quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Julgamento expõe fraudes do obscuro mundo das finanças


Julgamento expõe fraudes do obscuro mundo das finanças

O julgamento de um operador do banco suíço UBS, em Londres, está lançando mais luz sobre o obscuro mundo das finanças. Para recuperar 400 mil dólares perdidos numa transação legítima, Kweku Adoboli inventou uma transação fictícia envolvendo produtos altamente especulativos. O negócio deu errado. Em setembro de 2011, Adoboli foi preso e o UBS reconheceu perdas de mais de dois bilhões de dólares. O artigo é de Marcelo Justo.

Londres - Em Londres, o julgamento do operador que fez o banco suíço UBS tremer é uma nova luz no fim do obscuro mundo das finanças. Tudo começou em 2008, quando o agente da equipe inglesa do UBS, Kweku Adoboli, perdeu 400 mil dólares numa transação legítima. Com sua bonificação anual e reputação em jogo, e num ambiente que só admite a vitória em cada aposta, Adoboli inventou uma transação fictícia e manipulou as datas de pagamento para ganhar tempo e recuperar o dinheiro.

O investimento em produtos altamente especulativos oferecia o atalho mais rápido sobretudo se não se compensava o risco com investimentos mais seguros. Quando as apostas de Adoboli deram errado foi uma bola de neve desfiladeiro abaixo. Em setembro de 2011, Adoboli foi preso e o UBS reconheceu perdas de mais de dois bilhões de dólares.

Neste caso nos tribunais londrinos da Southwark Crown Court, a estratégia da Promotoria é provar que tudo foi obra de um indivíduo inescrupuloso. Do outro lado, a defesa argumenta que os superiores de Adoboli sabiam o que estava se passando e que havia uma cultura geral no banco de tolerância com respeito à adoção de riscos excessivos.

Consultado por Carta Maior, o economista John Christensen, diretor do Tax Justice Internacionational e especialista em regulamentação financeira, disse que é um erro concentrar-se na conduta de um indivíduo. “Se uma só pessoa consegue perder dois bilhões de dólares sem que ninguém no banco se dê conta, quer dizer que a instituição não oferece qualquer tipo de segurança. Francamente, é pouco plausível. O que estamos vendo é um espetáculo bastante conhecido, no qual a gerência busca lavar as suas culpas responsabilizando a um indivíduo”, observou Christensen. 

Nada de novo sob o sol

Esse tipo de delito multimilionário cresceu vultuosamente nas últimas duas décadas. Desde que em 1995 o inglês Nick Leeson provocou a quebra do banco de investimentos mais antigo do mundo, o Barings, houve umas dez quebradeiras cujas perdas superam os 500 milhões de dólares.

Esse ranking de delitos não inclui as consultorias financeiras ao estilo da Bernard L. Maddoff Investment Securities LLC, que bateu na casa dos 18 bilhões de dólares. O foco está nos calotes operados a partir dos próprios bancos ou corporações, em teoria por um só empregado.

Neste ranking, Adoboli figura em terceiro lugar, só superado pelo francês Jerome Kerviel, do Societé Generale, em 2008 (uns seis bilhões de dólares) e Yashuo Hamanaka, da Sumitomo Corportaion, empresa japonesa líder do comércio de cobre em nível mundial.

Os dois casos mais célebres e emblemáticos são o caso Leeson, que chegou a quebrar seu banco, e o Kerviel, que leva a culpa pela totalidade dos montantes furtados. A mecânica de ambos os casos é idêntica à de Adoboli.

Em 1992, Nick Leeson, nova estrela financeira do Barings, em Cingapura, começou a fazer operações não autorizadas com dinheiro de seus clientes. Até o final desse ano registrava uma perda de 3 milhões de dólares. Usando uma conta especial do Barings, Leeson foi ocultando essas perdas até que, em 1994, elas deram um salto estratosférico para a casa dos 300 milhões.

Em janeiro de 1995, pressionado, Leeson fez uma aposta desesperada no mercado de Tóquio para recuperar tudo com um golpe de sorte. Não previu – não poderia prever – o terremoto de Kobe.

O tremor arrasou com os valores da bolsa do Japão: um mês mais tarde, Leeson fugiu. O rombo superava então o bilhão de dólares. Em 26 de fevereiro, o Barings foi declarado insolvente. O holandês ING terminou adquirindo-o pela soma nominal de uma libra esterlina.

Do Oriente ao Ocidente
Onze anos mais tarde, em Paris, Jerome Kerviel estava encarregado da aquisição e da venda de valores futuros num setor do vasto mercado financeiro, a arbitragem, que busca lucros com a diferença entre os valores de produtos similares (no caso da moeda, por exemplo, aproveita diferenças de cambio que pode haver entre Tóquio e Londres).

Segundo o Societé Générale, Kerviel não neutralizou o risco dessas operações com investimentos seguros, como exigia o manual de conduta do banco. Como foi que o banco não viu que Kerviel não trabalhava com o mecanismo mais básico de investimento, o mecanismo de “hedge” (equilibrar risco com segurança)? Na versão do banco, isso de deveu a um ardil de Kerviel, que criou transações fictícias por meio das quais simulava o cumprimento das regras internas da instituição financeira.

As consequências foram monumentais. O banco perdeu seis bilhões de dólares: os mercados financeiros europeus registraram uma perda de 6% em seus valores.

Em outubro de 2010 Kerviel foi sentenciado a cinco anos de prisão e a uma proibição de operar no mundo financeiro, para o resto da vida. Em junho deste ano ele apelou da sentença; a corte francesa emitirá seu veredito no próximo 24 de outubro.

O argumento de Kerviel, expresso numa autobiografia de título sugestivo, “A engrenagem: memórias de um trader”, é que o banco estava a par de suas operações: longe de ser um cavaleiro solitário, o que se passava era que seus superiores sabiam o que ele fazia.

Quem sabe o quê?

É o mesmo que a defesa de Adoboli argumenta. Por sua vez, a Promotoria usa a mesma faca de dois gumes que utilizou no caso de Kerviel. Segundo os promotores, a irresponsabilidade de Adoboli foi tal que esteve ao ponto de quebrar o UBS com perdas superiores ao valor mesmo da entidade.

John Christensen está entre os que, sem desculpar Kerviel nem Adoboli, observa que esses montantes são tão exorbitantes que os bancos teriam de estar no banco dos réus. “No mínimo pode-se dizer que os controles internos não funcionaram, ou que os superiores faziam vistas grossas ou as coisas aconteciam ao mesmo tempo. Mas essa seria uma interpretação superficial. Na realidade, a cultura interna do mundo financeiro cria as condições para que ocorram esses casos”, disse à Carta Maior.

Esta cultura se manifesta em atividades individuais, como no UBS, no Societé Générale, em magos das finanças (alheias) como Bernard Maddorff, em crises sistêmicas como a do estouro de 2008 ou no recente escândalo da manipulação da taxa libor.

“O sistema é por demais opaco e funciona com uma expectativa de ganhos exorbitantes, de modo que todas as instâncias de uma entidade se encontram sob extraordinária pressão para assumirem grandes risco, a fim de que cumpram com esses objetivos”, disse Christensen à Carta Maior.

Tradução: Katarina Peixoto

Nenhum comentário:

Postar um comentário