Até a próxima colheita em abril, muitos zimbabuanos não terão condições de se alimentar todos os dias. Sory Ouane, o diretor do PAM (Programa Alimentar Mundial) no pequeno país da África Austral, prevê uma "crise bastante séria", estimando que 2,2 milhões de habitantes, um quarto da população rural, correm o risco de serem afetados. "Um aumento de 32% em relação a 2012-2013, um nível nunca visto nos últimos anos". Segundo esse oficial malinês alocado em Harare, "chuvas tardias e o custo elevado dos fertilizantes para os agricultores" explicam, em grande parte, a queda da produção de milho, o alimento básico dos zimbabuanos.
Sébastien Hervieu
Sébastien Hervieu
Mulheres carregam alimentos na cabeça, em Chitungwiza, ao sul de Harare, no Zimbabue
"Venda de gado"
Autor de um estudo em 2010 sobre a reforma agrária do Zimbábue, o pesquisador britânico considera que essa estimativa calculada pela ZimVac --uma coalizão que reúne ONGs e o governo-- a partir de uma amostragem de 10 mil famílias é provavelmente superestimada. "Exceto por alguns locais, a situação não será tão ruim assim, pois além das importações e do auxílio alimentar direcionado, outras estratégias como a venda de gado pelas famílias ou o consumo de milho verde, colhido muito cedo, serão aplicadas pela população para evitar o pior."
Vários especialistas acreditam que o PAM tem interesse em inflar os números para receber mais verba. "É uma acusação totalmente infundada, pois essas estimativas não vêm de nós e os financiadores também têm pessoal no local para avaliar a situação", responde Sory Ouane, que acredita que "sem a intervenção do PAM, os zimbabuanos teriam morrido de fome nos últimos anos."
Redistribuição progressiva
Essa nova ameaça de crise alimentar volta a colocar em evidência os adversários da reforma agrária conduzida por Robert Mugabe, reeleito no dia 31 de julho à presidência do país em uma eleição marcada por suspeitas de fraude.
A partir do ano de 2000, as terras dos agricultores brancos, expulsos violentamente sem nenhuma indenização financeira, foram progressivamente redistribuídas a fazendeiros negros, levando a uma queda na produção agrícola e um colapso da economia também associado às sanções aplicadas na sequência por diversos países.
Para justificar essa política brutal, o presidente zimbabuano acusou o Reino Unido de Tony Blair, a ex-potência colonial, de não ter respeitado seu compromisso histórico de financiar essa redistribuição visando corrigir as desigualdades herdadas do passado.
Professor honorário de economia do desenvolvimento na London School of Economics (Reino Unido), Joseph Hanlon acredita que "o nível de produção agora voltou para o dos anos 1990". Coautor do livro "O Zimbábue retoma sua terra" (2012), Hanlon explica que "a maior reforma agrária conduzida na África permitiu substituir 6.000 fazendeiros brancos por 245 mil agricultores."
"O Zimbábue muitas vezes foi chamado de 'celeiro' da região, mas isso é um mito", ele afirma. "Ao longo das duas décadas que precederam a independência em 1980, o país já teve de importar milho durante sete anos."
Para esse professor britânico, "os novos agricultores negros poderiam aumentar sua renda se tivessem ajuda financeira para comprar fertilizantes, assim como foi com os agricultores brancos. Mas os bancos viram as costas para eles e o Estado não tem dinheiro."
Tradutor: UOL
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