terça-feira, 31 de julho de 2012

Papa tenta enquadrar as Universidades Católicas



Campus da PUC do Peru: O terreno de combate
Campus da PUC do Peru em Lima: O campo de batalha
Em ofensiva liderada pelo próprio Bento XVI, Vaticano quer punir PUC do Peru por seu pensamento livre
Por Hugo Albuquerque
As medidas são duras. Num ato bombástico, anunciado em 21 de julho por seu próprio secretário de Estado, Tarcísio Bertone, o Vaticano decidiu romper com a Pontifícia Universidade Católica do Peru (PUCP). Quer impedi-la de conservar os nomes “Católica” e “Pontifícia”, pelos quais é conhecida há quase cem anos. Apoiando-se no contrato de doação do terreno, que previa sua destinação exclusiva para a construção e manutenção de uma universidade católica, a Igreja pretende, após a retirada unilateral do título, apoderar-se de seu patrimônio — inclusive prédios e o terreno do campus.
As decisões foram adotadas em sintonia com a Arquidiocese de Lima e seguem-se a visitas realizadas à instituição no final de 2011. Nelas, os inspetores papais teriam constatado que professores e alunos da PUCP mantêm diferenças ideológicas com as posições defendidas pela Igreja Católica…Divergir do Vaticano seria suficiente para desencadear reação tão drástica? Estariam também ameaçadas, então, universidades católicas que ocupam papel destacado na produção do conhecimento, em todo mundo? Infelizmente, a resposta a estas duas questões parece ser sim.
A base para a perseguição contra a PUCP foi lançada há vinte anos, quando o papa Karol Wojtyla (João Paulo II) comemorava uma grande vitória política – a desintegração do mundo soviético, para a qual a Igreja e ele próprio contribuíram ativamente. Em 1990, a Igreja aprovou a constituição apostólica ex-corde ecclesiae.Claro e duro, o documento estabelece, para as universidades católicas, parâmetros pouco compatíveis com instituições plurais e abertas ao debate de ideias. Devem, por exemplo (item 13), refletir “à luz da fé católica” sobre “o tesouro crescente do conhecimento humano” e, mais importante ainda, ter “empenho institucional ao serviço do povo de Deus e da família humana no seu itinerário rumo àquele objectivo transcendente que dá significado à vida.”
Mas a aplicação de tais normas só ganhou real efetividade nos últimos cinco anos, com a ascensão de Joseph Ratzinger (Bento XVI) ao posto de Papa. Num discurso recente, proferido na Universidade Católica de Milão, ele atacou “a cultura contemporânea” por relegar a dimensão religiosa “à esfera do opinável e do privado”. Sugeriu, portanto, que o catolicismo deve ultrapassar os limites do privado e do que pode ser questionado.
Não é casual que a PUCP tenha sido a primeira vítima. Principal universidade de seu país, é conhecida por sua excelência acadêmica e viés humanitário e democrático. Elege diretamente seu reitor. Tem, também, enorme importância histórica e simbólica. Lá lecionou, por anos, Gustavo Gutiérrez Merino, sacerdote dominicano considerado, por muitos, fundador da Teologia da Libertação, movimento nascido da abertura gerada pelo Concílio do Vaticano II, voltado para as causas sociais e democráticas, hoje, confrontada pela hierarquia da Igreja no presente refluxo conservador.
É evidente que, se bem sucedidos, os ataques à autonomia e espírito libertário da universidade peruana podem se espalhar pelo mundo. Não são fatos isolados, percebe-se, agora, episódios como os duros ataques que o recém-falecido bispo emérito de Guarulhos lançou, no início deste ano, contra o caráter laico e democrático da PUC-SP. Ou a presença, no pleito para reitor deste ano, de uma candidata para a qual o caráter católico da instituição deve sobrepor-se à liberdade cátedra.
Felizmente, a PUCP resiste. Seu reitor, Marcial Rubio, tem lembrado que Direito Canônico rege apenas as relações internas à Igreja. A universidade segue as leis peruanas: as mesmas que regem a vida de todos os cidadãos e sobre as quais a hierarquia católica, felizmente, não tem jurisdição alguma. Mas trata-se de um embate duríssimo, cujo resultado é central para o futuro das universidades católicas pelo mundo e para as demandas gerais por laicidade na vida contemporânea.

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