segunda-feira, 30 de julho de 2012

PROGRAMA DE AGRICULTURA DE BAIXO CARBONO


Lançado em 2010 pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) com muita fanfarra, o Programa Agricultura de Baixo Carbono (ABC) teve um começo decepcionante. Para dizer o mínimo. Dos R$ 2 bilhões que o governo federal colocou à disposição em condições superfavoráveis para bancar projetos agropecuários sustentáveis na safra 2010/2011, menos de R$ 60 milhões foram efetivamente contratados em 103 operações. Ao que tudo indica, o programa está tentando virar essa página. Em 25 de junho, o Banco do Brasil – de longe o maior financiador do setor agrícola – divulgou que desembolsos relacionados ao programa haviam ultrapassado a marca de R$ 1 bilhão do total de R$ 3,15 bilhões alocados para a safra 2011/2012, que terminou oficialmente no mês passado.
O diretor do Departamento de Economia Agrícola do ministério, Wilson Vaz Araújo, reconhece que o desempenho inicial foi “tímido”. “Aprovamos o Programa ABC em junho de 2010, mas leva um tempo para que uma regulamentação nova chegue até as agências. Ele completinho só deve ter chegado onde precisava em outubro”, admite, chamando atenção para a substancial melhora nos resultados. “Entre julho do ano passado e abril de 2012 foram 3.200 operações e prevemos fechar o ano com algo entre R$ 1 bilhão e R$ 1,3 bilhão financiado. O que considero um desempenho satisfatório para um programa que está em seu segundo ano”, anima-se.
Embora sejam valores expressivos em termos absolutos, eles são uma parte minúscula de tudo o que o Brasil mobiliza no crédito rural. Nas contas da coordenadora do Programa de Finanças Sustentáveis do GVces, Roberta Simonetti, o plano agrícola disponibilizou R$ 107,2 bilhões para a safra 2011/2012 e acaba de lançar o plano 2012/2013, no valor de R$ 115,2 bilhões. “Os números do Programa ABC ainda são uma porção pequena do total e, além disso, sua utilização ficou aquém do esperado”, sintetiza.
Por certo o Programa ABC não é a única linha de crédito do governo federal na qual existem adicionalidades socioambientais. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), também é uma fonte importante de recursos. Segundo o diretor do Departamento de Financiamento e Proteção à Produção Agrícola, João Luiz Guadagnin, o ministério terá R$ 7,7 bilhões para financiar a safra 2012/2013 em propriedades da agricultura familiar. Pelo menos três linhas do Pronaf – Agroecologia, Eco e Floresta – são voltadas para a agricultura sustentável. “A demanda por essas linhas tem crescido”, pontua o técnico.
Questão De acesso – E não basta só colocar mais dinheiro à disposição. Muitas vezes mais complicado é fazer com que ele chegue de fato aos agricultores. É o que diz a pesquisadora do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), Laura Antoniazzi. “O acesso a esses recursos ainda é muito baixo, porque tanto bancos quanto produtores não conhecem direito as regras desses financiamentos. A questão central é capacitar”, explica.
Não se trata de uma mudança pequena nas práticas bancárias. Tradicionalmente tudo o que um banco precisa saber para decidir se vai financiar ou não um negócio é se este consegue gerar caixa o bastante para saldar o empréstimo. No caso das linhas de financiamento ligadas ao ABC, isso já não basta. “É preciso ampliar a análise dos bancos para incluir os riscos e benefícios ambientais dos projetos. Isso é um desafio enorme, pois pressupõe transformá-los em índices quantificáveis”, elabora Laura.
Embora certamente seja um fator relevante, ele não é o único gargalo apontado pelo estudo Como avançar no financiamento para uma economia de baixo carbono no Brasil [1]. Recém-finalizado pelo GVces, sob coordenação de Roberta Simonetti, o trabalho mostra que o crescimento do crédito para as práticas do Programa ABC tem esbarrado em outros dois entraves: a falta de uma carteira de garantias e o maior custo operacional desses empréstimos. “Nos financiamentos convencionais, a garantia é a safra ou as máquinas. Já o ABC pode envolver atividades diversificadas, como integração lavoura-pecuária-floresta, o que complica desenhar um portfólio de garantias. Outro elemento é que a fiscalização desses projetos precisa ser mais sofisticada, o que aumenta o custo operacional dos bancos”, resume o engenheiro José Carlos Pedreira de Freitas, que, como sócio da consultoria especializada em agronegócios Hecta, colaborou com o estudo do setor agropecuário.
Coisa de ambientalista – Vale lembrar que o conceito do ABC ainda é novo e que o setor agropecuário não é exatamente conhecido por sua disposição às mudanças. “A comunicação tem falhado. Na média, o produtor rural não tem a menor ideia do que seja esse ‘troço’. Eles ainda acham que o ABC é coisa de ambientalista da cidade e que isso só vai trazer mais custo e burocracia para ele”, prossegue Pedreira. O que não quer dizer que a desconfiança dos agricultores não possa ser quebrada com o marketing certo. “O plantio direto também enfrentou enorme resistência até recentemente. De dez anos para cá houve um verdadeiro salto”, completa.
Laura Antoniazzi, do Icone, toca num ponto ainda maltratado nos debates sobre agricultura sustentável: faltam linhas de financiamento que “premiem” com melhores condições de pagamento quem adota práticas ambientais além do que a lei determina. “Muitos produtores reclamam que só recebem punições, mas que não existem incentivos quando eles fazem mais”, provoca.

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