quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

O novo mapa da pobreza na Europa. por Marcelo Justo

Medidas de ajuste para equilibrar os mais de 4 trilhões de euros gastos no resgate de bancos e estados estão provocando uma explosão dos números da pobreza
Divulgação
A mais de cinco anos do estouro financeiro de 2008 e do início da grande recessão mundial do século XXI, a Europa exibe um novo mapa da pobreza que, segundo a organização humanitária Oxfam International, pode levar 25 anos para ser revertido. As medidas de ajuste para equilibrar os mais de quatro trilhões de euros gastos no resgate de bancos e estados estão provocando uma explosão dos números da pobreza tanto no centro como na periferia.

Em Portugal, 18% da população vivem abaixo da linha de pobreza. Na Espanha, cerca de três milhões sobrevivem com menos de 307 euros por mês. Na Itália, duplicou o número de pobres nos últimos seis anos e, no mais rico dos europeus, a Alemanha, quase oito milhões de pessoas sobrevivem com 450 euros mensais graças aos pequenos trabalhos oriundos da flexibilização da legislação trabalhista.

A Carta Maior conversou com a diretora internacional da Oxfam, Natalia Alonso, sobre este novo panorama europeu.

Olhando desde a América Latina às vezes é difícil imaginar a pobreza em uma Europa desenvolvida e com sistemas de seguridade social de longa data. Qual é o panorama concreto que se vive hoje?

Natalia Alonso: Há um novo mapa da pobreza na Europa provocado pelas medidas de austeridade que aumentaram não só a pobreza, mas também os níveis de desigualdade. O cálculo que fazemos é que se os governos continuarem aplicando essas medidas haverá entre 15 e 25 milhões de europeus a mais em risco de pobreza em 2025. Se somamos esse número com a população que já enfrenta este risco de pobreza hoje, segundo as cifras oficiais do Escritório de Estatísticas Europeu (Eurostat), em 2025 teremos cerca de 146 milhões de europeus (mais de um quarto da população) enfrentando esse risco.

Isso significa um aumento considerável em termos do que se chama pobreza relativa, medida em relação à renda média de um país, mas também em termos da pobreza absoluta, onde a própria sobrevivência está em jogo. Com a perda do emprego, perde-se a moradia, a fonte de renda, os direitos sociais. Se a isso acrescentamos o desmantelamento dos sistemas de proteção social pelas medidas de ajuste, o resultado é um enorme aumento do número de pessoas vulneráveis. E longe de resolver o problema da dívida ou de estimular o crescimento, estas medidas de ajuste estão piorando a situação em ambas as frentes.

É evidente que esta crise teve um impacto especialmente forte na chamada periferia da zona do Euro, em países como Grécia, Portugal e Espanha.

Natalia Alonso: Estes países, por pressão externa ou da própria União Europeia, adotaram medidas muito drásticas e, portanto, estão experimentando um importante salto nos níveis de pobreza. Estes níveis são vistos não só no aumento do desemprego, como também no desemprego de mais de dois anos, o que significa em muitos países europeus a perda da cobertura social e o aprofundamento de uma espiral de pobreza.

Cada país tem sua dinâmica particular. Na Espanha e na Irlanda vimos o fenômeno dos despejos de moradias que impactam ainda mais a situação de extrema vulnerabilidade do desemprego gerando párias virtuais e marginalizados sociais.

Em um determinado momento, na Espanha, chegou a se despejar 115 famílias por dia de suas casas. Essas pessoas não só foram expulsas de suas casas, como mantiveram a dívida porque não se admitiu o valor dos imóveis como pagamento.

Essa situação afetou também os fiadores desses imóveis que, com frequência, são os pais ou familiares dos desalojados.

O empobrecimento também atingiu países centrais como a Alemanha, no interior da zona do euro, ou como o Reino Unido, fora dessa zona.

Natalia Alonso: No caso do Reino Unido as medidas de austeridade adotadas pelo governo impactaram muito mais duramente os 10% mais pobres que os mais ricos. Estes 10% mais pobres viram uma redução de 38% em sua receita líquida desde 2007. É o impacto que tiveram os programas de ajuste no aumento da desigualdade na Europa em geral. Na Grécia, Irlanda, Itália, Portugal, Espanha e Reino Unido houve um crescimento dos níveis de desigualdade comparáveis com os 16% de aumento que experimentou a Bolívia nos seis anos que se seguiram ao programa de ajuste dos anos 90. Nestes países europeus ou os 10% mais ricos ganham mais ou os 10% mais pobres ganham menos ou ambas as coisas. Hoje, o Reino Unido tem níveis de desigualdade maiores que os Estados Unidos. Se não se reverter a atual situação e se seguir com a atual política o coeficiente Gini de desigualdade do Reino Unido e da Espanha ficará muito parecido com o do Paraguai.

A imagem da Europa na América Latina é de uma seguridade social que neutraliza os perigos da pobreza. Essa imagem segue sendo válida?

Natalia Alonso: A ação restauradora do equilíbrio que tinha a seguridade social já não está funcionando da mesma maneira porque se retiraram ou se reduziram os apoios que existiam para pessoas descapacitadas ou desempregadas. Isso cria maior desigualdade, pobreza e crise social. E estão aumentando outras desigualdades como a de gênero. As mulheres são as primeiras que perdem os postos de trabalho.

O modelo econômico europeu tinha como um de seus pilares um equilíbrio social que favorecia um forte consumo interno. Estamos diante de um novo modelo econômico?

Natalia Alonso: Estamos ante um modelo cada vez mais desequilibrado no qual poucos têm muito e gozam de uma extraordinária proximidade ao poder político o que gera problemas de legitimidade. Segundo as projeções, se prevê que haverá crescimento econômico em 2014 e 2015 na União Europeia, mas em caso dele efetivamente ocorrer, será muito desigual. A austeridade está assentando as bases de uma Europa de profundas divisões sociais e nacionais.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

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