O desencanto com Obama
A eleição do presidente Obama foi, em amplos círculos de opinião mundial, uma enorme mudança nos EUA, que augurava transformações muito positivas na política exterior e doméstica do país. Hoje, entretanto, existe um grande desencanto das forças progressistas. Por Vicenç Navarro, para o El Plural
Vicenç Navarro*
Uma das transformações mais significativas na cultura política e midiática de nosso tempo foi a personificação da política, incluindo a política econômica. Assim, a eleição do Presidente Obama foi, em amplos círculos de opinião mundial, uma enorme mudança nos EUA, que augurava transformações muito positivas na política exterior e doméstica do país. Achava-se que o Presidente Obama “mudaria o mundo”, incluindo também os EUA. A leitura dos editoriais da imprensa no momento de sua eleição confirma esta observação. Uma pessoa nos salvaria. E se falou inclusive do novo Presidente Roosevelt, o Presidente mais popular que haja existido na história dos EUA, que fundou o estado do bem-estar daquele país, com o estabelecimento da Seguridade Social.
Hoje, entretanto, existe um grande desencanto das forças progressistas com o Presidente Obama. Das expectativas criadas no momento de sua eleição, muito poucas se realizaram, o que frequentemente se atribui à falhas de sua personalidade. Na verdade, o desencanto era previsível, pois o encanto estava baseado em uma leitura profundamente equivocada da realidade estadunidense. Os personagens políticos nos EUA são figuras visíveis (que adquirem grande projeção midiática) relacionadas aos interesses financeiros e econômicos que os financiaram e que configuram em grande medida suas políticas. E o Presidente Obama não foi uma exceção. Foi uma figura moldada pelo capital financeiro estadunidense, baseado em Wall Street. Os indicadores disso são contundentes. O último é o apoio que a Casa Branca está dando a Larry Summers para o posto de Presidente do Banco Central Estadunidense, o Federal Reserve Board (FRB); Summers é também o candidato de Wall Street, o centro financeiro dos EUA, e é um dos personagens mais depreciados pelas forças progressistas, dentro e fora do Partido Democrata.
Summers encarna o homem graduado nas universidades consideradas mais prestigiosas dos EUA, formado para dirigir o país, comungando, sem nenhuma mostra de dúvida ou crítica, com os preceitos econômicos e políticos que configuram a sabedoria convencional dos EUA. Na verdade, em seu discurso econômico, mostra um claro dogmatismo, além de uma surpreendente ignorância quando se vai além dos quatro dogmas que alimentam esta sabedoria econômica convencional. É, de qualquer forma, um produto claro do establishment estadunidense. É um individuo fiel servidor do capital financeiro, pelo qual conseguiu amplos benefícios.
Discípulo de Robert Rubin, o banqueiro por antonomásia de Wall Street (uma das figuras mais poderosas e influentes em Washington e principal assessor económico do Presidente Clinton), desempenhou um papel chave em desfazer-se da Lei Glass-Steagall quando, como Ministro de Economia e Fazenda (Treasury Secretary) na Administração Clinton, desregulou os mercados financeiros, havendo sido esta desregulação uma das causas do desastre financeiro. Quando foi Presidente da Harvard University se distinguiu por sua discriminação frente às mulheres e às escassas esquerdas existentes naquele centro universitário e. Chegou a dizer que as mulheres não estavam em lugares de prominência científica porque não tinham uma mente preparada para esse tipo de trabalho. Estas declarações forçaram sua renúncia. Antes havia dito que os resíduos nucleares deveriam ser depositados na África, pois a curta esperança de vida existente naquele continente fazia seus habitantes menos vulneráveis a estarem expostos aos resíduos.
Nos primeiros anos a Administração Obama se opôs à expansão do estímulo econômico. Desde que deixou o cargo público, esteve ganhando uma grande quantidade de dinheiro na banca e muito em especial nos hedge funds como D.E. Shaw & Co. A lista de bancos aos quais esteve assessorando e dando conselhos (J.P. Morgan, Citigroup, Merrill Lynch e Goldman Sachs, todos eles receptores de fundos de resgate públicos) é enorme. Com este histórico, sua nomeação à frente do FRB já seria a máxima expressão da interconexão da Administração Obama com Wall Street.
Não sei se acontecerá. Espero que não. Há hoje, dentro e fora do Partido Democrata, uma mobilização contra essa nomeação, que tenta detê-lo. O que me leva ao ponto em o que iniciei o artigo. Ainda que os grandes personagens midiáticos sejam aqueles que aparecem nos meios de comunicação, os que na realidade configuram em grande medida o que acontece (e o que os personagens fazem ou deixam de fazer), não são apenas os grupos econômicos e financeiros que financiam as campanhas eleitorais de tais personagens, mas também as mobilizações populares que batalham contra a manipulação do poder por parte destes interesses econômicos e financeiros. O fato de o Presidente Roosevelt ter feito o que fez se deveu às grandes mobilizações populares que lhe empurraram a desenvolver as políticas do New Deal, que beneficiaram enormemente o povo estadunidense. São essas mobilizações de milhares ou milhões de pessoas anônimas que também podem configurar o comportamento dos grandes personagens.
Esta observação é de grande relevância também para a Espanha. Sem mobilizações nas bases do maior partido das esquerdas na Espanha, o PSOE, não haverá mudanças naquele partido, cuja equipe econômica e personagens afins (tal como o Comissário Europeu Joaquín Almunia), estão estancados no neoliberalismo promovido pelo capital financeiro. A ênfase em esperar sempre a chegada do grande “salvador” (tenha o nome que for) se baseia na leitura errónea do que acontece na realidade. E isso acontece tanto nos EUA como na Espanha. Sem mobilizações populares não haverá mudanças nem nessas políticas nem no governo nem no maior partido da oposição. Simples assim.
Última observação
Enquanto acabo de escrever este artigo, vejo o discurso econômico que o Presidente Obama fez no qual se refere a Amazon como exemplo de empresa que outras deveriam seguir, mostrando claramente seu desconhecimento do que está acontecendo com esta transnacional estadunidense, nos EUA e na Alemanha. Nos EUA a Amazon (que acaba de comprar o Washington Post) está entre as empresas que mais desatendem as condições de trabalho de seus empregados, havendo sido fonte de conflitos. Este comportamento criou também um grande conflito trabalhista na Alemanha, onde sua atitude anti-sindical se enfrentou com os fortes sindicatos alemães, que forçaram mudanças em seus comportamentos empresariais (ver em Bussiness Section. The New York Times. 5 de agosto de 2013 p. 1 e 3). Não descarto que o Presidente Obama não conheça estes conflitos, pois o poder isola muito os que o disfrutam. Rodeados de grandes banqueiros e homens de negócios, as pessoas poderosas não conhecem a realidade cotidiana de seus cidadãos, interpretando o mundo através dos primeiros e ignorando os segundos. E é o que está acontecendo com o Presidente Obama. E é o que está acontecendo com muitos de nossos governantes (e aspirantes a governantes) na Espanha também.
*Catedrático de Políticas Públicas, Universidad Pompeu Fabra e Profesor de Políticas Públicas na The Johns Hopkins University. Artigo publicado no jornal digital El PLURAL, 26 de agosto de 2013.
Tradução: Liborio Júnior
Hoje, entretanto, existe um grande desencanto das forças progressistas com o Presidente Obama. Das expectativas criadas no momento de sua eleição, muito poucas se realizaram, o que frequentemente se atribui à falhas de sua personalidade. Na verdade, o desencanto era previsível, pois o encanto estava baseado em uma leitura profundamente equivocada da realidade estadunidense. Os personagens políticos nos EUA são figuras visíveis (que adquirem grande projeção midiática) relacionadas aos interesses financeiros e econômicos que os financiaram e que configuram em grande medida suas políticas. E o Presidente Obama não foi uma exceção. Foi uma figura moldada pelo capital financeiro estadunidense, baseado em Wall Street. Os indicadores disso são contundentes. O último é o apoio que a Casa Branca está dando a Larry Summers para o posto de Presidente do Banco Central Estadunidense, o Federal Reserve Board (FRB); Summers é também o candidato de Wall Street, o centro financeiro dos EUA, e é um dos personagens mais depreciados pelas forças progressistas, dentro e fora do Partido Democrata.
Summers encarna o homem graduado nas universidades consideradas mais prestigiosas dos EUA, formado para dirigir o país, comungando, sem nenhuma mostra de dúvida ou crítica, com os preceitos econômicos e políticos que configuram a sabedoria convencional dos EUA. Na verdade, em seu discurso econômico, mostra um claro dogmatismo, além de uma surpreendente ignorância quando se vai além dos quatro dogmas que alimentam esta sabedoria econômica convencional. É, de qualquer forma, um produto claro do establishment estadunidense. É um individuo fiel servidor do capital financeiro, pelo qual conseguiu amplos benefícios.
Discípulo de Robert Rubin, o banqueiro por antonomásia de Wall Street (uma das figuras mais poderosas e influentes em Washington e principal assessor económico do Presidente Clinton), desempenhou um papel chave em desfazer-se da Lei Glass-Steagall quando, como Ministro de Economia e Fazenda (Treasury Secretary) na Administração Clinton, desregulou os mercados financeiros, havendo sido esta desregulação uma das causas do desastre financeiro. Quando foi Presidente da Harvard University se distinguiu por sua discriminação frente às mulheres e às escassas esquerdas existentes naquele centro universitário e. Chegou a dizer que as mulheres não estavam em lugares de prominência científica porque não tinham uma mente preparada para esse tipo de trabalho. Estas declarações forçaram sua renúncia. Antes havia dito que os resíduos nucleares deveriam ser depositados na África, pois a curta esperança de vida existente naquele continente fazia seus habitantes menos vulneráveis a estarem expostos aos resíduos.
Nos primeiros anos a Administração Obama se opôs à expansão do estímulo econômico. Desde que deixou o cargo público, esteve ganhando uma grande quantidade de dinheiro na banca e muito em especial nos hedge funds como D.E. Shaw & Co. A lista de bancos aos quais esteve assessorando e dando conselhos (J.P. Morgan, Citigroup, Merrill Lynch e Goldman Sachs, todos eles receptores de fundos de resgate públicos) é enorme. Com este histórico, sua nomeação à frente do FRB já seria a máxima expressão da interconexão da Administração Obama com Wall Street.
Não sei se acontecerá. Espero que não. Há hoje, dentro e fora do Partido Democrata, uma mobilização contra essa nomeação, que tenta detê-lo. O que me leva ao ponto em o que iniciei o artigo. Ainda que os grandes personagens midiáticos sejam aqueles que aparecem nos meios de comunicação, os que na realidade configuram em grande medida o que acontece (e o que os personagens fazem ou deixam de fazer), não são apenas os grupos econômicos e financeiros que financiam as campanhas eleitorais de tais personagens, mas também as mobilizações populares que batalham contra a manipulação do poder por parte destes interesses econômicos e financeiros. O fato de o Presidente Roosevelt ter feito o que fez se deveu às grandes mobilizações populares que lhe empurraram a desenvolver as políticas do New Deal, que beneficiaram enormemente o povo estadunidense. São essas mobilizações de milhares ou milhões de pessoas anônimas que também podem configurar o comportamento dos grandes personagens.
Esta observação é de grande relevância também para a Espanha. Sem mobilizações nas bases do maior partido das esquerdas na Espanha, o PSOE, não haverá mudanças naquele partido, cuja equipe econômica e personagens afins (tal como o Comissário Europeu Joaquín Almunia), estão estancados no neoliberalismo promovido pelo capital financeiro. A ênfase em esperar sempre a chegada do grande “salvador” (tenha o nome que for) se baseia na leitura errónea do que acontece na realidade. E isso acontece tanto nos EUA como na Espanha. Sem mobilizações populares não haverá mudanças nem nessas políticas nem no governo nem no maior partido da oposição. Simples assim.
Última observação
Enquanto acabo de escrever este artigo, vejo o discurso econômico que o Presidente Obama fez no qual se refere a Amazon como exemplo de empresa que outras deveriam seguir, mostrando claramente seu desconhecimento do que está acontecendo com esta transnacional estadunidense, nos EUA e na Alemanha. Nos EUA a Amazon (que acaba de comprar o Washington Post) está entre as empresas que mais desatendem as condições de trabalho de seus empregados, havendo sido fonte de conflitos. Este comportamento criou também um grande conflito trabalhista na Alemanha, onde sua atitude anti-sindical se enfrentou com os fortes sindicatos alemães, que forçaram mudanças em seus comportamentos empresariais (ver em Bussiness Section. The New York Times. 5 de agosto de 2013 p. 1 e 3). Não descarto que o Presidente Obama não conheça estes conflitos, pois o poder isola muito os que o disfrutam. Rodeados de grandes banqueiros e homens de negócios, as pessoas poderosas não conhecem a realidade cotidiana de seus cidadãos, interpretando o mundo através dos primeiros e ignorando os segundos. E é o que está acontecendo com o Presidente Obama. E é o que está acontecendo com muitos de nossos governantes (e aspirantes a governantes) na Espanha também.
*Catedrático de Políticas Públicas, Universidad Pompeu Fabra e Profesor de Políticas Públicas na The Johns Hopkins University. Artigo publicado no jornal digital El PLURAL, 26 de agosto de 2013.
Tradução: Liborio Júnior
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