quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Mudanças no perfil do Enem


Exame traz mais transparência e a possibilidade de mais correções da redação deste ano, mas ainda luta para solucionar problemas causados pelas suas proporções gigantescas

Carmen Guerreiro
Candidata faz prova do Enem na Unicsul, em São Miguel Paulista (São Paulo, SP): mais transparência na correção das redações
Sentar-se frente a um exame que influencia e pode decidir o seu ingresso no ensino superior é tarefa carregada de angústias. A pressão para fazer boa prova preocupa os candidatos. Ainda mais quando não se trata de testes de múltipla escolha, aqueles com uma única resposta considerada certa. Nas redações, não há gabarito. E, ao contrário de uma máquina, quem lê o trabalho é uma pessoa sujeita ao cansaço, à desatenção, aos próprios valores e opiniões, a uma experiência de vida e profissional específica, que, no limite, a faz corrigir uma prova diferentemente de outro colega.
- A redação é sempre uma visão daquele que escreve, por mais que a gente ensine que o texto dissertativo deve ter objetividade. Se para o aluno há essa subjetividade, para o corretor também há - observa Roseli Braff, supervisora de língua portuguesa do Sistema COC de Ensino.
Mudança
Buscando diminuir o impacto dessa subjetividade nos resultados da redação, o Enem 2012 traz mudanças que prometem aprimorar a correção dos textos.
A partir deste ano, só poderá haver 200 pontos de diferença entre a nota do primeiro e do segundo corretor (a redação vale 1.000 pontos).
No ano passado, a discrepância entre as duas correções podia chegar a 300 pontos; e em 2010, a 500.
Ultrapassando a diferença de 200 pontos na redação toda ou de 80 pontos em cada uma das cinco competências, que valem 200 cada, a redação será encaminhada a um terceiro corretor.
Esse processo já acontecia até 2011, com a diferença de que, no total da redação, a tolerância máxima era de 300 pontos, não de 200, e neste ano o terceiro corretor não estará a par das primeiras notas.
Mas a mudança prevê ainda que, se ainda houver discordância entre a terceira correção e as demais, a prova será encaminhada a uma nova banca de três corretores presidida por um professor doutor.
Aplauso
Para Maria Aparecida Custódio, professora e responsável pelo Laboratório de Redação do curso e colégio Objetivo, toda tentativa de minimizar as injustiças na correção é válida. Ela conta que já viu alunos excelentes receberem 500 ou 600 pontos na redação em exames do passado, e quase todos que pediram a revisão tiveram sua nota aumentada.
- Isso revela que havia uma deficiência na correção - afirma.
O Ministério da Educação criou mais filtros para melhorar a correção das redações.
Por outro lado, em 2012 os candidatos não poderão mais pedir essa revisão de prova.
A decisão veio a partir de mais uma alteração, a de que todos os candidatos poderão ter acesso à correção das suas provas.
Essa transparência é, para Maria Aparecida, a melhor das mudanças do Enem deste ano.
- Esperamos que, com isso, aumente a responsabilidade por parte dos corretores e a correção melhore - diz.
Essa particularidade, segundo Mateus Prado, pesquisador especialista em Enem, fazia até o ano passado com que a redação funcionasse, para os candidatos, como um sorteio. Eles poderiam fazer boa redação e ter boa correção, mas se tivessem uma nota mais baixa por conta de uma correção injusta, isso simplesmente eliminava a chance de ingresso em muitos cursos de ponta, como Medicina.
- A mudança da correção melhorou bastante, mas poderia melhorar mais. Tem gente que faz uma boa redação, mas o critério de correção é sempre muito subjetivo - opina Prado.
Anão gigante
Pensar na melhoria da correção das redações do Enem é impossível sem levar em conta as proporções gigantescas que o exame tomou.
As inscrições cresceram de 157 mil no primeiro ano da prova, em 1998, para mais de 6,2 milhões em 2011. Isso porque o exame passou a ser utilizado no processo seletivo de cada vez mais instituições de ensino superior e tornou-se um dos requisitos para quem deseja concorrer a uma bolsa no ProUni (Programa Universidade para Todos).
Ainda que não sejam 6 milhões de redações a corrigir (há inscritos que não comparecem, entre os presentes nem todos escrevem o texto e há as redações anuladas ou inválidas para correção), o volume de trabalho para os corretores é monstruoso.
- São milhões de provas para serem corrigidas em cerca de um mês, e isso dificulta muito a qualidade da correção. Esse número de redações por si só já impede que aconteça uma correção primorosa - pondera Maria Aparecida, do Objetivo.
Mais corretores
Segundo ela, diversos fatores contribuem para comprometer a qualidade da correção em exames do gênero: muitas provas em pouco tempo, o fato de a redação ser escaneada e às vezes dificultar ou impossibilitar a leitura na tela, e a falta de tempo e condições adequadas para o treinamento dos corretores.
- Há todo tipo de corretor, desde o que já corrigiu a Fuvest e dá menos pontos, até os que trabalham em escolas públicas, que são menos rigorosos e valorizam variantes da língua. Em um exame dessa dimensão, é impossível chegar a uma objetividade - comenta Prado.
O MEC tenta agora uma solução (ou ao menos um paliativo) para a enorme quantidade de redações e a possibilidade de até quatro avaliações (a professora Maria Aparecida, do Objetivo, garante ter conhecido um corretor que, anos atrás, chegara a corrigir 400 provas num só dia).
O ministério anunciou para este ano a contratação de 40% mais professores corretores. A solução para a quantidade de redações por corretor é bloquear, no sistema do Enem (já que textos são corrigidos on-line), o acesso do professor num dado dia, se ele tiver corrigido mais redações do que a média dos corretores.
Mesmo com os válidos esforços feitos pelo MEC, para a consultora em avaliação educacional Gisele Andrade, ex-coordenadora geral do processo de correção de redações do Enem, as mudanças no exame seguem um caminho arriscado.
Para ela, aumentar o número de possíveis correções para quatro só faz crescer o problema do Enem, que ela chama de "gigantismo".
Multiplicar correções? 
Ou seja: se há cada vez mais redações a serem corrigidas, para ela a solução não seria multiplicar o número de correções feitas, pois as proporções do processo aumentam e a precisão da avaliação diminui.
- Quando se têm milhões de redações para corrigir em poucas semanas, o processo começa a ficar humanamente inviável. É um tempo curto, em um período de fim de ano que já é estressante para o professor e é preciso um corpo de profissionais muito bom para trabalhar nesse processo, recebendo um pagamento justo para tanto trabalho. A condição é arriscada, porque é o limite da força de trabalho. Então, uma terceira leitura, que deveria ser eventual, pode tornar-se corriqueira, porque há muita incompatibilidade - avalia ele.
Quarta leitura? 
A quarta leitura, para Gisele, não atenua o problema, pois a correção continua sendo subjetiva.
A professora alerta que muitos professores desistem no meio do processo por conta do ritmo exaustivo de trabalho, e é preocupante que cada vez menos bons professores aceitam ser corretores do Enem.
Gisele, que foi coordenadora geral do Enem em 1998, primeiro ano do exame, e coordenou a avaliação das redações deste período até 2007, conta ter sido mentora do processo de digitalização das redações para a correção, o que foi um progresso. Mas defende que mais avanços deveriam ser assumidos pelo Enem.
- Desde 1998 temos as mesmas matrizes de correção, já passou da hora de repensar isso - afirma.
Nota de corte?
Para a professora, a dissertação precisa ser variada, e a redação deve explorar outros tipos e gêneros textuais.
Além disso, ela propõe uma medida polêmica: tendo em conta que o Enem tomou proporções gigantescas, ele deveria ser tratado como um concurso público ou vestibular, e apresentar nota de corte. Sendo assim, só os candidatos com as melhores notas na prova objetiva (múltipla escolha) teriam suas redações corrigidas.
Gisele admite que quem critica uma nota de corte no Enem defende que o exame é também usado para certificar a qualidade do ensino médio.
- Mas é uma minoria de candidatos em relação ao todo - replica.
Mais edições
Mateus Prado não é a favor da nota de corte, mas defende que o Enem tenha dez edições, semelhante ao processo dos SATs, exames do ensino médio dos Estados Unidos. Isso dividiria o volume de candidatos ao longo do ano, diminuindo o número de correções e o volume exagerado de trabalho acumulado.
O mesmo é defendido por Maria Aparecida, do Objetivo.
- Enquanto não houver uma distribuição das provas em vários exames ao longo do ano, dificilmente teremos a correção ideal - acredita a professora.
Independentemente de todas as mudanças nos bastidores da correção do Enem, o que muda para os candidatos? Segurança. Para a maioria dos especialistas entrevistados, saber que terá acesso à correção e que sua redação passará por mais corretores deve tranquilizar os estudantes na hora da prova.
Pode parecer pouco, mas estar seguro e tranquilo de frente para a página em branco é importante o suficiente para levar, inclusive, o candidato a fazer uma prova e redação melhores.
Redação
O que fazer:
Adequação ao tema: É essencial escrever o tipo de texto pedido (em geral dissertativo) e adequar a argumentação ao tema proposto. Sem isso, a redação nem é lida.
Repertório linguístico: Palavras bem usadas valorizam a ideia proposta na redação. Quem tem vocabulário rico tem mais chances de expressar-se melhor.
Estrutura e ligação: Boa organização das ideias, coesão e coerência no texto são fundamentais.
Respeito à língua: A atenção à gramática da norma culta é importante, mas os argumentos pesam mais. Se o conteúdo for muito bom, vai prevalecer sobre a forma, mas tem um peso, sim.
Repertório cultural: É importante que o candidato saia da previsibilidade, e para isso precisa de um repertório cultural que reflita sua experiência como leitor.
A redação é o momento de o estudante apresentar sua bagagem interdisciplinar, além de se demonstrar bem informado.
O candidato pode pensar no tema proposto sob diversos prismas: "Esse assunto já foi abordado no cinema? A História pode me ajudar? O que sei sobre esse assunto?".
Para aumentar seu repertório, o aluno deve ler artigos de opinião e editoriais de meios de comunicação. Quem não está antenado à realidade não tem como discorrer sobre um tema se não tiver informações sobre ele.
Intertextualidade e boa argumentação: A intertextualidade, aliada a bons argumentos, enriquece a redação.
Leitura da proposta: Há candidatos com dificuldade para ler a proposta. Leem apressadamente as instruções ou deixam para ler no final, em cima da hora. Isso pode levar o aluno a incorrer em erros básicos que podem tornar a uma nota ruim ou mesmo à anulação da redação.
Citar fontes: O estudante deve citar algo apenas quando tiver certeza da fonte, e também não usar ideias dos outros como próprias. Se usar citações corretamente, ganha pontos, pois demonstra conhecimento de mundo.
O que não fazer
Fugir do tema: Se há proibição no Enem é fugir à proposta, até porque cobra-se a interpretação da proposta nas instruções na redação.
Tentar escrever difícil: Escrever bem não é escrever bonito. Às vezes o vocabulário rebuscado e o excesso de palavras difíceis podem prejudicar o texto, porque demonstram impropriedade vocabular.
Senso comum: Se o candidato reproduz o senso comum, com frases feitas, de efeito ou expressões surradas, comunica à banca que também é comum: "Se cada um fizer sua parte, o mundo será melhor"; "É preciso que as pessoas se conscientizem". Depõe contra a redação e irrita o corretor.
Desvios da norma culta: Ainda que não sejam o único critério de avaliação, depõem contra a redação se forem muito grosseiros. Usar linguagem chula é descabido.
Posições individuais: Fazer referências demasiadas à própria experiência e opinião não é visto com bons olhos, afinal trata-se de uma dissertação, e não uma narrativa. Usar como argumentos experiências pessoais, tentar participar do texto e se dirigir ao leitor mostra despreparo do candidato. Os "achismos" são proibidos. Não se deve lançar mão de certas expressões como "eu acho" ou dar exemplo em que o próprio, sua casa ou sua comunidade, estão envolvidos. Os argumentos e exemplos devem fazer referência a todos, para denotar que o estudante está preocupado com questões gerais, globais e que afetam o coletivo, e não só com o que o atinge diretamente.
Opiniões polêmicas: Não se deve opinar contra os direitos humanos. Defender a pena de morte ou ser racista, por exemplo, é considerado erro grave. Candidatos se questionam se é preciso estar de acordo com o governo. Não é a questão. Corretores querem antes que candidato seja coerente com realidade solidária, com princípios humanos de convivência. Se é preciso evitar a proposição de medidas e comportamentos radicais, é vital que se posicionem com fundamentos.
Usar citações e referências de forma errada: Muitos candidatos acreditam que o simples fato de fazer uma referência ou citação a um pensador contará pontos a seu favor, quando é o contrário (caso a citação seja feita só para impressionar, sem conexão direta com o argumento).
Como se preparar para a prova
- Refazer as redações dos anos anteriores e, se possível, submetê-las à avaliação de um professor
- Ler os clássicos da literatura, consumir cultura (filmes, teatro, artes plásticas, música), para construir repertório cultural
- Manter-se atualizado em relação ao que acontece no Brasil e no mundo
- Ler e estudar as melhores redações do Enem publicadas pelo MEC
- Treinar a comparação de pontos de vista sobre o mesmo assunto e desenvolver opinião e argumentos em relação a temas atuais
- Estudar mecanismos de coesão, estrutura textual e de desenvolvimento da argumentação
- Habituar-se a revisar o texto depois de escrevê-lo 

ENEM: o antes e o depois
2011
- Candidatos podiam pedir revisão da prova

- Acima de 300 pontos de diferença entre o primeiro e o segundo corretor, o texto ia para terceira correção

- Terceiro corretor tinha conhecimento das notas dos primeiros professores

- A correção terminava no terceiro corretor
2012
- Não é mais possível pedir a revisão da correção
- A diferença máxima de pontos entre os primeiros corretores caiu para 200 pontos
- Terceiro corretor não sabe das primeiras notas
- Há a possibilidade de recorrer a uma quarta correção, feita por uma banca com três professores 

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