terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Os desafios trazidos pelas mudanças na família norte-americana = Natalie Angier



A família Burns, a partir da esquerda: Alec, Brianna, Mike, Kristi e Griffin, do lado de fora de sua 
casa em Chelsea, no Estado de Michigan (EUA). Os filhos de Kristi e Mike, que estão em seu 
terceiro casamento cada um, dividem o tempo com seus outros pais e são um exemplo de
 como os americanos estão redefinindo rapidamente a noção de "família típica"

Natalie Angier
A família Burns, a partir da esquerda: Alec, Brianna, Mike, Kristi e Griffin, do lado de fora de sua casa em Chelsea, no Estado de Michigan (EUA). Os filhos de Kristi e Mike, que estão em seu terceiro casamento cada um, dividem o tempo com seus outros pais e são um exemplo de como os americanos estão redefinindo rapidamente a noção de "família típica"
Kristi e Michael Burns têm muito em comum. Eles adoram palavras cruzadas, futebol, visitar museus e ler cinco ou seis livros ao mesmo tempo. Eles descrevem a si mesmos como introvertidos que sofrem de uma variedade de problemas médicos crônicos. Os dois compartilham históricos conjugais semelhantes também. No dia de seu casamento, em 2011, o noivo tinha 43 e a noiva, 39, e aquele era o terceiro casamento para ambos.
Hoje, a família reunida é um conjunto crescente e às vezes desconfortável de dois filhos de olhar penetrante dos dois casamentos anteriores dela, uma filha e um filho do segundo casamento dele, ex-cônjuges com vários graus de envolvimento, os parceiros dos ex-cônjuges, sogros confusos e uma gatinha chamado Agnes que gosta de dormir no teclado do computador.
Se os Burns parecem atípicos como uma família nuclear norte-americana, que tal os Schulte-Waysers, um alegre bando com dois homens, seis filhos e dois cachorros? Ou os Indrakrishnan, um casal imigrante bem sucedido que vive em Atlanta, cuja filha adolescente divide o tempo entre a prosaica lição de casa e a precisão dos passos da antiga dança hindu; os Glusac de Los Angeles, com seus filhos quase crescidos e sua ladainha de desafios de classe média que parecem pequenas sagas; Ana Perez e Julian Hill de Nova York, solteiros e apenas se virando, mas com sonhos enormes para os seus três filhos pequenos; e o número alarmante de famílias com pais encarcerados, um subproduto triste da situação dos Estados Unidos com o país com mais detentos do mundo.
A típica família norte-americana, se é que ela já existiu em algum lugar a não der na tela de Ação de Graças de Norman Rockwell, tornou-se tão multifacetada e cheia de surpresas como "turducken" – a combinação festiva tipicamente norte-americana de peru recheado com pato e frango.
Pesquisadores que estudam a estrutura e a evolução da família norte-americana expressam um espanto genuíno quanto à rapidez com que a família mudou nos anos recentes, à medida que as transformações normalmente excedem ou contrariando as previsões de alguns artigos científicos atrás.
"Esse movimento, essa rotatividade nas parcerias íntimas está criando famílias complexas numa escala que nunca vimos antes", disse Andrew J. Cherlin, professor de políticas públicas na Universidade Johns Hopkins. "É um erro pensar que este é o ponto final de uma enorme mudança. Ainda estamos no meio dela."
Apesar de toda a mudança incansável na família norte-americana, os pesquisadores que analisam o censo, pesquisas e dados históricos e realizam estudos de campo sobre a vida doméstica comum identificaram o surgimento de vários temas-chave.
As famílias, segundo eles, estão cada vez mais socialmente igualitárias no geral, mesmo à medida que as disparidades econômicas se ampliam. As famílias são mais diversas étnica, racial, religiosa e estilisticamente do que há metade de uma geração – ou até mesmo que há um ano.
Cada vez mais negros se casam com brancos, ateus se casam com batistas, homens casam com homens e mulheres com mulheres, democratas podem se casar com republicanos (e começar programas de entrevistas). Bons amigos se unem como parte de um movimento de "parentesco voluntário", compartilhando diretrizes médicas, testamentos e até adotando um ao outro legalmente.
Pessoas solteiras vivem sozinhas e se consideram com orgulho como famílias de um – mais generosas e cívicas do que os chamados "casados gananciosos".
"Há bons estudos que mostram que pessoas solteiras tem mais propensão do que os casais a ficarem em contato com amigos, vizinhos, irmãos e pais", disse Bella DePaulo, autora de "Single Out" e professora visitante de psicologia na Universidade da Califórnia, Santa Barbara.
Mas isso não significa que ficarão solteiras para sempre.
"Não só há mais tipos de famílias e arranjos de vida do que costumava haver", diz Stephanie Coontz, autora do livro "Intimate Revolutions" ["Revoluções Íntimas"] e historiadora social no Evergreen State College em Olympia, Washington. "A maioria das pessoas passa por diferentes tipos ao longo do curso de suas vidas."
Ao mesmo tempo, o plano da família tradicional de pais casados morando com seus filhos continua sendo uma fonte de poder considerável nos EUA – mas uma que está sendo cada vez mais vista como fora do alcance de todos exceto de uma elite com boa escolaridade.
"Vemos uma divisão de classes não só entre o ter e o não ter, mas também entre os fazer ou não fazer", disse Coontz . Aqueles que estão desfrutando das vantagens de um bom casamento "não defenderiam nenhum outro tipo", diz ela, enquanto aqueles que mais se beneficiariam da estabilidade conjugal "são os que menos conseguem ter os recursos para sustentá-la".
No entanto, no meio dessa divisão há uma cerquinha branca da casa dos sonhos, nossa inabalável crença no valor do matrimônio e da família. Nós nos casamos, divorciamos e casamos novamente em taxas nunca vistas em nenhum outro país do mundo desenvolvido. Gastamos US$ 70 bilhões por ano em casamentos, mais do que gastamos com animais de estimação, café, pasta de dente e papel higiênico juntos.
Ao mapear as diferenças entre as famílias de hoje e as do passado, os demógrafos começam pelas crianças – ou pela falta delas.
Taxa de natalidade do país hoje é metade do que era em 1960, e no ano passado atingiu o seu ponto mais baixo. No final do baby boom, em 1964, 36% de todos os norte-americanos tinham menos de 18 anos; no ano passado, as crianças representaram apenas 23,5% da população, e a proporção está caindo para uma projeção de 21% por cento em 2050.
Menos mulheres estão se tornando mães – cerca de 80% das mulheres em idade fértil hoje contra 90% das mulheres em idade fértil na década de 70 – e aqueles que se reproduzem o fazem com moderação, com uma média de dois filhos por mulher, em comparação a três nos anos 70.
Uma grande razão é o custo crescente de criar filhos para terem uma independência funcional. De acordo com o Departamento de Agricultura, um casal de classe média gasta US$ 241.080 para criar um filho até os 18 anos. Some a isso quatro anos de universidade e talvez pós-graduação, ou um estágio subsidiado pelos pais no grupo de teatro local, e diga olá para um rebento de um milhão de dólares.
Por mais íngreme que o declínio da fertilidade tenha sido, a taxa de casamento caiu mais acentuadamente, especialmente entre as mulheres jovens, que são as que mais têm filhos no país. Como resultado, 41% dos bebês agora nascem fora do casamento, quatro vezes mais do que em 1970.
Também é antiquado o velho debate sobre se as mães de filhos pequenos devem trabalhar fora de casa. Os fatos têm seu peso, a questão está resolvida, e a mãe assalariada é agora um princípio central organizador da moderna família norte-americana.
A percentagem de mães empregadas em tempo inteiro ou parcial quadruplicou desde a década de 50 e hoje respondem por quase três quartos das mulheres que têm filhos em casa. O número de mulheres que são as únicas ou as principais chefes de família também aumentou de 11% em 1969 para 40% hoje.
Uma mudança que pegou muitos pesquisadores da família de surpresa foi a recente queda na taxa de divórcios. Depois de muitas décadas de marcha ascendente, seguida por uma estadia longa e teimosa na marca familiar dos 50% que fazia com que cada noivo sentisse que estava tirando a sorte na moeda, a taxa começou a cair em 1996 e agora está pouco acima dos 40% para os primeiros casamentos.
O declínio foi ainda mais marcante entre os casais de renda média e média-alta e com formação universitária. Para eles, a menos de 1 em cada 3 casamentos está previsto para terminar em divórcio, um certo grau de estabilidade que permite que os casais de elite juntem seus bens com confiança, maximizando o investimento em seus filhos, e acabem ampliando o hiato entre eles e as massas semdinheiro.
Há exceções, é claro. Entre os baby boomers, a taxa de fracasso do casamento subiu 50% nos últimos 20 anos – talvez por causa de uma nostalgia pelos tempos do amor livre, de um amor melhor, de qualquer coisa exceto este amor, dizem os pesquisadores. As taxas de divórcio tampouco parecem ter caído entre aqueles que levam a ironia do velho Samuel Johnson como um conselho, permitindo que a esperança triunfe sobre a experiência, casando-se de novo e de novo. 
Tradução: Eloise de Vylder

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