terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Mãos alheias. Ruy Castro


Há meses, um megagrupo francês, Vivendi, depois de abocanhar a gigante americana Universal -
-esta, já resultado de 50 anos de fusões na área das gravadoras de música popular--, comprou
a outra gigante, a inglesa EMI, também a soma de 50 anos de fusões na mesma área. Significa que,
 agora, o legado de Bing Crosby, Carlos Gardel, Edith Piaf, Frank Sinatra, Amália Rodrigues, os
Beatles, os Rolling Stones e outros do mesmo calibre --até há pouco sob diferentes bandeiras--
tem um só dono.
Nas economias marca barbante, como a brasileira, essas fusões levam a uma fria e implacável desnacionalização. Neste momento, por exemplo, 90% da música popular gravada no Brasil no século 20 pertencem a três grupos estrangeiros: a dita Vivendi, a japonesa Sony e a americana Warner.
A novidade não está no fato de a história da música brasileira não pertencer a brasileiros --porque só às vezes isso não aconteceu. Mas no de que, desde os anos 30, ela nunca esteve concentrada em tão poucas mãos, e alheias. Naquela década, por exemplo, era dominada pela inglesa Odeon (aliás, EMI) e pelas americanas Victor e Columbia.
Essas potências nunca perderam o domínio, mas, a partir de 1945, tiveram de ceder parte do território a pequenas e bravas gravadoras brasileiras que começaram a surgir, como a Continental, Sinter, Copacabana, Todamérica, Star, Musidisc, Mocambo, RGE, Chantecler, e, nos anos 60, os bravíssimosselos Festa, Elenco, Forma, Cid, Equipe, Som Maior, Farroupilha, Imagem. Com o tempo, no entanto, todos esses nanicos foram sendo absorvidos pelos grandes e estes, por outros novos no mercado e ainda maiores.
Os quais se comeram uns aos outros e, hoje, de novo em três, controlam o nosso passado musical -- o que, como dizia George Orwell, é essencial para controlar também o presente e o futuro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário