro e fora do governo, de diversas propostas para esse pacto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário