domingo, 1 de setembro de 2013

Socialistas franceses querem ir à guerra com Obama


Socialistas franceses querem ir à guerra com Obama

O presidente francês, François Hollande, se alinhou à estratégia norte-americana e se prepara para participar com Washington na provável ação militar contra o regime sírio de Bachar Al-Assad, em represália contra a suposta utilização de armas químicas em um ataque lançado dia 21 de agosto contra as posições dos rebeldes nos arredores de Damasco. Por Eduardo Febbro, de Paris

Paris - O socialismo francês vai à guerra com Barack Obama. O presidente francês se alinhou à estratégia norte-americana e se prepara para participar com Washington na provável ação militar contra o regime sírio de Bachar Al-Assad, em represália contra a suposta utilização de armas químicas em um ataque lançado dia 21 de agosto contra as posições dos rebeldes nos arredores de Damasco. Em uma entrevista publicada nesta sexta-feira pelo jornal Le Monde, o presidente francês confirmou que Paris participaria na magra coalizão (Estados Unidos, França e, talvez, a Liga Árabe) que aponta seus canhões para Damasco. François Hollande reiterou que a ofensiva de 21 de agosto constitui um “crime contra a humanidade” que merece, como resposta, uma intervenção “de alcance limitado”.

O chefe de Estado francês se converteu em um insistente partidário da ofensiva militar e passa a encarnar assim uma espécie de socialismo de novo perfil: militarista, intervencionista e aliado entusiasta da Casa Branca. De fato, a França é hoje o único aliado europeu de Barack Obama. Londres caiu fora da coalizão depois do voto do Parlamento, a Itália se opõe à intervenção e a Alemanha não entra no jogo desenhado. O mandatário francês não mudou sua linha desde que chegou ao poder em maio do ano passado. A França respaldou os rebeldes desde o princípio e foi também o primeiro país a reconhecer a legitimidade da Coalizão Nacional Síria como ente legal da oposição. Foi igualmente o primeiro país a admitir publicamente que estava armando o Exército Sírio livre (nome que levam as forças irregulares que combatem o regime de Bachar Al-Assad).

Hollande disse na entrevista ao Le Monde que “a matança química de Damasco não pode nem deve ficar impune”. Em seguida, precisou: “não sou favorável a uma ação internacional que pretenda liberar a Síria ou derrubar a ditadura. Mas creio sim que é preciso parar um regime que comete atos irreparáveis contra seu povo”. O cenário que fica estabelecido é tanto cômico quanto ilustrativo das convicções variáveis do socialismo francês. François Hollande, em vez de distanciar-se, prossegue com a ruptura iniciada por seu predecessor, o conservador Nicolas Sarkozy. O ex-chefe de Estado liderou em 2011 a coalizão que interveio na Líbia sob mandato da ONU para proteger a população civil.

Na verdade, a intervenção teve como meta a derrubada do coronel Khadafi. Sarkozy rompeu assim a linha adotada pelo ex-presidente Jacques Chirac que, em 2003, se opôs à invasão no Iraque programada com uma trama de mentiras pelo ex-presidente norte-americano George Bush. A crise que estourou naquele período entre França e Estados Unidos – conhecida como “a guerra das batatas fritas” – foi enorme. A conselheira para a segurança nacional de Bush, Condoleezza Rice, disse na época: “é preciso ignorar a Alemanha, perdoar a Rússia e castigar a França” (Moscou e Berlim também se opuseram na ONU à invasão do Iraque).

Mas os favores se devolvem à vista. François Hollande reintegra a Obama o apoio logístico que este ofereceu quando Paris ativou a ofensiva contra os integristas islâmicos no Mali e no Sahel. Paris e Washington estão mais próximos do que nunca. Depois que os deputados britânicos negaram a David Cameron a permissão para participar da guerra na Síria (285 votos contra 272), Paris é o único parceiro europeu de peso com que conta a administração norte-americana. O secretário de Estado John Kerry qualificou a França como “our oldest allies” (nosso aliado mais antigo). Para os britânicos, o tropeço é histórico. O aliado mais “antigo” e fiel sempre foi o Reino Unido. Paris ocupa daqui para frente esse estatuto privilegiado que deixa a imprensa francesa enlouquecida de orgulho. 

O giro histórico é ressentido na Grã Bretanha como uma gigantesca humilhação. A capa da última edição do jornal The Sun ilustra até o paroxismo o sentimento britânico: “DEATH NOTICE” (falecimento), escreve o jornal. Com isso, procura dizer que a relação privilegiada entre Washington e Londres morreu. Os europeus são muito zelosos quanto às suas relações especiais com a Casa Branca. Zelosos para não dizer puxa-sacos de Washington. Qualquer gesto de reconhecimento do EUA é visto como uma benção papal, um prêmio, uma boa nota ao aluno menor, um incentivo ao aprendiz. É lastimável, mas o complexo é típico de uma tira cômica. A ironia da história é que Hollande tenha se mostrado mais firme que a imagem e o apelido que recebeu de seus detratores: “o presidente brando”.

Não se sabe muito bem em que resultará o “castigo” a Síria. Mas as linhas já estão traçadas e os protagonistas assumem seu papel. A Alemanha terminou com a ambiguidade e afirmou: “não pretendemos participar de uma ação na Síria”. A OTAN olha para outro lado, a Itália se opôs desde o princípio, assim como a maioria dos países europeus. A operação militar prevista aponta essencialmente para a destruição de alvos militares específicos, como depósitos de munições, sistemas de comunicação, aeroportos, bases militares. É muito provável que depois desse breve “castigo” a guerra interna continue com seu inesgotável fluxo de atrocidades cometidas por ambas as partes, êxodo da população e matanças indiscriminadas.

Em termos de política internacional, em nome do “castigo a uma monstruosa violação de direitos humanos” (como disse Hollande), o mandatário francês forjou uma nova aliança com os Estados Unidos. Na mesma estratégia devem entrar gestos tão condenáveis como o bloqueio do espaço aéreo para impedir que o avião do presidente boliviano Evo Morales sobrevoasse o território francês com a desculpa de que o ex-agente da CIA e da NSA Edward Snowden estaria nele. Quem será a próxima vítima?

Tradução: Katarina Peixoto

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