segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Egito não muda na era pós-Mubarak. Ou será que piorou?


Egito não muda na era pós-Mubarak. Ou será que piorou?

Regime pós-Morsi, do general Abdel Fatah al Sisi (foto), restabeleceu as leis de emergência típicas da época de Mubarak, além de toque de recolher e permissão de recorrer a munições reais. O Ministério do Interior também restituiu formalmente vários departamentos de segurança desmantelados após a revolta de 2011. Entre eles, as conhecidas unidades policiais responsáveis por investigações e desaparições forçadas. Por Cam McGrath, da IPS, no Cairo

Cairo – O novo homem forte do Egito, o general Abdel Fatah al Sisi, explicou que a destituição do presidente Mohammad Morsi foi necessária para “preservar a democracia” e sair do estancamento que havia ameaçado polarizar o país.

No entanto, seis semanas após o golpe de Estado, seu argumento não parece ajustar-se à realidade.

Os enfrentamentos entre o exército e os partidários do presidente deposto terminaram em um caos e deram a oportunidade às forças de segurança de restringir as liberdades pessoais e reconstruir o aparato repressivo do regime de Hosni Mubarak, que governou de 1981 até 2011.

De fato, um tribunal ordenou a liberação provisória de Mubarak e o exército o colocou em prisão domiciliar.

“O maior desafio que o Egito enfrenta é a volta da polícia estatal”, opinou o analista Wael Eskander, em uma coluna da revista eletrônica Jadaliyya.

“Objetivamente, a ameaça não implica apenas na reconstrução da polícia estatal, que nunca desapareceu, a outra saída de Mubarak, mas na volta implícita, quando não explícita, da aceitação das práticas repressivas do aparato coercitivo”, explicou.

Quando o exército reprimiu, no dia 14 de agosto, uma manifestação de partidários de Morsi com munições reais, deixou pelo menos 1.000 mortos e milhares de feridos no Cairo.

Outros 160 manifestantes, a grande parte membros da Irmandade Muçulmana, a maioria dos partidários de Morsi, morreram em enfrentamentos com as forças de segurança em julho.

As vítimas desta última repressão superaram as da revolta popular de 18 dias que levou à renúncia de Mubarak em 2011. Essa foi de longe muito mais brutal que a operação das forças de segurança para desalojar as praças ocupadas por manifestantes pacíficos e desarmados que pediam a restituição de Morsi.

A organização de direitos humanos Anistia Internacional descreveu a repressão como “carnificina total” e criticou o governo interino, sob tutela militar, pelo excessivo uso da força.

A violência empregada impacta, mas não surpreende, disse o advogado de direitos humanos Negad El Borai, que lembrou a mão dura utilizada pelas forças de segurança para intimidar a oposição durante os 17 meses que governaram o Egito, entre a saída de Mubarak e a posse de Morsi, em junho de 2012.

“A última vez que o exército esteve no poder golpeou, humilhou ou assassinou qualquer um que estivesse contra”, indicou El Borai. “Assim trabalham estes caras”, afirmou.

Apesar da maneira das Forças Armadas operarem, muitos liberais e esquerdistas apoiaram o golpe de Estado de 3 de julho, pois preferem a intervenção castrense antes que a de um governo da Irmandade Muçulmana.

A dura oposição à organização islâmica deu de fato um mandato ao exército para destituir Morsi e recorrer à força contra os membros da Irmandade.

Depois de derrubar Morsi e suspender a frágil Constituição do Egito, as Forças Armadas usam como fachada um governo civil interino para reconstruir as instituições do regime corrupto e repressivo de Mubarak.

A velha guarda recupera seu antigo lugar. Os militares tiraram do governo as figuras islâmicas e puseram outras da época de Mubarak, incluídos ex-dirigentes de seu Partido Nacional Democrático, agora dissolvido.

Mais da metade dos 18 governadores provinciais designados na semana passada são ex-generais do exército ou policiais, alguns com duvidosa atuação durante a revolta de 2011.

A “militarização do Estado”, como um porta-voz da oposição descreveu a situação, se fez sob uma perniciosa propaganda que despreza os partidários de Morsi.

O governo interino e seus meios aliados avivaram a histeria contra a Irmandade Muçulmana, qualificando seus membros como terroristas mediante uma retórica patriótica que costuma estar reservada a seu arqui-inimigo, Israel.

Eskander, de Jadaliyya, arguiu que a “guerra contra o terrorismo” serve como perfeita ferramenta de legitimação de um governo sem credenciais democráticas para eliminar com violência a oposição.

A ameaça terrorista permitiu aos serviços de segurança do Egito recuperar “seu papel tradicional de árbitro destes conflitos, assim como sua licença para empregar táticas abusivas e repressivas”, completou.

Depois da destituição de Morsi, as autoridades prenderam centenas de dirigentes e partidários da Irmandade Muçulmana, acusando-os de incitar a violência e o terrorismo. O governo também deu a entender que proscreverá a organização islâmica, com 85 anos de história, devolvendo-a à clandestinidade onde esteve a maior parte das últimas seis décadas.

As medidas de segurança “não farão mais que reforçar a rigidez da Irmandade Muçulmana e fortalecer o aparato coercitivo”, alertou Eskander.

“Ao deixar os grupos extremistas na clandestinidade, os serviços de segurança encontrarão desculpas para empregar medidas de vigilância abusivas, com interrogatórios, torturas e outros abusos, sem nenhuma transparência nem responsabilidade”, complementou.

Já há sinais de que está acontecendo. Se restabeleceram as leis de emergência típicas da época de Mubarak, se impôs o toque de recolher e se habilitou a ordem de recorrer a munições reais.

O Ministério do Interior também restituiu formalmente vários departamentos de segurança desmantelados após a revolta de 2011. Entre eles, as conhecidas unidades policiais responsáveis por investigações, desaparições forçadas e torturas de milhares de islamistas e opositores durante o governo de Mubarak.

Tarek Radwan, investigador adjunto do Centro Rafik Hariri, do Conselho Atlântico, acredita que a revolução ainda não morreu, mas adverte crescentes indícios de que vai nessa direção.

“Se a fotografia parece conhecida, é porque o é”, escreveu Radwan. “Uma Irmandade Muçulmana mandada à clandestinidade, uma figura militar forte, uma força policial agressiva e um setor liberal submisso talvez seja a descrição mais apropriada do Egito antes de 2011”, explicou.

Tradução: Liborio Júnior

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