terça-feira, 25 de setembro de 2012

Comissão da Verdade institui grupo para investigar Operação Condor


Comissão da Verdade institui grupo para investigar Operação Condor

Considerada a maior ação de terrorismo de estado da América Latina, a Operação Condor custou a vida de um número ainda não confirmado de militantes de esquerda. Entre as vítimas brasileiras sequestradas, torturadas, mortas ou desaparecidas estão o coronel Jefferson Cardim, o jornalista Edmur Péricles, o pianista Francisco Tenório, a estudante Jane Vanini, dentre muitas outras.

Brasília - Resolução da Comissão Nacional da Verdade (CNV), publicada na edição desta terça (25) do Diário Oficial da União (DOU), institui um grupo de trabalho para investigar as articulações entre os serviços de informação e contrainformação latinoamericanos. Em especial a Operação Condor, a aliança político-militar entre as ditaduras do Cone Sul, que custou a vida de um número ainda não confirmado de militantes de esquerda. Inclusive vários brasileiros que deixaram o país para escapar da repressão, mas acabaram presos ilegalmente em território estrangeiro.

Apontada como a maior operação de terrorismo de Estado já praticada na América Latina, a Condor envolveu as ditaduras de Chile, Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Brasil que, mesmo não tendo assinado a ata de fundação, participou da primeira reunião oficial do grupo, realizada em Santiago do Chile, em 1975. Antes disso, o país já articulava operações bilaterais, principalmente com o Uruguai e a Argentina, que custaram a vida de vários brasileiros e são consideradas pelos historiadores como embriões da Condor. 

A mais emblemática delas foi a que resultou na prisão do coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório, líder da primeira rebelião contra o golpe de 1964, a Guerrilha de Três Passos (RS), ocorrida um ano depois. Ele foi preso em março de 1965, na companhia de 17 guerrilheiros que estavam sob seu comando. Conseguiu fugir da prisão e se exilar no Uruguai. Entretanto, em 1971, quando tentava cruzar a fronteira com a Argentina, foi novamente preso, na companhia de seu filho e sobrinho, por militares daquele país. 

Cardim foi trazido de volta ao Brasil por um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), que aterrissou em Buenos Aires imediatamente após sua prisão, dispensando os processos convencionais de extradição. O jornalista Jarbas Marques, ex-preso político que dividiu a cela com Cardim por 7,5 anos, afirma que o sequestro do coronel no exterior foi tão comemorado pelos ditadores brasileiros que seu articulador, o embaixador do Brasil na Argentina, Azeredo da Silveira, foi presenteado com o cargo de ministro das Relações Exteriores do governo Geisel.

Militantes recambiados
Outra vítima da Operação Condor foi o do jornalista Edmur Péricles Camargo, militante do grupo Marx, Mao, Marighela e Guevara (M3G). Embora os registros oficiais da Comissão de Mortos e Desaparecidos apontem que ele foi visto pela última vez em 1973, quando tentava cruzar a fronteira da Argentina, documentos da ditadura já desclassificados, a que Carta Maior teve acesso no Arquivo Nacional, provam que ele foi preso dois anos antes, em 16 de junho de 1971, quando viajava em vôo de carreira do Chile para o Uruguai. A prisão de Edmur foi efetuada durante a escala do vôo em Buenos Aires. Na mesma noite, um jatinho da Força Aérea Brasileira o buscou no país vizinho. Ninguém jamais teve notícias suas.

Em 1973, outros dois brasileiros foram sequestrados em Buenos Aires. E pela ditadura brasileira. Um deles foi João Batista Rita, outro militante do M3G, preso em Santa Catarina, em 1970, e banido do país em 1971, na companhia de outros 69 presos políticos trocados pelo embaixador suíço sequestrado no Brasil. O outro era o major Joaquim Pires Cerveira, militante da Frente de Libertação Nacional (FLN). Preso duas vezes pela ditadura, foi banido do país em 1971, junto com outros 39 presos trocados pelo embaixador alemão.

Conforme informações do Grupo Tortura Nunca Mais, testemunhas afirmam que os dois foram presos em Buenos Aires em 11 de dezembro de 1973, por um grupo de homens armados, falando português e liderados por um homem, que segundo as descrições, seria o delegado Sérgio Fleury, que atuava no Dops de São Paulo. Ambos foram vistos pela última vez alguns dias depois, por outros presos políticos, no DOI-Codi do Rio de Janeiro, muito machucados e amarrados em posição fetal. 

Assassinatos não notificados
Além de recambiar irregularmente militantes presos em outros países, a articulação entre as ditaduras do Cone Sul possibilitava a ocultação das informações relativas a prisões, torturas, desaparecimentos forçados e assassinatos de cidadãos estrangeiros, cometidos pelas forças dos regimes repressivos dos países aliados. 

Com o início da ditadura argentina, o número de prisões de brasileiros se acentuou naquele país. E os desaparecimentos também. Uma das vítimas mais emblemáticas do período foi o pianista Francisco Tenório, que não tinha militância política. Ele foi preso em Buenos Aires, em 18 de março de 1976 , quando acompanhava Vinicius de Moraes e Toquinho em uma turnê. 

Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal autorizou a extradição, para a Argentina, do torturador Claudio Vallejos, preso no Brasil em janeiro do ano passado, que admitiu, em entrevista à imprensa, participação no sequestro de Tenório.

Pouco antes do sequestro do pianista, Sidney Fix Marques dos Santos também desapareceu em Buenos Aires, em 15 de fevereiro de 1976, quando agentes da Superintendência de Segurança Federal invadiram sua casa. Ele havia abandonado o curso de Geologia da USP para se dedicar à militância no Partido Operário Revolucionário Trotskista (Port). Proprietário e principal redator do jornal Frente Operária, viveu na clandestinidade desde o golpe de 1964 e, em 1972, se mudou para a Argentina, onde trabalhava como operador da IBM.

Outra vítima foi Maria Regina Marcondes Pinto. Ela deixou o Brasil com documentação regular, em 1969, quando foi viver em Paris, na companhia do seu companheiro, o sociólogo Emir Sader, já perseguido pela ditadura. De lá, os dois foram viver no Chile e, após a queda do ex-presidente Salvador Allende, mudaram-se para a Argentina. Em 10 de abril de 1976, ela foi se encontrar com Edgardo Enriquez, filho de um ex-ministro de Allende e ligado ao Movimiento de Izquierda Revolucionária (MIR). Nenhum dos dois nunca mais foi visto. Jornais europeus denunciaram que Maria Regina fora presa pela ditadura argentina e entregue à chilena, mas a informação jamais foi confirmada. 

Na mesma semana, a ditadura argentina efetuou a prisão do brasileiro Jorge Alberto Basso, militante do Partido Operário Comunista (POC). Ele se mudou para o Chile, em 1971, ingressando no curso de História da Universidade do Chile. Com o golpe, mudou-se para a Argentina. Foi preso no dia 15 de abril de 1976, em um hotel do centro de Buenos Aires, conforme relatório do Ministério da Marinha daquele país. A Comissão de Representação Externa para os Mortos e Desaparecidos Políticos da Câmara Federal, quando esteve em Buenos Aires, em junho de 1993, recebeu informações de que Jorge teria sido visto pela última vez na Penitenciária de Rawson. 

Walter Kenneth Nelson Fleury desapareceu em 9 de agosto de 1976. De acordo com uma carta entregue à Comissão de Representação Externa para o Esclarecimento dos Mortos e Desaparecidos da Argentina, ele teria sido visto, entre novembro e dezembro de 1976, na Brigada Guemes, prisão localizada na periferia de Buenos Aires.

Outro desaparecido foi o estudante do 2º ano de Engenharia da Universidade de Buenos Aires, Roberto Rascado Rodrigues, preso em fevereiro de 1977, quando seis homens trajados com uniformes militares invadiram sua casa. No relatório do Ministério da Marinha da Argentina consta apenas a seguinte nota: “sequestrado por seis elementos em Buenos Aires”.

Mesmo após o Brasil aprovar sua Lei da Anistia, a Operação Condor continuou fazendo vítimas brasileiras, sem que as autoridades do país tomassem quaisquer providências. Em 7 de fevereiro de 1980, o estudante Luiz Renato do Lago Faria, que cursava o 6° ano da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Buenos Aires, desapareceu na capital argentina. Seu último contato foi com outro brasileiro, Aldo Renzo Lorenzi. Depois da partida do ônibus em que este estava, Rodrigues foi visto entrando sozinho numa estação de metrô, visivelmente embriagado, conforme relatório do Serviço Nacional de Informação (SNI). 

Mortos e desaparecidos no Chile
Após o golpe que colocou fim ao governo socialista de Salvador Allende, em 11 setembro de 1973, vários brasileiros que vivam no Chile também foram presos, torturados, mortos e desaparecidos. Um deles foi Wânio José de Matos, levado para o Estádio Nacional, em Santiago, onde morreu um mês depois, por falta de tratamento médico. 

O professor universitário Luiz Carlos Almeida foi preso pela ditadura de Pinochet em 14 de setembro de 1973, em sua casa, em Santiago. Após ser torturado, foi levado a uma ponte sobre o rio Mapocho, onde foi fuzilado. Em 1993, o governo chileno assumiu sua responsabilidade pelo assassinato, concedendo a sua família uma pensão como forma de reparação.

O engenheiro Túlio Cardoso Quintiliano foi detido um dia após o golpe militar no Chile, com sua esposa. Ela foi liberada na mesma noite, mas Túlio foi encaminhado para o Regimento Tacna e nunca mais foi localizado. O governo chileno também assumiu a responsabilidade por sua morte. 

Morte emblemática também foi a de Nelson de Souza Kohl, militante do Partido Operário Comunista (POC), sequestrado pela força aérea chilena em 15 de setembro de 1973. De acordo com o Grupo Tortura Nunca Mais, a Comissão de Representação Externa da Câmara Federal para esclarecer os casos dos Mortos e Desaparecidos Políticos, encontrou seu atestado de óbito. Dizia que ele teria sido morto em confronto com a polícia, dois dias após sua prisão. O atestado foi assinado pelo médico Alfredo Vargas, diretor do Instituto Médico Legal de Santiago, o mesmo que atestou a morte de dezenas de pessoas no golpe de 1973, inclusive a de Allende.

Caso que causou muita comoção social foi o da estudante Jane Vanini, militante do Movimento de Libertação Popular (Molipo), que exilou-se no Chile, após ser condenada a cinco anos de prisão no Brasil por “atividades subversivas”. Desapareceu no final de 1974. Sua família, entretanto, só soube o que acontecera a ela em janeiro de 1994, quando recebeu uma carta do então secretário-executivo da “Corporación Nacional de Reparación y Reconciliación” do Chile, Anches Domingues Vial, contando que ela se escondera na casa dele por mais de um mês e, após fugir para Concepción, foi assassinada em 6 de dezembro de 1974. Em 2005, as autoridades chilenas localizaram os restos mortais de Janine em um cemitério clandestino chileno. 

Desaparecimento na Bolívia 
Há registro de um brasileiro morto pela ditadura boliviana: Luiz Renato Pires de Almeida. Preso pela ditadura brasileira pela sua atuação no movimento estudantil gaúcho, conseguiu fugir para Moscou, onde cursou a Universidade Patrice Lumumba. Na capital soviética, ligou-se ao grupo de estudantes sulamericanos que sonhavam com as ideias guevaristas da revolução na América. Entre eles, Oswaldo Chato Peredo, reorganizador do Exército de Libertação Nacional que empreendia a luta guerrilheira nas montanhas da Bolívia. Em outubro de 1970, nas regiões de Masapar e Haicura, a 300 km de La Paz, Luis Renato e outros companheiros foram mortos pelas tropas bolivianas, estando desaparecido até hoje.
Grupo de Trabalho da CNV

O grupo, presidido pela advogada Rosa Maria Cardoso da Cunha, membro da CNV, contará também com as colaborações da professora de história da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Heloisa Maria Murgel Starling, do jornalista Luiz Cláudio Cunha, autor do livro “Operação Condor: O Sequestro dos Uruguaios – Uma Reportagem dos Tempos da Ditadura”, e da assessora da CNV, Paula Rodrigues Ballesteros.

A CNV foi criada pela Lei 12528/2011 e instituída em maio de 2012. Ela tem por finalidade apurar graves violações de direitos humanos praticadas por agentes públicos, ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988.

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