terça-feira, 17 de setembro de 2013

Redescoberta marca relações diplomáticas - MUNDO ÁRABE

Brasil e nações do Oriente Médio e Norte da África colocaram os contatos recíprocos entre as prioridades de sua política externa. Para embaixadores, aproximação chegou a nível sem precedentes.



Ricardo Stuckert/PR
Lula e sua mulher no Líbano, em 2003: viagens inéditas
São Paulo – Nos últimos dez anos, o Brasil e o mundo árabe passaram por um processo de redescobrimento recíproco, na avaliação de diplomatas. As relações são históricas, vêm desde o final do século 19, com o início do fluxo migratório do Oriente Médio para as Américas, passando pelo forte intercâmbio comercial dos anos 1970 e 1980, mas durante um bom tempo deixaram de fazer parte das prioridades da política externa das duas regiões.

A partir de 2003, porém, o governo brasileiro decidiu colocar a aproximação com a África e o Oriente Médio no topo da agenda diplomática. Naquele ano, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez a primeira visita de um chefe de estado brasileiro ao mundo árabe desde o imperador D. Pedro II, e lançou a ideia da Cúpula América do Sul-Países Árabes (Aspa).

“Eu acho que o ‘turning point’ desta relação foi a iniciativa brasileira da Aspa”, disse Cesário Melantonio Neto, emissário especial do Brasil para o Oriente Médio e ex-embaixador brasileiro no Cairo.
Arquivo/ANBA
Melantonio: Aspa foi marco nas relações
Um dos incentivos para ofensiva brasileira foi um estudo apresentado pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira que apontava o potencial de negócios com o mundo árabe. A primeira Aspa foi realizada em 2005, em Brasília, a segunda em Doha, no Catar, em 2009, e a terceira em Lima, no Peru, no ano passado. Todas com cobertura extensa da ANBA.

Para o embaixador do Brasil em Bagdá, Anuar Nahes, a Aspa atingiu seu objetivo ao “evitar a triangulação do contato com o mundo árabe”, ou seja, criar um diálogo direto. “Havia uma herança colonial em que esse contato era sempre feito por terceiros”, afirmou ele, que já chefiou a embaixada brasileira em Doha, foi coordenador de seguimento da Aspa e chefe do Departamento do Oriente Médio do Itamaraty.

Nesse processo, proliferaram variadas iniciativas bilaterais: reuniões ministeriais, assinatura de acordos de cooperação, visitas de chefes de estado, missões comerciais, articulação conjunta em fóruns internacionais, apoio de uma parte às causas defendidas pela outra e abertura de embaixadas. Foram firmados tratados de livre comércio entre o Mercosul e o Egito e a Palestina.

O decano do Conselho dos Embaixadores Árabes no Brasil e embaixador da Palestina, Ibrahim Alzeben, ressalta a abertura de quatro novas representações diplomáticas árabes em Brasília: Catar, Omã, Mauritânia e Sudão. Hoje são 18 embaixadas e mais duas poderão ser abertas em breve. Vale lembrar que são 22 os países árabes.
Arquivo/ANBA
Alzeben: representação diplomática sem precedentes
“Isto (o tamanho da representação diplomática) é algo sem precedentes, a não ser em superpotências, nos cinco países que são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU”, declarou Alzeben.

No mesmo período, o Brasil abriu embaixadas em Omã, Mauritânia, Sudão e Catar, reabriu suas representações na Líbia e no Iraque e ainda passou a ter status de observador na Liga dos Estados Árabes.

Nahes explica que há uma particularidade neste diálogo que agrada aos árabes, que é o fato do Brasil ter interesse em cooperar com outros países sem necessariamente ter que lucrar com isso e, especialmente, sem arrogância. “Há de fato uma troca. O Brasil é muito bem visto”, afirmou.

Na mesma linha, Alzeben destacou que o Brasil é tradicional apoiador das causas árabes, em especial da independência da Palestina. “A posição do Brasil é muito clara, e o mundo árabe reconhece isso”, declarou.

Outra prova desta aproximação foi a criação de voos diretos e diários do mundo árabe ao Brasil, primeiro pela Emirates Airline, de Dubai, depois pela Qatar Airways, do Catar, e por último pela Etihad Airways, de Abu Dhabi. Até o final de 2013, a Royal Air Maroc lançará mais uma rota.

Momento
Alexandre Rocha/ANBA
Nahes: porta da redescoberta permanece aberta
Mas, e agora, de que forma o diálogo do Brasil com Oriente Médio e Norte da África vai evoluir? Transformações econômicas e políticas influenciaram as relações internacionais nos últimos anos, como a crise da dívida da Europa, a Primavera Árabe e o conflito civil na Síria.

“A relação do Brasil com os árabes está sentindo um pouco a instabilidade política da região. Há uma reacomodação de forças e ainda resta ver o que vai acontecer”, observou Nahes. “O mais importante, porém, é que a porta desta redescoberta permanece aberta”, acrescentou.

Para Alzeben, é natural que em momentos assim outras prioridades sejam eleitas pelos governos, mas isso não quer dizer que o interesse recíproco arrefeceu. “Nós ainda temos muito a oferecer e a receber”, ressaltou.

Melantonio vai adiante e diz que em meio a crises surgem também oportunidades. Para ele, as incertezas econômicas fazem dos países árabes ainda mais importantes para o Brasil como parceiros, e a enorme quantidade de brasileiros de origem árabe torna a influência do País nas questões da região “quase automática”. “Não acho que haja um esfriamento [das relações], mas sim um esquentamento”, destacou.

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