terça-feira, 31 de julho de 2012

A “TERCEIRA ONDA” DO CONSUMO DE CAFÉ








Eduardo Cesar Silva
Elisa Reis Guimarães
Lavras, MG
Julho de 2012Bureau de Inteligência Competitiva do Café
Eduardo Cesar Silva  – Mestre em Administração (UFLA). Coordenador do Bureau de
Inteligência Competitiva do Café. E-mail: educesar_muz@hotmail.com
Elisa Reis Guimarães – Graduanda em Administração (UFLA). Analista do Bureau de
Inteligência Competitiva do Café.
INTRODUÇÃO
A sociedade muda constantemente. Novos hábitos, conceitos, modas e tecnologias
foram responsáveis por diversas mudanças ao longo da história. Para as cadeias
agroindustriais é de especial interesse acompanhar as mudanças nas preferências dos
elos finais da cadeia, como varejistas e consumidores. Estas mudanças criam novas
demandas que, por sua vez, deverão ser atendidas pelos produtores agrícolas. De modo
geral,  se pode dizer  que  o consumidor  “cria” a demanda e cabe aos produtores se
adequarem ao novo padrão de consumo. Atender as novas demandas significa explorar
oportunidades e manter a competitividade no mercado.
O consumo mundial de café também  passa por mudanças e evoluções. China e
Índia, dois grandes consumidores de chá, começam a descobrir os prazeres de uma boa
xícara de café. Cafeterias espalhadas por todo o mundo ajudam a difundir o consumo fora
do lar e criam demanda para os cafés especiais. Grandes empresas do setor de alimentos
e bebidas lutam por uma fatia do pequeno, mas promissor, mercado de café em cápsulas.
E não pode ser desconsiderada a crescente demanda por cafés sustentáveis.
Nos últimos anos um novo perfil de consumidor de café começou a surgir. Trata-se
de um consumidor exigente, interessado em conhecer a origem do seu café, os detalhes
do beneficiamento do grão e as características que diferenciam um café brasileiro de um
colombiano ou queniano, por exemplo. Esse consumidor quer experimentar métodos de
preparo da bebida que vão além do tradicional espresso. Ele vive a chamada “Terceira
Onda” do consumo de café. Bureau de Inteligência Competitiva do Café
OBJETIVO
Este relatório, preparado  com informações coletadas pelo Bureau de Inteligência
Competitiva do Café, objetiva fornecer informações relevantes que possam ser úteis para
o agronegócio no que diz respeito às recentes mudanças observadas entre os
consumidores de café dos países desenvolvidos. Estas mudanças, embora em estágio
inicial, têm potencial para modificar, ao menos em parte, a cadeia produtiva.
Estar alinhado com as novas tendências de consumo é fundamental para a tomada
de decisões no setor cafeeiro nacional.
AS ONDAS DO CAFÉ
Um novo conceito explica o consumo de café por “ondas” (waves): primeira,
segunda ou terceira. A primeira onda se refere à proliferação do consumo de café por todo
o mundo, principalmente no período  posterior a  Segunda Guerra Mundial. O café era
“mais consumido  do  que apreciado”, valorizado  mais  pelo que fornecia (a  energia)  e
menos por sua natureza e sabor. No que se refere à comercialização,  ela era feita em
quase sua totalidade nas prateleiras de supermercados, com grande utilização de grãos
da espécie Coffea canephora, considerado de qualidade inferior ao Coffea arabica.
O aparecimento da segunda onda foi marcado pela melhoria na qualidade da
commodity por meio da preferência  dos grãos da espécie arábica em oposição aos da
canephora  (robusta). Surgiram grandes redes de cafeterias  especializadas em café
gourmet, como Starbucks e Peet's Coffee & Tea, que são consideradas as maiores
propagadoras desta onda. A expansão do uso de máquinas de café espresso para o
preparo da bebida também se enquadra na “segunda onda”. De modo geral, essa onda foi
responsável por tornar o hábito de tomar café mais sofisticado e agregou valor ao
produto.
Já na “Terceira Onda”, o café é consumido pelo que é e não pela cafeína que
fornece. O objetivo  é conhecer a fundo todas as propriedades e nuances da bebida e
prepará-la de forma a ressaltar o sabor. Bureau de Inteligência Competitiva do Café
Esse conceito de “ondas” para explicar o consumo de café foi cunhado pela barista
Trish Skeie, em 2003, e desde então ganhou popularidade entre os aficionados por café,
sendo bastante empregado para descrever o novo estilo de consumo.
Skeie relaciona a  Terceira Onda como “resposta” ao café de torra escura
característico da segunda onda
2
. A torra escura teria se tornado o padrão de redes como
Starbucks por facilitar a  padronização do perfil da bebida oferecida nas lojas da rede.
Quanto mais torrado, menores as diferenças entre grãos de diferentes origens. Para uma
rede com mais de 11 mil lojas nos EUA, esta é uma estratégia interessante para manter o
padrão
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. Mas a Terceira Onda valoriza o sabor individual de cada café.
Assim como ocorre com o vinho, algumas
áreas produtoras de café são preferidas em
relação a outras. Cada uma delas possui
características específicas, como clima, altitude,
formas de colheita e processamento diferentes
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.
Portanto, cada café é considerado  exclusivo, de
modo que  aqueles provenientes de uma origem
única, por representarem a essência de uma
região específica, têm sido preferidos em relação
aos blends. Rastrear a origem e acompanhar todo
o processo de produção, torrefação e preparo é
um meio de assegurar a qualidade do produto.
Assim, pode-se dizer que o café  passa por uma
descomoditização, ou seja,  é percebido e
negociado de forma diferente de uma commodity,
algo mais próximo do vinho e que ocorre também
na forma como é consumido
5
.
Um exemplo do quanto  os  representantes da Terceira Onda levam a sério a
questão da origem única pode ser observado na Stumptown Coffee Roasters, uma
pequena rede de cafeterias do Estado norte-americano de Oregon. A Stumptown é
conhecida pela excelente qualidade dos cafés oferecidos e como legítima representante
Imagem: FreeDigitalPhotos.netBureau de Inteligência Competitiva do Café
da Terceira Onda. Cada saca de café verde da Stumptown possui uma placa que indica a
altitude, varietal e notas de sabor dos grãos. Em adição, o verso de cada  placa possui
informações técnicas como, por exemplo, a forma como se deu o processo de secagem.
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Para os defensores da Terceira Onda, utilizar blends para manter o mesmo perfil
sensorial de bebida, ano após ano, é um pensamento ultrapassado. A variação de
sabores que o café de uma mesma região, ou até mesmo propriedade, pode sofrer de um
ano para outro deve ser explorada, e não evitada. As cafeterias devem aprender a
trabalhar com os perfis disponíveis, ao invés de fornecer ao consumidor apenas um perfil
pré-estabelecido.
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A preferência por cafés com selo  Fairtrade, aqueles comprados diretamente dos
produtores por um preço mais alto que o normalmente pago,  é crescente. Como  nova
variação desta forma de troca, surge o Direct Trade, que se assemelha ao "Fair Trade" no
sentido de pagar um preço mais justo aos produtores e encorajá-los a desenvolver
práticas sustentáveis e responsáveis ecologicamente
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, mas não se trata de uma
certificação.
O Direct Trade é um movimento iniciado pelas cafeterias da Terceira Onda e que
propõe a compra direta do café produzido, desde que apresente excelente qualidade e o
cafeicultor se preocupe com aspectos ambientais, entre outros. Não existe um preço fixo,
mas  são valores acima do mercado, negociados diretamente entre o produtor e
comprador. Os compradores de café que participam do  Direct Trade buscam pagar
valores que remunerem o cafeicultor pelo seu trabalho e estimulem a continuidade da
produção de cafés de qualidade. A Intelligentsia Coffee, por exemplo, paga no mínimo
25% a mais que o preço do café certificado Fairtrade.
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Esta forma de comércio se diferencia pelo fato de, além de pagar um preço mais
justo aos produtores, negocia custos adicionais a serem pagos a qualquer intermediário
que tenha alguma função legítima de levar o produto para o mercado.Bureau de Inteligência Competitiva do Café
TENDÊNCIA: CAFÉ COADO
O texto original de Trish Skeie sobre a Terceira Onda do consumo de café relata a
opinião de renomados baristas noruegueses contrários à “automação” do preparo de café,
evidenciada pelas máquinas automáticas de espresso, cada vez mais sofisticadas. Esses
baristas se posicionaram contra tudo que é automático no preparo  da bebida. A autora
relaciona esse fato como a “homogeneização” do café espresso. Cafeterias com
máquinas automáticas não teriam o mesmo brilho daquelas em que o barista busca a
perfeição a cada espresso tirado. Pode-se entender também  que se trata de uma
valorização do artesanal e do manual no mundo café. Com a crescente sofisticação dos
hábitos de consumo da bebida, é natural que se valorizem características únicas de um
café que apenas o barista qualificado consegue evidenciar.
Embora bons baristas possam tirar espressos bastante superiores aos das
máquinas automáticas, outro método de preparo  ganhou destaque na Terceira Onda: o
café coado. Ele está presente em diversas cafeterias que lideram a Terceira Onda e sua
crescente popularidade está relacionada com a tendência dos cafés de origem única.
De acordo com os baristas da Terceira Onda, o método coado permite uma melhor
distinção entre as diferentes nuances de sabor que se espera obter de um café de origem
única. Em seu “renascimento” como método sofisticado de preparo, o café coado  é
chamado de pour over coffee nos países de língua inglesa. Além disso, difere bastante do
tradicional café de coador obtido através de cafeteiras elétricas.
Imagem: FreeDigitalPhotos.netBureau de Inteligência Competitiva do Café
O  pour over coffee é preparado pelo barista na hora, em  frente ao consumidor.
Uma dose de cada vez. Embora possa demorar até 4 minutos,  é dito que a qualidade
compensa. De fato, esse café coado de alta qualidade, preparado a partir de cafés de
origem única, tem sido destacado como tendência entre as cafeterias  sofisticadas  de
Nova York, Melbourne, Sydney e no Reino Unido.
Em 2010, a Starbucks aderiu à nova
tendência e introduziu o  pour over coffee em
suas lojas nos EUA  e Canadá. Em 2011, as
lojas do Reino Unido começaram a receber a
novidade juntamente com uma seleção de
cafés de origem única para serem preparados
pelo método.
PEQUENA ESCALA
A Terceira Onda é representada por pequenas redes e cafeterias independentes,
como Stumptown Coffee Roasters, Intelligentsia e Counter Culture, que preferem manter
a qualidade a vender seus produtos em grandes quantidades.
Essas cafeterias seguem um estilo bastante diferente daquele das grandes redes,
como a Starbucks. No entanto, parece pouco provável que alguma delas consiga crescer
de modo a representar uma ameaça para a maior rede  de cafeterias  do mundo. Isso
ocorre porque as cafeterias da  Terceira Onda prezam pelo relacionamento com os
produtores de café. Seus proprietários frequentemente viajam até os países produtores
em busca de lotes de cafés únicos. E é nesse ponto que reside parte do charme da
Terceira Onda. Um café nunca tem o mesmo sabor de outro. Os cafés adquiridos
compõem os chamados  “micro lotes”. É impossível para uma grande rede oferecer o
mesmo micro lote em todas as lojas. São dois modelos incompatíveis. No entanto, um
grande número dessas cafeterias independentes pode representar uma mudança
Imagem: FreeDigitalPhotos.netBureau de Inteligência Competitiva do Café
significativa
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para agronegócio café.
A evolução do mercado de cafés especiais é ilustrativa e pode evidenciar o que vai
ocorrer com a Terceira Onda. Nos seus primórdios, a comercialização de cafés especiais
era quase incipiente, tal como  a de cafés certificados. Hoje, representam parcela
significativa do mercado mundial do grão.  Do mesmo modo, atualmente apenas uma
pequena parcela do mercado de cafés especiais pode ser considerada como dentro da
Terceira Onda. Mas como lembra Josh Ozersky, da Time, quando a Starbucks começou
na década de 1970, o mercado de cafés especiais também era apenas uma fração do
total.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De modo geral, podem ser consideradas características da Terceira Onda:
Qualidade acima de tudo.
Cafés de Origem Única (em oposição ao blend).
Direct Trade
Micro lotes
Métodos alternativos de preparo
Até onde se pôde averiguar, o fenômeno conhecido como  Terceira Onda está
presente nos EUA, na Austrália e  também no  Reino Unido.  Nestes países, a  Terceira
Onda tem ganhado força, mas ainda está restrita  a um pequeno grupo de cafeterias
especializadas. No entanto, é importante  destacar que o número tem crescido
significativamente. Diversos portais de notícias deram espaço à nova onda do café nos
últimos dois anos,  entre eles:  The New York Times, Financial Times, Sydney Morning
Herald, The Guardian e Time.
Essa Terceira Onda  do consumo de café representa uma ruptura com o modelo
adotado pelas grandes redes de cafeterias.  Elas têm seu mérito, já que com a sua
propagação houve um salto significativo  na qualidade do café consumido. No entanto, Bureau de Inteligência Competitiva do Café
diante de toda a variedade de sabores que podem ser obtidos em uma xícara de café e
com a sofisticação dos hábitos de consumo, um novo nível de qualidade se faz
necessário. A Terceira Onda parece representar uma aproximação do café com relação ao
que já existe no mercado de vinhos. Pode-se dizer que o café está se tornando, de fato,
um produto gourmet.
Quanto ao seu futuro, a Terceira Onda parece promissora. O número de cafeterias
especializadas cresce e muitas se preocupam, inclusive, em oferecer cursos de
degustação para  seus  consumidores. Na “Era da Informação”, os segredos da
degustação de café não estão restritos apenas  aos profissionais do mercado.
Consumidores podem, e devem, saber apreciar as nuances dos diferentes tipos de café.
Por sua vez, o Direct Trade pode ser útil ao aumento do conhecimento do produtor,
já que o coloca em contato direto com o comprador. No Direct Trade, o comprador, muitas
vezes, visita a fazenda em busca dos melhores lotes. Essa proximidade permitirá um
incremento nos conhecimentos do produtor a respeito da qualidade dos seus grãos e das
demandas do mercado.
As possibilidades são grandes e a Terceira Onda  está  apenas no começo.
Diferenciar e valorizar as diferentes regiões produtoras do Brasil pode ser o primeiro
passo para que a cafeicultura nacional esteja bem posicionada quando essa nova “onda”
ganhar força e se tornar  mais  relevante para o mercado.  O  crescente interesse dos
consumidores mais sofisticados por detalhes sobre a origem e produção do  seu  café é
uma tendência forte. As indicações geográficas podem contribuir para o bom
posicionamento do Brasil diante dessas novas demandas.
REFERÊNCIAS
1  http://coffeegeek.com/opinions/bgafiles/04-02-2005/
2  http://www.baristamagazine.com/Issues/VolumeII/AprilMay06/aprilmay06-third.html
3  http://www.roaste.com/CoffeeBlogs/scott/3-Things-Make-You-Third-Wave
4  http://www.boyds.com/coffee/process.html Bureau de Inteligência Competitiva do Café
5  http://beanactivist.wordpress.com/2007/11/11/third-wavers-decommodification-of-coffee/
6  http://www.time.com/time/nation/article/0,8599,1970653,00.html#ixzz1PktdWnjc
7  http://coffeegeek.com/opinions/bgafiles/04-02-2005/
8  http://green.wikia.com/wiki/Direct_Trade_Coffee
9  http://www.intelligentsiacoffee.com/content/direct-trade
10 http://money.msn.com/top-stocks/post.aspx?post=00000065-0000-0000-4ad2-190000
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SOBRE O BUREAU
O Bureau de Inteligência Competitiva do Café é um projeto financiado pela
Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) com
interveniência da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Os
trabalhos são desenvolvidos dentro do Centro de Inteligência em Mercados (CIM) da
Universidade Federal de Lavras (UFLA). O principal objetivo do Bureau é produzir
inteligência competitiva para transformar o Estado de Minas na mais dinâmica e
sofisticada região cafeeira do mundo.
CONTATO
O Bureau se coloca a disposição dos interessados em conhecer mais as atividades
desenvolvidas. Parcerias e sugestões para novos estudos também são bem vindas. O
contato pode ser feito pelo fone (35) 3829-1443.





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