18/09/2012 | José Farhat
“Virão
em seguida sete anos de miséria que farão esquecer toda a abundância...”
[Gênesis 37:30]. A história de José e o sonho do Faraó do Egito no qual são
previstos sete anos de abundância e sete de miséria não se aplicam inteiramente
à Argélia, pois esta não teve sete anos de paz e os sete anos de guerra seriam
muito mais que a miséria dos súditos de Faraó. Os sete anos da guerra da
Argélia fizeram com a pertinácia imperial francesa saísse de lá derrotada sem
honra ou louvor. Os argelinos sofreriam muito mais que os egípcios de José e
Faraó, mas ganhariam a glória e a união entre todos, berberes e árabes.
Em
maio de 1945 a França tiraria sua máscara quando, no dia 8, para abafar
insurreições dos dois lados, dos argelinos e dos franceses, aqueles chamados
respectivamente de “muçulmanos” e estes de “europeus” os militares coloniais
franceses usaram de força diferenciada resultando na morte de em uma centena de
franco-argelinos e 45.000 argelinos, nas regiões de Setifa, Guelma e Kherrata.
Prosseguindo
em sua luta, o povo argelino se movimentava como podia em 1946: Ferhat Abbas
fundou em maio a União Democrática do Manifesto Argelino (UDMA) e Ahmed Messali
Hadj formaria o Movimento pelo Triunfo das Liberdades Democráticas (MTDL) em
outubro. A movimentação de ambos resultou na eleição de cinco deputados do MTDL
no pleito legislativo de novembro.
Os
argelinos perceberam que a simples eleição de uma ínfima minoria não passava de
uma marcação de território e logo no início do ano seguinte, em fevereiro de
1947, o MTDL criou uma organização clandestina para a luta armada, um embrião
apenas, é verdade, mas uma reviravolta significativa na luta de libertação
nacional. Isto seria demonstrado meses depois, em outubro, quando a Assembleia
Nacional, criação imperial francesa, foi forçada a adotar o “Estatuto da
Argélia” que previa a criação de uma Assembleia Argelina “juntando representantes
europeus (leia-se: franceses) e não europeus” (leia-se muçulmanos na cabeça
colonial da França). Como era de se esperar, todos os deputados “muçulmanos”
recusaram a criação da máscara de democracia que a França queria impor.
A
luta continuou e, em abril de 1954, quando um grupo de militantes do Partido do
Povo Argelino (PPA), determinados a, eles também, entrarem na luta armada,
constituindo-se um Comitê Revolucionário para a Unidade e a Ação (CRUA),
transformado depois em Frente de Libertação Nacional (FLN) e, com isto, em 1º
de novembro de 1954 começou efetivamente a Guerra da Independência. Os
partidários de Messali Hadj criariam paralelamente o Movimento Nacional
Argelino (MNA).
O
ano seguinte de 1955 daria à Guerra da Independência uma projeção
internacional. De um lado, o Parlamento francês votou o estado de emergência,
em abril. De outro, entre 18 e 24 do mesmo mês, a Conferência de Bandung reunia
29 países africanos e asiáticos. A Argélia estava representada por uma
delegação da FLN presidida por Hocine Ait Ahmed (1926-) e lá recebeu apoio
unânime. O Governo francês, agindo mais com a mente colonial que com os ideais
da Revolução de 1789, quando milhares de argelinos da região de Constantina se
rebelaram, massacraram odiosamente a população local.
Bandung
e Constantina fizeram com que, em 27 de setembro, as Nações Unidas abrissem o
debate sobre a questão argelina.
A
reação francesa não se fez esperar e, como em todos os casos semelhantes, em 16
de março de 1956, a Assembleia Nacional francesa daria ao governo de Guy Mollet
(1905-1975) poderes especiais para atuar na Argélia; um verdadeiro permis de
chasse (autorização de caça). Mollet também será sempre lembrado pelos árabes,
argelinos ou não, como um socialista de ocasião, pendendo para todos os lados
segundo interesses escusos; por ser o promotor da Guerra do Suez de 1956, em
aliança da França com a Grã Bretanha e Israel; e por seu apoio incondicional a
favor de Israel, contra os árabes.
O
primeiro congresso da FLN, realizado no vale do Sumam resultou na criação do
Comitê Nacional da Revolução Argelina (CNRA), um verdadeiro governo nacional.
Enquanto isto, Mollet empenhava as forças armadas no combate aos argelinos, no
mesmo ano da Guerra do Suez, chegando a França a contar com mais de meio milhão
de soldados para combater aqueles que lutavam por sua independência na
Argélia.
Durante
dez meses, de janeiro a outubro de 1957, Argel é teatro de uma grande luta
contra o ocupante francês. Mais conhecida pelo nome de “Batalha de Argel”, esta
luta foi reprimida pelo uso generalizado da tortura pelo exército francês. De
acordo com Pierre Vidal-Naquet (1930-2006), historiador e intelectual francês,
em Les crimes de l'armée française Algérie 1954-1962, La Découverte, 2001, e
Frantz Fanon (1925-1961), filósofo, sociólogo, psiquiatra, ensaísta francês e
um dos fundadores da corrente de pensamento terceiro-mundista, em Les Damnés de
la Terre, Éditions Maspéro, 1961, a tortura é endemicamente praticada pelas
forças comandadas, na Argélia, pelo general Jacques Massu (1908-2002), que
trouxe em sua mente assassina experiências malditas das guerras da Indochina e
da Alemanha (II Guerra Mundial) e da Légion Étrangère resultando na morte de
entre 1 milhão e 1,5 milhões com o uso frequente de técnicas de tortura baseadas
na eletricidade e no afogamento. Massu e Mollet formaram uma dupla que muito
bem representa um imperialismo, cada um em seu ofício.
O
dia 13 de maio de 1958 está gravado na agenda de todos os reprimidos da terra,
que lutam por sua libertação nacional. Isto devido ao fato de que naquele dia
Massu, conhecido como O Carniceiro de Argel, ganhou a Batalha de Argel, tomou o
poder pelo uso da força das armas e criou o Comitê de Salvação Pública, uma
espécie de rebelião contra o governo central na França. A ressonância em Paris
viria dias depois, em 1º de junho, quando o general Charles de Gaulle
(1890-1970) foi eleito presidente do Conselho de Ministros e começou
imediatamente uma política de salvação. Já do lado argelino, a reação viria
somente no dia 19 de setembro quando Ferhat Abbas formou o Governo Provisório
da República Argelina (GPRA). De Gaulle propôs aos insurgentes argelinos (todos
eles: tanto franceses quanto argelinos de verdade) a “paix des braves” no mês
seguinte. Uma das primeiras importantes manifestações do povo francês foi
eleger De Gaulle como primeiro presidente da república da V República, em 21 de
dezembro. Na prática, o militar e estadista recebia um mandato para resolver o
problema argelino, um problema francês também.
Em
16 de setembro de 1959 De Gaulle, numa alocução transmitida por todos os meios
de comunicação, reconheceu o direito de autodeterminação dos argelinos por via
de um referendo. Os argelinos concordaram. Os colonos franceses a rejeitaram e
se levantaram, em 24 de janeiro, comandados por Pierre Lagaillarde (1931-),
fundador da Organização do Exército Secreto (OAS), organizando a “Semana das
Barricadas” em nome da Argélia francesa. Foram derrotados sete dias
depois.
Em
5 de setembro foi aberto o processo contra a rede de ajuda à FLN, liderada por
Francis Jeanson (1922-2009), jornalista e filósofo francês, que foi diretor da
revista de orientação esquerdista Les Temps Modernes, de 1951 a 1956. A Rede
Jeanson arrecadava e transportava fundos para a FLN e, por esta razão, a atividade
foi considerada pela Justiça francesa como um ato de alta traição por colaborar
com o inimigo e contra os interesses da França. Jeanson foi condenado, à
revelia, a 10 anos de prisão.
Os
intelectuais, universitários e artistas franceses e também os sindicalistas, ao
mesmo tempo, emitiram, no dia seguinte à abertura do processo, o “Manifesto dos
121” intitulado “Declaração sobre o direito à insurreição na guerra da
Argélia”. O movimento permitiu reagrupar personalidades de diversos horizontes
num espírito de liberdade plena, porém mais orientado para a esquerda. O
Manifesto foi um raro documento público alertando o regime gaullista e
esclarecendo o povo francês sobre a situação na Argélia. Seu objetivo e sua
importância ficam claros no conteúdo selecionado do documento quando reza:
“Respeitamos e julgamos justificável a recusa de tomar armas contra o povo
argelino; respeitamos e julgamos justificável a conduta dos franceses que
consideram de seu dever levar ajuda e proteção aos argelinos, oprimidos em nome
do povo francês; a causa do povo argelino, que contribui de forma decisiva para
arruinar o sistema colonial, é a causa de todos os homens livres”.
Jean-Paul
Sartre (1905-1980), filósofo, escritor, crítico literário, representante do
existencialismo e signatário do Manifesto escreveria em sua revista Les Temps
Modernes, na mesma ocasião: “Ninguém ignora hoje que arruinamos, matamos de
fome, massacramos um povo de pobres para que ele tombasse a seus joelhos. Ele
permaneceu em pé. Mas a qual preço!”
O
operariado francês, entre os quais os metalúrgicos argelinos radicados na
França, tiveram assim sua manifestação, de forma taticamente encoberta pela
ação dos intelectuais.
Dia
12 de setembro de 1960, os países afro-asiáticos apresentaram novamente uma moção
comum pedindo a votação pela Assembleia Geral das Nações de uma Resolução de
“reconhecimento do direito do povo argelino à independência”. A Resolução não
foi votada. Graças à ação de seus representantes em Nova York, a FLN obteve
assim mesmo uma vitória diplomática; isto porque, como já acontecera em 1955, a
França, que não reconhece a competência das Nações Unidas sobre um problema que
considera “interno” exclusivamente seu, reagiu abandonando sua cadeira na AGNU.
Ato que seria denominado de “política da cadeira vazia”. Os Estados Unidos, que
se dizem comprometidos com o princípio do direito dos povos a dispor de si
mesmos, por questões políticas, temendo a crescente influência da União
Soviética entre os países afro-asiáticos, se abstiveram de voto. Os
afro-asiáticos voltaram a apresentar a moção que foi votada em 19 de dezembro
de 1960.
Por
outro lado, o referendo sobre a política de autodeterminação, em 8 de janeiro
de 1961, resultou num grande sucesso para o “sim”, tanto na França quanto na
Argélia. Em fevereiro, os ativistas franceses da OAS entram em ação em solo
francês. A maior reação veio, no entanto, por parte dos generais que tentaram
dar um golpe de estado em abril e fracassaram. Em Paris, uma manifestação
pacífica de apoio à Argélia foi reprimida pela Polícia resultando numa centena
de mortes. A França, atordoada, imitava o ferreiro dando “uma martelada no
casco e outra na ferradura”.
A
estação do Metrô parisiense de Charonne, em 8 de fevereiro de 1962, foi palco
de um ataque das forças de ordem contra um grupo da OAS resultando na morte de
9 franceses e o enterro destes, dois dias depois, reuniu meio milhão. Mais
cinco dias e argelinos e franceses assinavam os Acordos de Evian, seguido de um
cessar-fogo no dia seguinte.
A
independência da Argélia foi ratificada, em 8 de abril de 1962 na França, e em
1º de julho na Argélia. Em 5 de julho a Argélia finalmente proclamou sua
independência e o êxodo dos franceses começou imediatamente.
Dependendo
da fonte, a Guerra da Argélia vitimou entre 300.000 e 600.000 pessoas.
A
este ponto da luta argelina, lembremos-nos do Profeta Muhammad quando, ao
retornar de uma batalha, qualificou-a de “o menor jihad” (o esforço menor), a
guerra contra os inimigos externos quando comparada ao “maior jihad”, aquela
que o crente empreende dentro de si mesmo, a sua própria alma. A Guerra da
Independência contra a França foi inegavelmente uma jihad menor quando
comparada à jihad maior representada pela Independência e o que traria com ela:
guerra civil, reconciliação, contestação, entendimentos entre os próprios
argelinos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário