quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Crianças devem dedicar mesmo tempo aos meios audiovisuais e aos escritos, dizem especialistas


Imersas na sociedade da informação, as novas gerações nascem com o DNA digital.

Rosario G. Gómez
25% das crianças de 8 a 12 anos têm celular e preferem ganhar de presente de Natal um<br> telefone celular a um brinquedo tradicional
25% das crianças de 8 a 12 anos têm celular e preferem ganhar de presente de Natal um telefone celular a um brinquedo tradicional
Chegam ao mundo não com o clássico pão embaixo do braço, mas com uma multitela. São capazes de usar as tabuletas eletrônicas mesmo antes de aprender a andar. Para muitas crianças, esses pequenos aparelhos já se transformaram no brinquedo favorito. O tablet vem a ser como os Jogos Reunidos Geyper do século 21. Com uma diferença quantitativa: enquanto os clássicos estojos de papelão ou madeira que causaram furor em meados do século passado continham no máximo 55 jogos, a App Store tem mais de 105 mil. Ancorada no imaginário coletivo de pais e avós, a marca Geyper desapareceu em 1987 em consequência de uma suspensão de pagamentos, e com ela se esfumaram os legendários passatempos de mesa. Agora começa o reinado dos telefones avançados e dos tablets.
Outro dos ícones da infância de milhões de espanhóis, os míticos Cadernos Rubio (com que as gerações analógicas aprenderam caligrafia) deram um salto para os tablets e os telefones inteligentes. A Universidade Pontifícia de Salamanca criou um aplicativo para que as crianças aprendam a ler e escrever mesmo sem lápis nem papel.
Mas o impacto do mundo online nos pequenos provoca controvérsias. Antón Álvarez, professor da Universidade Complutense, afirma que as crianças em geral são muito permeáveis e abertas à tecnologia. Distinguem bastante bem os suportes, mas para elas a televisão ou a Internet são simplesmente telas que diferem só no nível de interatividade.
"A televisão é passiva, enquanto com o celular podem interagir", diz Álvarez. A idade de iniciação para entender os conteúdos dos meios eletrônicos está diminuindo. "A partir dos 2 anos veem a televisão", diz o especialista. "Faz parte de seu cenário. E os meios digitais são utilizados desde a mais tenra infância."
A eclosão da tecnologia é inquestionável, como refletem as estatísticas: no mundo nascem a cada dia três vezes mais smartphones que bebês; 25% das crianças de 8 a 12 anos têm celular e preferem de presente de Natal um telefone inteligente a um brinquedo mais convencional.
Esses aparelhos são um instrumento habitual para uma de cada três crianças com mais de 13 anos. Todas essas estatísticas foram esmiuçadas na última edição de El Chupete, o festival internacional de comunicação infantil que este ano se dedicou à relação dos menores com o ambiente digital.
Na hora de estabelecer a relação com os dispositivos móveis, os especialistas afirmam que se devem aplicar os mesmos critérios que com a televisão: ligá-la em tempo parcial, vigiar os conteúdos que os menores veem e evitar que se transforme em uma babá impagável e paciente.
Yago Fandiño, subdiretor de conteúdos infantis da RTVE.es (site da Rádio e Televisão Espanhola), distingue claramente entre os meios audiovisuais e os digitais. "A Internet tem suas regras. Não tem faixas horárias, como ocorre na televisão, para as diversas faixas de idade", diz.
A televisão preservou um horário de proteção infantil (de 6 a 22 horas) no qual estão proibidos conteúdos que possam prejudicar o desenvolvimento físico, moral ou mental dos menores. E embora as redes abertas nem sempre o respeitem, o governo vigia para que não sejam transmitidas imagens violentas ou pornográficas nesses horários.
Os que não pisam na linha são os canais infantis como Clan TV. Também em seu site na web o cuidado é extremo. Fandiño sabe que as crianças são muito fiéis (os dados indicam que a edição online soma 1,9 milhão de usuários únicos por mês, cerca de 70% das crianças com acesso à Internet). E adiantadas. A partir dos 3 anos as crianças já navegam e há creches que têm computadores com acesso à Internet. "Algumas crianças de 1 ano já manipulam nos tablets o aplicativo do Clan", afirma.
Para os pequenos, são ambientes muito naturais. Só precisam tocar com o dedo. O diretor da RTVE.es vê no canal infantil um claro exemplo da convivência entre as mídias tradicionais e as digitais. Em 2009 a televisão pública lançou um site para concentrar os conteúdos. Hoje abriga 106 séries (49 delas em inglês) que somam 2.400 vídeos de livre acesso. As produtoras, em um gesto pouco frequente, aceitaram ceder os direitos. "Os conteúdos já estavam no YouTube, mas quisemos lhes dar um site para pais e filhos no qual se sentissem mais tranquilos", conta Fandiño. Por questões de direitos, essas séries só podem ser vistas na Espanha.
Mas à diferença da televisão, um meio de acesso universal que chega a praticamente 100% do território espanhol, a Internet tem uma implantação muito mais reduzida. De fato, um em cada três espanhóis nunca usou a rede. Essa estatística salta pelo ar quando se trata de quantificar os menores que têm acesso à Internet. Embora não sejam 100%, como adverte o antropólogo da Universidade de Extremadura Alfonso Vázquez. Sabendo que a digitalização é um fenômeno incontível, afirma que há cerca de 10% de crianças que estão fora do circuito dos chamados nativos digitais. "Alunos do secundário e do primário que nunca ligaram um computador nem navegaram", afirma.
O professor Vázquez realizou uma tese de doutorado com os dados das entrevistas com 500 jovens da comunidade de Extremadura. Sua conclusão é que as tecnologias serão a causa de exclusão laboral porque há pessoas que não sabem manipular ferramentas de busca. Os pais não são conscientes dessa necessidade. "Não viam o computador como algo interessante. Não os atraía e tampouco o associavam a uma questão econômica. Mas que um adolescente não esteja alfabetizado tecnologicamente pode ser um sério fator de exclusão, da mesma maneira que nos anos 1960 e 70 o era não saber ler e escrever."
Jorge Izquierdo é desses adolescentes ligados à mídia digital. Há um ano, com 14, começou a desenvolver aplicativos em seus momentos livres. No festival contou sua experiência, apesar de afirmar que não recebe muito apoio por parte do colégio e que os aplicativos não são feitos no recreio. Ele começou assim sua famosa Urlate: "Um dia estava chovendo e eu ia para o colégio. Havia um engarrafamento e pensei: 'o que essas pessoas dirão quando chegarem ao trabalho?' Para poder ter uma desculpa visual e que acreditassem nelas, pensei em desenhar o trajeto e o tempo com as chaves do engarrafamento". Apesar disso, ele reconhece que a parte mais difícil foi publicá-lo e enviá-lo para a Apple.
Outro dia, junto com um amigo, pensou em fazer uma agenda 2.0 para o colégio, na qual anotar os deveres, os horários das aulas, as notas. "Fiz um aplicativo como eu gostaria que fosse uma agenda escolar. Mas o colégio me disse para não usá-lo. É muito útil: encontra a média das notas, o notifica quando é preciso fazer os deveres e na véspera do exame lhe deseja boa sorte".
Também desenvolveu um aplicativo com as séries para que os fãs dos seriados saibam em que episódio estão. "Na programação encontrei minha paixão", confessa o jovem Izquierdo. "Gosto de fazer isso em meu tempo livre. Se todos encontrarmos nossa paixão, seremos pessoas melhores."
Queiramos ou não, a brecha digital existe. "Nem todo mundo é digital entre os adolescentes, e isso será algo determinante", insiste o professor Vázquez. Ele dá como exemplo sua terra: "Na Extremadura há muito espaço rural e agrícola. Queriam pôr ADSL em todas as localidades. Podem conscientizar, mas não for fácil para o usuário ainda resta muito por fazer."
Do ponto de vista pedagógico, os meios eletrônicos não são necessariamente uma panaceia. "Os conteúdos aprendidos com os meios digitais não ficam na memória como os tradicionais. São mais rápidos e visuais, mas duram menos na memória", aponta o professor.
Nessa linha, seu colega da Complutense salienta a diferença entre a formação baseada em texto ("como dizia McLuhan, o homem gutenberguiano") e as novas gerações ("o novo homem digital"). Tudo porque ninguém mais duvida de que a forma como se tem acesso ao conhecimento condiciona a forma de pensar. "Em um texto tudo é sequencial. Está ordenado, se distingue o que são as ideias principais e as subordinadas. Os que leem são pessoas com boa estrutura mental."
Diante deles, os nativos digitais têm uma formação centrada em como decodificam a informação. Nos meios de imagem tudo chega ao mesmo tempo e aparentemente sem estrutura, o que favorece a superficialidade, mas também aguça a necessidade de compreensão lógica. "Para os primeiros, é mais difícil mudar de opinião. Os segundos são mais maleáveis, menos rígidos em suas ideias, mas também mais fáceis de convencer", resume o professor Álvarez.
Por isso é importante que as crianças dediquem o mesmo tempo aos meios audiovisuais que aos escritos, dizem os especialistas.
Hoje aprendem a ler mais tarde (ganha força a teoria oficial de que não se deve forçar as crianças no aprendizado) e são mais atentas aos suportes gráficos. "Em longo prazo, os meios digitais atuam como estufas: ocorre uma maturação forçada de crianças ou adolescentes. São mais ressabiados e se retarda sua incorporação à sociedade real", diz Álvarez. "A eletrônica está cada vez mais acessível, e em épocas de crise os pais saem menos. A televisão é um lazer barato. Mas as tecnologias não são boas nem más; são lúdicas e absorventes. Em casos extremos, podem anular o mundo exterior."
Para os menores, representam grandes desafios. As tecnologias digitais não estimulam a sensação real de volume porque não transmitem de forma correta a representação em um espaço tridimensional. Por isso há psiquiatras que questionam se é um instrumento adequado para seu desenvolvimento intelectual.
Na escola sua utilidade não é posta em questão pelo músico e professor Javier Monteagudo, que destaca o papel dos tablets como motor de criação. O importante é como são utilizados. "É preciso ter critério e senso comum", diz. Monteagudo alerta sobre os riscos, e entre eles um dos mais perigosos é se colocar na vitrine e mostrar nas redes sociais aspectos que correspondem à intimidade. Por isso é necessário proteger a privacidade. Pode chegar a ser uma tábua de salvação. "Na hora de encontrar trabalho, verão nosso perfil digital e pode ser que não coincida com o real. É preciso ser o mesmo na vida física que na virtual", diz. De passagem, recomenda que se ensine aos menores a desconectar, a se esconder do “Big Brother”.
A receita? "É preciso ensinar as pessoas a se desconectar para conectar-se com as pessoas."
Crianças e tecnologia
- Tablets. Estão disponíveis no mercado oito tablets exclusivos para o público infantil. A maioria dos menores os usa para jogar (75%) e para fins educativos (57%), segundo as estimativas do último festival internacional de comunicação infantil.
- Telefones. Enquanto as crianças preferem o tablet, os jovens se inclinam pelo smartphone (telefone inteligente); 65% das crianças entre 8 e 18 anos têm celular; 38% das crianças com mais de 13 anos têm smartphone; 40% dos espanhóis entre 8 e 18 anos acessa a Internet pelo celular.
- Jogos. O tablet equivale aos Jogos Reunidos Geyper de meados do século passado. Mas em vez de 55 jogos, como os que continham as caixas dos famosos passatempos de mesa, abriga mais de 100 mil.
- Nativos digitais. A coordenação de olho-mão se desenvolve aos 9 meses e a mão-mouse aos 4. Aos 3 anos as crianças começam a usar o tablet, aos 11 obtém o primeiro telefone e aos 13 têm acesso ao smartphone.
- Segurança. Os pais dizem que se sentem mais seguros se seus filhos pequenos levam um celular; 86% dos progenitores orientam seus filhos sobre o uso responsável dos aparelhos.
- Redes sociais. Um em cada três menores utiliza aplicativos de redes sociais. Os adolescentes os usam para falar com os amigos (92%), comentar publicações (78%), jogar (57%) e compartilhar conteúdos (40%). Cerca de 425 milhões de usuários acessam o Facebook com o celular.
- Mensagens. Os adolescentes enviam em média 60 mensagens por dia.
- Internet. Os jovens demonstram pouca paciência e se sentem mais irritáveis e inquietos quando não têm o celular ou não podem se conectar à Internet, segundo o Observatório da Adolescência.

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