segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Interleite Brasil 2012: otimismo com o mercado mundial, mas dúvidas sobre o capacidade do Brasil exportar



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Com a presença de quase 800 pessoas, o Interleite Brasil 2012, realizado em Uberlândia/MG até o dia 13 de setembro, discutiu em seu primeiro dia as perspectivas para o mercado mundial de lácteos, as mudanças que estão ocorrendo e a capacidade do Brasil de voltar a ser exportador.

O estrategista global do Rabobank, Tim Hunt, falou sobre o cenário mundial e tendências a curto e médio prazo. Com otimisto, ele acredita em recuperação dos preços no mercado internacional. "A produção já está crescendo menos no segundo semestre em vários países, fruto dos preços altos dos alimentos e dos preços mais baixos para o leite", diz. O primeiro sinal disso é a recuperação recente dos preços da Oceania, refletidos nos leilões da plataforma gDT. Segundo Hunt, a tendência é que os preços sempre oscilem em torno de US$ 3.300 a 3.800 por tonelada para o leite em pó integral, uma vez que abaixo desta faixa poucos países são competitivos e acima dela há maior estímulo à oferta mundial e desestímulo ao consumo.



De fato, esse aumento de preços acontece como resultado de uma situação de mercado que não é sustentável. Um dos primeiros argumentos levantados foi a redução do ritmo de produção dos países exportadores depois de sucessivas baixas nos preços pagos ao produtor de leite. E para agravar a situação, os Estados Unidos, um dos maiores produtores de grãos, teve a produção de milho e soja drasticamente comprometida pela seca elevando o custo de produção em todo o mundo. Hunt citou também a redução do consumo interno em países como EUA e Europa ocasionado pela crise econômica mas, por outro lado, a demanda principalmente em países em desenvolvimento - que em sua maioria são importadores de lácteos - continua aquecida. O cenário é agravado pelos baixos estoques mundiais, compondo um mercado delicado que pede mudanças.

Apesar da boa notícia de uma possível guinada nos preços dos lácteos, a má notícia dos altos custos de produção deve continuar. Essa informação também foi reforçada por outro palestrante, Torsten Hemme, diretor do IFCN, que participou via videoconferência em tempo real, direto de seu escritório na Alemanha. Torsten apresentou dados mostrando como o custo de produção vem aumentando rapidamente no mundo inteiro, mas principalmente em países emergentes como o Brasil, a Índia e a China. Esse aumento de custos é fruto de vários aspectos, como a valorização das moedas dos países emergentes, a maior valorização da terra e os custos mais altos de mão-de-obra. Para complicar a mudança de cenário, enquanto a tendência de custos nos países emergentes é de elevação, na Europa (principalmente) e nos Estados Unidos a tendência é oposta, gerando uma convergência de todos para US$ 0,40 por kg. "Desse jeito, no futuro será mais fácil enviar produto dos EUA e da Europa para países como o Brasil", afirmou.

A questão da competitividade veio à tona também na seção de perguntas. Tanto Hunt quanto Hemme colocaram que se não houver forte incremento da eficiência de produção, o Brasil não irá se tornar exportador no curto e médio prazo. "O leite brasileiro custa 40% mais do que o argentino", diz Hemme.



Esse cenário provocou reflexões em várias lideranças. Jacques Gontijo, presidente da Itambé, já havia dito na abertura a respeito da necessidade de elevarmos a eficiência do setor. Wilson Zanatta, da LBR, comentou com o MilkPoint que é fundamental que tenhamos pesquisas aplicadas visando melhorar os sistemas produtivos e produzir leite a custo mais baixo para que o país tenha uma produção economicamente sustentável quando se compara com outros países.

Nesse sentido, Argentina e Uruguai aparecem com boas opções para suprir a demanda brasileira, uma vez que a entrada de produtos lácteos é facilitada pela atuação das políticas contempladas no Mercosul. Alejandro Galetto, da argentina Sancor, foi um dos palestrantes do dia e mostrou como os países do Cone Sul têm se organizado para encarar os desafios impostos pelos cenários atual e futuro. Em um comparativo - entre Argentina, Uruguai, Chile e Brasil - apresentado por Galetto, o Brasil é o país que apresenta maior porcentagem de fazendas contendo o menor número de vacas em produção (60%), enquanto na Argentina esse número gira em torno de 10%. Em 2011 a média diária das fazendas argentinas foi de 2.800 litros. Só nessa comparação é possível perceber a diferença de profissionalização entre os países.

Mas para tal profissionalização continuar acontecendo, segundo o palestrante, é preciso transformar as fazendas familiares em fazendas empresariais, esbarrando em um complicador que é a mão-de-obra. "Uma fazenda empresarial começa a existir quando lidar com as pessoas passa a ser mais difícil do que com as vacas", disse. E para solucionar esse entrave é necessário desenhar uma estratégia em que se trabalhe a cultura, a rotina e a forma de gerenciar a propriedade. Galetto se juntou ao coro dos demais palestrantes ao dizer que há uma forte transformação em curso nos países do Cone Sul.

Hemme, do IFCN, mostrou o processo de transformação em países como Dinamarca, Holanda e Polônia, citando que em um espaço de 15 anos o módulo de produção cresceu muito. "Acredito que teremos grandes transformações nos países emergentes nos próximos anos, puxadas pelo aumento dos salários. Vai ser mais rápido do que vocês imaginam", prevê o economista alemão.

O professor Andrew Novakovic, da Universidade de Cornell, trouxe por fim novos conceitos para a gestão de riscos no que se refere à volatilidade dos custos de insumos e dos preços do leite nos Estados Unidos. Além da operação de mercados futuros, Novakovic explicou os novos mecanismos de proteção de risco propostos pela NMPF, a organização de produtores de leite do país. "Os mecanismos antigos, como preço mínimo, não estão funcionando mais como antes, pois os preços dos insumos têm variado demais e mesmo com um preço mínimo razoável, os produtores podem perder dinheiro", explicou.

Dentro disso, a NMPF propôs ao governo a criação de um seguro de margem (leia mais aqui) que dá aos produtores o direito de receber um bônus toda vez que a receita menos o custo de alimentação cair abaixo de US$ 4/100 libras (cerca de R$ 0,20/litro). Além disso, o produtor poderá optar por pagar um prêmio crescente para segurar um valor mais alto, em parte da sua produção. É um mecanismo de mercado substituindo mecanismos públicos. Novakovic também mencionou o programa de estabilização de produção, que prevê que o laticínio não pague pelo leite acima de uma quantidade por produtor, praticamente um sistema de cotas. "Esse programa tem muitos opositores e dificilmente passará", explicou.

"No final do dia, ficaram claros alguns pontos que precisam ser encarados no Brasil. O primeiro ponto é que temos de pensar em uma agenda de mais longo prazo, ao invés de focarmos apenas em medidas pontuais, como limitação às importações, que criam uma situação artificial de mercado. Se o objetivo brasileiro é participar do mercado mundial e fazer valer nosso potencial produtivo, temos que trabalhar eficiência, sistemas de produção, logística, tributação, qualidade do leite, legislação trabalhista, agregação de valor na indústria, poder de barganha e outros fatores que afetam a nossa competitividade", diz Marcelo Pereira de Carvalho, coordenador do MilkPoint e do Interleite Brasil 2012.

"O segundo ponto é que o mundo está respondendo às mudanças. Veja o exemplo dos Estados Unidos, em que mecanismos mais modernos de proteção estão sendo estudados e provavelmente serão implantados no ano que vem", disse. "Outros países também tem aumentado a eficiência, inclusive aqueles que historicamente pouco competitivos, como os europeus", finaliza.

O primeiro dia do Interleite Brasil 2012 trouxe um novo grau de informação para o setor no Brasil. Resta saber como as lideranças, as indústrias, o governo e os demais agentes da cadeia processarão esse novo contexto, visando a retomada da competitividade.

Equipe MilkPoint

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