quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O euro caminha para uma “balcanização”?


O projeto original do euro se baseava em que a unificação monetária iria emparelhar economias desiguais, como a Alemanha e a Grécia, ao baratear o preço do crédito para todos. Entre 2002 e 2009 os países financiaram investimentos e gastos com taxas de juros similares. A festa terminou com a crise da dívida grega, em 2010; hoje a zona do euro é um terreno balcanizado, no qual o custo do dinheiro é diferente para cada país. Neste sentido, o euro já não existe. O artigo é de Marcelo Justo, direto de Londres.

Londres - Em um ano de turbulências financeiras, os mercados parecem ter se estabilizado com o anúncio do presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, há duas semanas. O plano de Super Mario – como a mídia europeia o batizou – tem uma varinha mágica que encantou os investidores: o anúncio de uma compra “ilimitada” de títulos das dívidas soberanas em caso de necessidade. Com esta varinha Super Mario conseguiu o que ninguém tinha alcançado: uma queda imediata dos juros das dívidas da Espanha e da Itália. Mas a indecisão do governo de Mariano Rajoy sobre a demanda de um resgate está começando a mostrar as primeiras fissuras no plano de Draghi.

O plano exige que o estado solicite ajuda e se limita à “estrita condicionalidade” que se lhe seja imposta em troca do resgate. A suposta “compra ilimitada” e a renúncia ao direito de titularidade em seus empréstimos (pelo qual, em caso de default, o BCE não é um credor privilegiado) foram muito bem recebidos pelos mercados, mas segundo o diretor da consultoria londrina Strategy Economics, Matthew Lynn, o plano é só um respiro. “O plano não resolve o desequilíbrio que existe entre o centro e a periferia da zona do euro no que respeita à competitividade. Sem resolver isso, não há crescimento e, portanto, não há futuro. O BCE comprou tempo. Quanto? Não se sabe”, disse Lynn a Carta Maior.

Na análise da Strategy Economics, os desequilíbrios internos entre os países do norte e do sul europeus já afetaram o euro de maneira irreversível. “A moeda deixa de cumprir sua função quando se converte num risco. É o que está se passando com o euro. Um exportador a Grécia não sabe se o contrato findará sendo pago em euros ou em dracmas: este risco já está presente em toda a zona do euro”, explica Lynn.

A balcanização do euro
O projeto original do euro se baseava em que a unificação monetária iria emparelhar economias desiguais, como a Alemanha e a Grécia, ao baratear o preço do crédito para todos. Entre 2002 e 2009 os países financiaram investimentos e gastos com taxas de juros similares. A festa terminou com a crise da dívida grega, em 2010; hoje a zona do euro é um terreno balcanizado, no qual o custo do dinheiro é diferente para cada país. Neste sentido, o euro já não existe.

O plano de Mario Draghi é uma tentativa de ganhar tempo para avançar em direção a uma política fiscal e bancária unificada, que permita recuperar o paraíso perdido. Esta dupla unificação resolveria uma anormalidade que, segundo muitos economistas, é o pecado original do euro: administrar a mesma moeda com políticas orçamentárias diferentes para cada país.

Essa não é uma hipótese partilhada por todos. No círculo restrito dos 17 países da zona do euro e no mais amplo, dos 27 países membros da EU têm ocorrido fortes questionamentos à unificação bancária que, para muitos, é uma “mutualização da dívida de fato” (o BCE estaria atuando como supervisor de uns seis mil bancos da zona do euro e atuando como um emprestador de última instância).

Para além dos méritos dessa suposta resolução dos problemas do euro, as economias têm de voltar a crescer e, para fazê-lo, precisam recuperar a sua competitividade. A competitividade de uma nação ou de uma empresa depende de sua produtividade, de seu nível tecnológico, da qualidade dessas coisas e do preço de seus produtos. A desvalorização da moeda é uma das ferramentas para se ganhar competitividade no preço: o problema é que, dado o fato de se ter uma moeda única, as nações periféricas da zona do euro não dispõem dessa arma. A única maneira de baratear um produto em relação a Alemanha é reduzindo o custo salarial nele embutido.

Esse é o caminho que, de mãos dadas com a austeridade, foi tomado desde o começo da crise em 2010, com resultados desastrosos. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a economia italiana será retraída em 2,4% neste ano. Na Espanha, o desemprego dos jovens supera os 50% e a Grécia está em seu quinto ano consecutivo de recessão.

O euro não tem tempo

A Espanha é o caso exemplar do plano Draghi. Seu primeiro objetivo está se cumprindo: o governo de Mariano Rajoy e a zona do euro estão ganhando tempo com a queda do prêmio de risco (a taxa adicional de juros sobre os títulos alemães, considerados os mais seguros). A aposta dos mercados é que a Espanha recorrerá ao BCE, visto que lhe emprestar se tornou um negócio menos arriscado. Mass na linguagem do superortodoxo “Super Mario”, as “estritas condicionalidades” que o BCE exigirá do país, para desembolsar o valor, implicam novas medidas de austeridade. Esta semana o presidente do conselho dos ministros das finanças da EU, Jean Claude Juncker, não se conteve ao sublinhar o que o espera em Madri: “Imporemos condições muito duras a Espanha”, assinalou.

O governo já se comprometeu com o corte de mais de 100 bilhões de euros para o ano de 2014, mas Rajoy disse que não aceitará que se toque nas aposentadorias, um tema que constituiu parte de suas promessas eleitorais e, aparentemente, uma condição que o BCE inevitavelmente imporia. A aposta do governo espanhol é que a atual queda do prêmio de risco se sustente no tempo. Em outubro a Espanha tem de desembolsar 30 bilhões de euros para pagamento de dívidas e suas necessidades financeiras até o fim do ano são três vezes essa soma. Nesta quinta (20) haverá uma prova de fogo com o seu pedido de socorro aos mercados, para que estes coloquem o vencimento dos títulos do governo com vencimento daqui a 10 anos.

Mas a vulnerabilidade da zona do euro não se limita a Espanha: a rede pode romper-se em vários pontos. Na Grécia ainda continua a pressão da Troika pelos cortes orçamentários na casa dos 12 bilhões de dólares. Tem havido alguns sinais de que a Troika concederá mais tempo a Grécia, o que poderia evitar um “default” neste mês. Mas segundo o economista grego Costas Lapavitsas, autor de “Crise na Zona do Euro”, a única saída para a Grécia é romper com o euro. “A única maneira de recompor a economia e a sociedade é com uma cessação de pagamentos e a saída da zona do euro”, disse Lapavitsas a Carta Maior.

O descontentamento com o euro não se limita aos países periféricos da UE. Em fins de julho, uma pesquisa de opinião na Alemanha mostrou que a maioria considerava que o país estaria melhor fora do euro. Numa entrevista à Carta Maior, publicada há uma semana, o alemão Gunnar Beck, especialista em temas legais europeus do SOAS, da Universidade de Londres, disse que, em um ano a própria Alemanha apresentaria problemas fiscais. “Nossa própria credibilidade estará em jogo. Não somos os Estados Unidos, não temos essa potência locomotora para tracionar o resto dos países. A Alemanha está adiando o momento em que deverá reconhecer que os resgates não serviram e que esse dinheiro investido se perdeu”, disse Beck. 

Se as soluções tecnocráticas ao estilo Draghi não vão além de acalmar os mercados, dando-lhes um pouco de oxigênio financeiro, vozes como as de Lapavitsas e de Beck se tornarão majoritárias no sul e no norte europeu.

Tradução: Katarina Peixoto

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