Medidas de ajuste para equilibrar os mais de 4 trilhões de euros gastos no resgate de bancos e estados estão provocando uma explosão dos números da pobreza
A Carta Maior conversou com a diretora internacional da Oxfam, Natalia Alonso, sobre este novo panorama europeu.
Olhando desde a América Latina às vezes é difícil imaginar a pobreza em uma Europa desenvolvida e com sistemas de seguridade social de longa data. Qual é o panorama concreto que se vive hoje?
Natalia Alonso
É evidente que esta crise teve um impacto especialmente forte na chamada periferia da zona do Euro, em países como Grécia, Portugal e Espanha.
Natalia Alonso: Estes países, por pressão externa ou da própria União Europeia, adotaram medidas muito drásticas e, portanto, estão experimentando um importante salto nos níveis de pobreza. Estes níveis são vistos não só no aumento do desemprego, como também no desemprego de mais de dois anos, o que significa em muitos países europeus a perda da cobertura social e o aprofundamento de uma espiral de pobreza.
Cada país tem sua dinâmica particular. Na Espanha e na Irlanda vimos o fenômeno dos despejos de moradias que impactam ainda mais a situação de extrema vulnerabilidade do desemprego gerando párias virtuais e marginalizados sociais.
Em um determinado momento, na Espanha, chegou a se despejar 115 famílias por dia de suas casas. Essas pessoas não só foram expulsas de suas casas, como mantiveram a dívida porque não se admitiu o valor dos imóveis como pagamento.
Essa situação afetou também os fiadores desses imóveis que, com frequência, são os pais ou familiares dos desalojados.
O empobrecimento também atingiu países centrais como a Alemanha, no interior da zona do euro, ou como o Reino Unido, fora dessa zona.
Natalia Alonso: No caso do Reino Unido as medidas de austeridade adotadas pelo governo impactaram muito mais duramente os 10% mais pobres que os mais ricos. Estes 10% mais pobres viram uma redução de 38% em sua receita líquida desde 2007. É o impacto que tiveram os programas de ajuste no aumento da desigualdade na Europa em geral. Na Grécia, Irlanda, Itália, Portugal, Espanha e Reino Unido houve um crescimento dos níveis de desigualdade comparáveis com os 16% de aumento que experimentou a Bolívia nos seis anos que se seguiram ao programa de ajuste dos anos 90. Nestes países europeus ou os 10% mais ricos ganham mais ou os 10% mais pobres ganham menos ou ambas as coisas. Hoje, o Reino Unido tem níveis de desigualdade maiores que os Estados Unidos. Se não se reverter a atual situação e se seguir com a atual política o coeficiente Gini de desigualdade do Reino Unido e da Espanha ficará muito parecido com o do Paraguai.
A imagem da Europa na América Latina é de uma seguridade social que neutraliza os perigos da pobreza. Essa imagem segue sendo válida?
Natalia Alonso: A ação restauradora do equilíbrio que tinha a seguridade social já não está funcionando da mesma maneira porque se retiraram ou se reduziram os apoios que existiam para pessoas descapacitadas ou desempregadas. Isso cria maior desigualdade, pobreza e crise social. E estão aumentando outras desigualdades como a de gênero. As mulheres são as primeiras que perdem os postos de trabalho.
O modelo econômico europeu tinha como um de seus pilares um equilíbrio social que favorecia um forte consumo interno. Estamos diante de um novo modelo econômico?
Natalia Alonso: Estamos ante um modelo cada vez mais desequilibrado no qual poucos têm muito e gozam de uma extraordinária proximidade ao poder político o que gera problemas de legitimidade. Segundo as projeções, se prevê que haverá crescimento econômico em 2014 e 2015 na União Europeia, mas em caso dele efetivamente ocorrer, será muito desigual. A austeridade está assentando as bases de uma Europa de profundas divisões sociais e nacionais.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
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