quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O que mais não se fala sobre a Síria

Foi o bombardeio do Congresso e da Casa Branca dos EUA com mensagens da população expressando claramente a oposição quanto ao bombardeio na Síria que determinou esse giro no Governo Obama.

Vicenç Navarro
No artigo (O que não se fala sobre a Síria) que escrevi há dois dias noPúblico 10.09.2012, tentei dar uma versão diferente referente ao que está acontecendo na Síria (quanto ao ataque, quase iminente, das Forças Armadas dos EUA naquele país). Meu artigo, evidenciava a explicação que se estava dando na maioria dos meios de comunicação da Espanha para explicar que a proposta realizada pelo Governo Obama para bombardear a Síria estava errada.  Os dados não confirmavam que o motivo principal do tal bombardeio foi moral, resultado da indignação criada pelo uso de armas químicas pelo ditador sírio Asad. Por mais legitima que fosse a indignação (e era), esse não era o real motivo das propostas do Governo Obama. Meu artigo destacava e mostrava evidencia de que o desejo do Governo Obama era enfraquecer o Governo Asad na Síria e recuperar a influencia do governo federal dos EUA, cuja política exterior tem pouca influencia sob a defesa dos direitos humanos no mundo (como, também, mostrava meu artigo) e sim, em contrapartida, com a defesa dos interesses financeiros e econômicos, conhecidos como Corporate Class nos EUA, defendido por um complexo militar-industrial. No artigo, sinalizava que tais interesses entravam em conflito com os das classes populares dos EUA, que estavam se revelando de uma forma muito notória, contraria aCorporate Class e as instituições políticas representativas, cujas políticas estão muito bem influenciadas por essa classe social.
 Porque só agora recorrer à diplomacia?
Os últimos acontecimentos, desde então, provam a veracidade dessa analise. Em questão de dias, o Governo Obama mudou a estratégia demonstrando maior receptividade a diplomacia e aceitando explorar a possibilidade de eliminar e ou controlar parte de instituições internacionais as armas químicas em pose do Governo Asad. Contrariando as publicações dos meios de comunicação, essa proposta não é nova. Na verdade, assim como registrou o The New York Times “Na Unlikely Evolution, From Casual Proposal to Possible Resolution” (11.09.2013), tais negociações estão ocorrendo há cerca de um ano entre o governo russo e americano.
E o fato de que agora apareçam como possibilidade é primordialmente porque o Governo Obama se deu conta da grande maioria dos cidadãos contra o bombardeio na Síria. Foi o bombardeio do Congresso e da Casa Branca dos EUA com mensagens da população expressando claramente a oposição quanto ao bombardeio na Síria que determinou esse giro no Governo Obama. Obviamente que o Congresso, submetido a pressão popular, votou claramente contra ao bombardeio militar, enfraquecendo muito o Governo Obama. Por isso, tal mudança.
Segundo a ultima pesquisa do New York Times/CISS, assim como outras (citadas em meu artigo O que não se fala sobre a Síria), a maioria da população está contra o papel da “policia mundial” que atribui ao governo federal, contra a interferência militar em outros países, contra o bombardeio na Síria, contra o considerado excessivo gasto militar e a favor do aumento dos gastos sociais para atender as enormes necessidades humanas existentes no país (registrado, também, em meu artigo). Também, e por grandes maiorias (segundo pesquisas do PEW Research eCommon Cause), a maioria da população dos EUA acredita que existe uma concentração excessiva de poder financeiro, econômico e político no país, e também acredita que esse poder se traduz nos ramos executivos e legislativos do Estado de forma a influenciar excessivamente os reais interesses financeiros e econômicos (apenas 15% da população expressa confiança no Congresso dos EUA). Uma observação importante para aqueles que, tanto de direita quanto de esquerda, na Espanha, negam que existem classes sociais e que estas estejam em conflito: a maioria da população dos EUA acreditam que há um conflito de classes (cerca de 65%), que chega a 74% entre os afro americanos. O aumento da população que enxerga essa conflito foi um dos avanços mais importantes nos EUA (PEW ServetSocial Trends 12.01.2011) e tem a Corporate Class muito preocupada. Tal conflito é visto como um conflito entre a maioria da população contra a minoria que controla e governa o país. Esse é o debate sussurrado que esta acontecendo nos EUA. E faz reflexo na rebelião da maioria frente ao papel imperial que se exerce a custa do bem estar das classes populares.
Duas ultimas observações. Essa realidade é muito relevante para o que esta acontecendo na Espanha (e em Catalunha). Na verdade, a Espanha é um dos países da OCDE com maior desigualdade e maior concentração de riqueza, essa concentração empobrece a qualidade democrática do país, consequentemente a excessiva influencia real no poder econômico na vida política do país. A crise de legitimidade do Estado federal nos EUA responde as mesmas pautas que, também, encontramos na Espanha. Na Espanha, existe a necessidade de mobilizações populares (com bombardeios de mensagens de protesto, sempre sem violência) como está ocorrendo nos EUA para mostrar um “Basta Já”, na tentativa de recuperar a democracia.
Na Espanha, o Movimiento 15M, assim como o movimento Occupy Wall Street nos EUA, mostrou potencial de simpatia, apoio e mobilização popular que denuncia a minoria que governa a vida financeira, econômica e política do país. O que justifica a necessidade do movimento sociopolítico (que não deveria tornar-se um partido político, pois perderia a capacidade de mobilização transversal) que pressione e transforme os instrumentos e instituições conhecidos como democráticos, revolucionando o país.
Rebelión publicou esse artigo com a permissão do autor mediante a licença de Creative Commons, respeitando a liberdade de publica-lo em outras fontes.

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