segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Como a guerra está destruindo a economia da Síria

A comida é escassa na Síria, a moeda local está se desvalorizando e setores inteiros da economia estão paralisados. Mas talvez nem mesmo as dificuldades econômicas provocadas pela guerra civil sejam capazes de ajudar a acabar com o conflito.

Ulrike Putz
A imagem tirada nessa quarta-feira (28) e divulgada nesta quinta (29) mostra um membro da equipe de investigadores da ONU (Organização das Nações Unidas) recolhendo amostras de areia perto de um míssil que pode ser sido um dos usados no ataque químico, de acordo com ativistas, na zona rural de Damasco, em Ain Terma, Síria.
Mas um setor deveria estar crescendo. O empresário Wissam* trabalha com materiais hospitalares. Ele comercializa curativos, bandagens, agulhas e desinfetantes – todos produtos para os quais existe uma grande demanda atualmente na guerra civil da Síria, que ficado cada dia mais sangrenta. Mas, infelizmente, Wissam tem pouca oportunidade para vender seus produtos.

"Mais da metade da infraestrutura do sistema de saúde da Síria foi destruída", disse Wissam, que tem 40 e pouco anos. Dos 75 hospitais administrados pelo governo no país, apenas 30 continuam em operação. Na cidade de Homs, onde os combates têm sido frequentes, apenas um dos 20 hospitais existentes continua aberto. O Hospital Al-Kindi, em Aleppo, que já foi o maior e mais moderno centro médico do país, agora é uma pilha de cinzas.

Wissam adotou uma postura prática em relação à situação. Segundo ele, a destruição dos hospitais na Síria é generalizada, e as pessoas que são feridas ou ficam doentes quase não recebem nenhuma assistência médica. O setor de assistência e suprimentos médicos está "sofrendo uma morte lenta", acrescenta ele.

Enquanto o mundo discute que tipo reação deve ter em relação ao que provavelmente foi um ataque com armas químicas na Síria, ocorrido na semana passada, e os Estados Unidos posicionam seus navios contratorpedeiros ao largo da costa do país, as atenções têm se voltado principalmente para a crise humanitária causada pela guerra, que já dura dois anos e meio. Mas os combates também prejudicaram a economia da Síria, e esse fato que pode atuar como um catalizador para acabar com o conflito.

Por essa razão, as informações e números relacionados ao impacto econômico da guerra são segredos de Estado. Há, no entanto, indicativos de quão precária a situação provavelmente está, e esses indicativos refletem o que Wissam disse sobre o colapso do setor da saúde.
Desespero e sofrimento
Especialistas estimam que cerca de 75% das instalações fabris de Aleppo, capital comercial da Síria, não estão mais funcionando. Algumas fábricas foram bombardeadas, enquanto outras foram queimadas ou invadidas e estão sendo utilizadas como redutos pelos rebeldes. Outras não podem sequer ser alcançadas devido à precária situação de segurança nas áreas que as circundam.

Dificuldades de transporte também afetaram o setor agrícola. Os agricultores não têm conseguido cultivar seus campos nem comercializar suas colheitas. Os alimentos estão se tornando cada vez mais escassos e caros no país. O povo sírio está sofrendo, e sua raiva e desespero têm aumentado. Em resposta, o regime do presidente Bashar Assad em Damasco está importando cereais, arroz e açúcar.

As sanções econômicas impostas pela União Europeia (UE) e por outros países também atingiram a Síria duramente. O país costumava vender cerca de 95% do petróleo que produzia para a Europa. Essa demanda já foi suspensa. Atualmente, apenas alguns países compram petróleo da Síria, e a preços significativamente mais baixos.

Países como Irã, China e Rússia estão apoiando a moeda síria, de acordo com o vice-ministro da Economia, Kadri Jamil, mas isso não impediu que a libra síria se desvalorizasse em cerca de um terço.

Tudo isso está prejudicando a economia local, embora não seja possível saber a real amplitude dos danos. As estimativas divergem sobre a extensão da contração do Produto Interno Bruto (PIB) da Síria no ano passado. Alguns dizem que o PIB local se contraiu 2%; os outros, 10%.
Regime economiza dinheiro
De acordo com a agência de notícias Reuters, o regime vem tentando acessar fundos mantidos em contas no exterior, que foram congelados como resultado das sanções internacionais. Isso pode ser um sinal de desespero.

Estima-se que antes da guerra civil as reservas da Síria em moeda estrangeira somavam cerca de 13,5 bilhões de euros (US$ 18,1 bilhões). Mas não ficou claro se esse dinheiro está acabando ou não. Rumores sugerem que o regime tem acesso a bilhões em reservas secretas. De acordo com Jamil, Teerã concedeu a Damasco crédito ilimitado para a compra de alimentos e petróleo.

O regime também parece estar tentando economizar e reduzir seus gastos. O governo de Assad possui de um a dois milhões funcionários públicos, cujos salários se tornaram mais baratos para os cofres públicos. Isso porque o petróleo é tradicionalmente quitado em dólares, e a desvalorização da libra síria significa que o governo é capaz de vender menos petróleo e obter as mesmas receitas denominadas em libra.

O governo também está reduzindo parte de seus gastos habituais com subsídios. Antes da guerra, Damasco gastava cerca de 6 bilhões de euros por ano para subsidiar produtos como gás de cozinha, combustíveis e energia elétrica, medida que era adotada para barateá-los. Essa despesa provavelmente caiu drasticamente, pois quase nenhum desses produtos está sendo fornecido para as regiões que são controladas ou foram tornadas inacessíveis pelos rebeldes.

Empresários sírios não acreditam que as sanções vão acelerar o fim da guerra. "No Iraque, as sanções destruíram a vida econômica por 13 anos", disse Wissam. "Mas Saddam Hussein conseguiu se manter no poder. Nós ainda não estamos nem na metade desta guerra".

Os criminosos são os que mais lucram com essa erosão econômica. A economia do mercado negro cresceu nos territórios controlados pela oposição. "Autoridades do regime aceitam propina para proteger certos bairros ou vilarejos", disse Wissam. Redes de contrabandistas estão ficando ricas com a venda de mantimentos, combustível e alimentos, acrescentou ele.

*O nome foi alterado a pedido da fonte.

Tradutora: Cláudia Gonçalves

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