segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

CORONEL PEDRO JOSÉ ABOUDIB (1873 – 1947) - 4 - MEMÓRIA DA IMIGRAÇÃO LIBANESA


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Com o auxilio de um dicionário francês-português e do guia de conversação pude me exercitar na leitura e escrita do vernáculo. Interessado vivamente na vida político-administrativa do país, lia com afinco os jornais. A princípio, quando a leitura me embaraçava ou faltavam-me palavras para expressar-me, pedia explicações rápidas aos amigos mais próximos. De tal modo sentia-me integrados às cousas da terra que, tendo-se aberto um posto de qualificação eleitoral, o Coronel Domingos Lima alistou-me eleitor. Mais tarde, devido à amizade e confiança que me dedicava, indicou-me à eleição, de 1 Juiz Distrital de Guarapari, cargo que exerci durante o quadriênio de 1892-1896.

Data daí minha carreira política pois, a contragosto, fui eleito vereador municipal para o período de quatro anos. Reeleito para o período de 1900-1904, falou-me o Coronel Domingos Lima que eu deveria ser eleito Presidente da Câmara, de acordo com o desejo dos demais vereadores. Respondi-lhe categoricamente que não aceitaria essa investidura pois não me sentia bem presidindo uma assembléia  de brasileiros natos. Além disso, esse fato daria motivos à exploração política da oposição, visando-o, como também ao chefe do partido Construtor, o preclaro presidente Moniz Freire. Recusando-se o Coronel Domingos Lima a aceitar minha sugestão, fui a Vitória sem dizer-lhe a verdadeira finalidade da viagem. Em minha costumeira visita ao Presidente narrei-lhe o fato, pedindo-lhe que escrevesse ao velho coronel, dissuadindo-o de sua pretensão. Pousando uma das mãos em meu ombro, disse-me Dr. Moniz:

- “Você cada vez mais se eleva em meu conceito. O Domingos quer e eu também quero”. E assim fui eleito presidente da Câmara.

Desde meu primeiro encontro com o Dr. Moniz Freire e conseqüente filiação ao partido Construtor, dediquei o máximo de meu esforço a essa causa que, para mim, se tomou sagrada dada a grande estima e admiração que me inspiravam as atitudes do grande espírito-santense.

Felizmente meus negócios tomavam rumo satisfatório e próspera era minha situação financeira, assim pude fazer face às despesas da chefia política.

CASAMENTO – 23 DE JUNHO D 1894

Construíra uma excelente casa de moradia tendo nos baixos a casa comercial. As relações que fazia em minhas viagens de negócios e a política, davam a minha residência um movimento de hóspedes e visitantes semelhante a um hotel, provido de criadagem. Minha boa Sinhá foi-me extremamente prestimosa companheira ajudando-me e colaborando no acolhimento e trato aos que nos procuravam. Casara-me cinco anos após chegar ao Brasil e tive a felicidade de escolher esposa numa das mais conceituadas famílias, senão a mais importante do lugar. Meu sogro, Manoel Joaquim Fernandes Lima, era tabelião da comarca, cargo que exercia com probidade ressaltando ainda o seu espírito liberal. Havia entre nós estima recíproca e, infelizmente, pouco aproveitei de sua convivência depois de meu casamento, pois faleceu em seguida. Sinhá era bonita moça e tinha uma linda cabeleira. Não foi entretando a primeira namorada. A princípio, recebeu com reservas minhas pretensões, mas creio que além da simpatia que lhe inspirava, muito influiu no seu espírito a afeição que me dedicavam sua irmã D. Maria Rosa e seu padrinho Coronel Domingos Lima. Em seis meses passamos do namoro ao casamento e, embora eu houvesse adquirido os móveis e instalado casa, tive que aceder ao pedido de meu sogro que, já adoentado, preferia que a filha mais nova permanecesse a seu lado.
Em 1896, foi eleito e empossado presidente do Estado outro grande talento capixaba, Dr. Graciano Neves. Médico notável, mas de hábitos simples, não tinha a bossa da política. Antes de terminar o segundo ano de governo, renunciou, passando o cargo ao vice-presidente Sodré, telegrafando a Moniz Freire, então em Paris, para que voltasse urgentes a fim de tratar da eleição de seu substituto.

Cabe aqui lembrar o que a respeito desse grande espírito-santense ouvi mais tarde, do grande cirurgião Chapot Prevost.

Em meados de 1902 segui para o Rio de Janeiro a fim de submeter-me a delicada intervenção cirúrgica. Dias depois recebia eu na casa de Saúde São Sebastião, onde me encontrava sob cuidados do Dr. Marcos Cavalcante, a visita do Dr. Moniz Freire, então presidente do Estado que também por motivo de saúde, estava com a família em vilegiatura no Hotel das Paineiras. Quis o acaso que lá se encontrasse com o Dr. Chapot Prevost, seu particular amigo. Levou-o até meu quarto, onde eu ardia em febre. Censurando-me por não ter ouvido sua opinião na escolha do cirurgião, apresentou-me ao Chapot. Verificando o interesse que por mim tomava o amigo, disse-lhe o cirurgião ser necessária a presença imediata de meu médico, pois não lhe parecia bem o meu estado. Dr. Muniz insistiu para que tomasse a si a responsabilidade de tratar-me, no que secundei, já que meu operador não dera mais notícia, relegando-me ao cuidado de enfermeiros. Com muita delicadeza, recusou-se o Dr. Chapot a intervir o que, entretanto, faria sob as ordens do diretor da Casa de saúde, Dr. Simões Correia que, diante da gravidade do caso, entregou-me aos cuidados do ilustre cirurgião.

Na referida Casa de Saúde, nessa ocasião, encontrávamo-nos quatro espírito-santensesem tratamento com o mesmo médico. Reunidos em meu quarto, uma noite, jogando solo, já em franca convalescença, deteve-se a conversar conosco o Dr. Chapot. Falávamos do próximo regresso quando nos disse, à guisa de conselho de despedida: “Os senhores que tem no seu Estado uma notabilidade como o Dr. Graciano Neves não precisam vir ao Rio para tratamento de saúde. Conheço-o desde os bancos acadêmicos e lamento que tenha permanecido num meio tão pequeno.

Devo à memória do Dr. Graciano mais que admiração pelo seu caráter, pelas suas virtudes, um agradecimento pelo que fez, a meu pedido, por um amigo gravemente enfermo, Horácio Gomes, irmão dos então Padres Helvécio e Manoel, hoje ilustres arcebispos respectivamente de Mariana e Goiás. Ainda que não exercesse por este tempo a medicina, acendeu em tratá-lo e, mesmo julgando o mal irremediável, visitou-o diariamente até acompanhá-lo à última morada.

Guardo também a melhor lembrança do desprendimento e altruísmo do Dr. Chapot, a quem cheguei a procurar na própria residência e que nada quis receber pela assistência a mim prestada. Soube mais tarde, com pesar, de sua morte, quase procurada, segundo dizem, pelo desgosto que lhe causava e à sua encantadora esposa o filho excepcional que tiveram.

Governava o Espírito Santo outro médico amigo da sua terra, o Dr. José Marcelino, quando por este fui indicado para tenente-coronel da Guarda Nacional, cuja patente foi assinada no dia 23 de setembro de 1898, pelo então Presidente da República Campos Salles, sendo Ministro da Justiça Dr. Epitácio Pessoa.

Para ressaltar a simplicidade dos homens e do governo daquela abençoada época a, relatarei o que comigo se passou quando da doença de meu filho forçou-me á levá-lo à capital com urgência; viajando no vapor Mayrink. Chegando a Vitória à noitinha, deixei Sinhá com Zé Pedro no hotel Europa e saí em busca de Dr. Florêncio, médico de minha confiança. Seguindo pela rua 7 de setembro, deparei com o então presidente do Estado, Dr. José Marcelino, que num grupos de amigos, dirigia-se para o divertimento da moda, o jogo de bagatela. Cumprimentei-o à pressa, alegando ir buscar Dr. Florêncio para atender meu filho gravemente enfermo. Imediatamente despediu-se o presidente dos amigos e, apesar de meu sincero protesto, acompanhou-me ao hotel para ver o menino. Após cuidadoso exame deu-me a receita que levei a farmácia do Wlademiro Silveira, como eu, surpreso e encantado ante a simplicidade do presidente. Aviada a receita, voltou comigo ao hotel, ali permanecendo até  as onze da noite em agradável palestra, retirando só quando dominada a crise. Ao despedir-se à porta da residência de sua mãe, advertiu-me: “Não chame outro médico para o menino. Virei vê-lo diariamente”. No dia seguinte, as nove da manhã, batia à porta de nossa quarto e, à tarde, findas as suas funções no Palácio, voltava a ver meu filho que em poucos dias se restabeleceria. Ao terminar o período governamental em que deu provas de honestidade e boa gestão nos negócios públicos, foi recompensado com o mandato de deputado á Câmara Federal. Voltara a administrar o Estado o Dr. José de Melo Moniz Freire. Era o ano de 1900, entrávamos no século XX.

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