quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Onde fica Lampedusa?


Youssef cruzou o Deserto do Saara com uma mapa escolar da Europa dobrado no bolso. 
“Poderia indicar onde está Lampedusa? Não a encontro”, disse esse nigeriano de 28 anos, 
na capital da Líbia. A pequena ilha italiana de Lampedusa está onde sempre esteve: no Mar 
Mediterrâneo, 600 quilômetros a noroeste de Trípoli. Mas chegar a ela se converteu em
 sonho impossível de imigrantes e refugiados africanos.

KARLOS ZURUTUZA
Imigrantes subsaarianos esperam por trabalho debaixo da ponte de Gargaresh, no oeste de Trípoli
“Não há voos diretos de Abuja (capital da Nigéria) para Trípoli, por isso tive que vir por terra. Paguei 800 euros (US$ 1.087) por uma viagem de cinco dias através do deserto, na carroceria de um caminhão carregado com todo tipo de mercadoria. O motorista disse que me amarraria com uma corda, porque não ia parar se alguém caísse” contou o jovem à IPS.
Sempre segurando um pedaço de pau com um rolo de pintar na ponta, Youssef se destaca entre as dezenas de subsaarianos que se reúnem diariamente sob a ponte de Gagaresh, oeste de Trípoli. Esperam que alguém os procure para um dia de trabalho. O pagamento gira em torno de 20 dinares líbios, cerca de US$ 16, mas não se pode falar de um padrão.
“Na semana passada, trabalhei durante dez horas seguidas em uma obra e não quiseram me pagar. Quando quis reclamar, colocaram uma pistola na minha cabeça e me mandaram embora, ou atirariam”, recordou Suleyman, do Mali, que não vê a hora de deixar Trípoli “para sempre”. “Isso não é vida para ninguém. Os enfrentamentos entre as milícias são constantes e frequentemente me assediam só por ser negro”, lamentou esse jovem de 23 anos. “Quando juntar o dinheiro, embarcarei para Lampedusa antes que seja muito tarde”, acrescentou.
No momento o trabalho é escasso e mal remunerado, e a competição fica cada vez maior. Um lugar em uma das balsas está em torno dos US$ 1 mil, quantia inalcançável para muitos. E o econômico não é o único fator a considerar. “A maioria dos barcos deixa de sair antes de novembro por causa das condições do mar, mas pode ser que ainda tenhamos alguma oportunidade antes do final do ano”, observou outro jovem, Christian. Segundo esse nigeriano de 27 anos, os recentes confrontos na capital líbia e a crescente instabilidade desse país estão empurrando muitos a tentarem chegar a Lampedusa “a todo custo”.
No regime de Muammar Gadafi (1969-2011), a Líbia se converteu em importante centro de imigrantes africanos enquanto o então governante pedia dinheiro aos países europeus para evitar uma “Europa negra”. Mas, desde 2011, o número dos que fogem para o norte aumentou, principalmente porque a falta de segurança permite aos contrabandistas de pessoas trabalhar com maior liberdade.
Em uma entrevista exclusiva, um deles garantiu à IPS que “o governo atual está muito ocupado em vigiar a costa devido aos níveis de violência que sofre o país. Hoje, nosso principal obstáculo são as ondas”. Esse contrabandista, que pediu para não ser identificado, admitiu que ganha cerca de US$ 27 mil para cada viagem com sucesso rumo a Lampedusa. Os pagamentos, garantiu, só são aceitos “após os viajantes colocarem o pé em terra”, e por meio de um intermediário em Trípoli.
O certo é que há poucos meses a costa estava muito mais vigiada. Imran, de 21 anos, chegou procedente de sua Caxemira natal – no norte do subcontinente indiano –, para acabar navegando sem rumo em um barco durante três horas até ser capturado pela guarda costeira. “O capitão simplesmente não conhecia a rota e navegamos em círculo”, lembrou esse jovem que pagou com três meses de prisão sua primeira e única tentativa de chegar a Lampedusa.
Apesar das duras condições do centro de detenção líbio, ainda afirma que teve sorte. “Éramos cerca de 50 na mesma cela, mas, pelo menos os guardas nunca me tocaram. Para os negros era completamente diferente. Apanhavam e eram torturados da forma mais brutal, e praticamente todos os dias”, contou Imran. As mulheres eram obrigadas a oferecer sexo em troca de libertação.
Seu testemunho é corroborado pelo informe que a Anistia Internacional divulgou em junho, no qual essa organização humanitária pede ao governo líbio o fim da “detenção arbitrária e indefinida de refugiados, solicitantes de asilo e emigrantes, incluídas as crianças, unicamente por razões migratórias”. A Anistia também documentou vários casos de presos, incluindo mulheres, que denunciaram ter sofrido “surras brutais aplicadas com canos de água e cabos elétricos”.
“Paguei apenas 500 dinares (US$ 400). Os botes mais baratos, na maioria deles geridos por somalianos, são os que nunca chegam. Na próxima vez tentarei com um gerenciado por sírios. São muito mais caros, mas dizem que os sírios sempre chegam a Lampedusa”, disse Imran no hotel onde trabalha como faxineiro. Elias, seu companheiro de trabalho, admite que considera a possibilidade de se unir a Imran em sua próxima tentativa.
Até agora, só uma coisa impede dar esse último passo. “Mesmo pagando os US$ 1 mil por um bom barco, não se pode vê-lo até o momento de partir. E chegando nesse ponto não permitem que ninguém fique para trás”, disse esse homem de 28 anos natural de Arlit, norte de Níger. “Meu primo passou duas semanas em uma ‘casa de espera’ até que o tempo melhorou para embarcar. Finalmente conseguiu chegar à Europa, mas nem todo mundo tem sorte”, opinou.
De volta para baixo da ponte de Gargaresh, Youssef continua esperando um trabalho que lhe permita pagar a passagem para essa ilha que acaba de apontar com uma caneta esferográfica em seu mapa. Porém, está plenamente consciente de que a viagem a esse ponto diminuto pode ser “de ida e volta”. Os pescadores locais sabem muito bem. “Frequentemente encontro cadáveres presos nas minhas redes”, contou Abdalah Gheryani no pequeno porto pesqueiro de Gargaresh, a apenas 200 metros da ponte.

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