quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Negros se sentem discriminados no sistema de saúde nos Estados Unidos



A família sentada à minha frente está tensa. Tendo nos encontrado ao lado da cama de um paciente criticamente doente poucos momentos antes, reunimo-nos num quarto silencioso perto da unidade de tratamento intensivo para discutir o que só poderiam ser más notícias.

Joseph Sacco
O paciente – pai, filho, esposo de alguém – está morrendo. Como especialista em cuidados paliativos, devo explicar com clareza e empatia e incitar uma decisão bem informada sobre o que fazer em seguida.
Este encontro acontece depois de dias, semanas ou até mesmo meses de uma terrível angústia emocional e física; avalanches de confusão, informações e opiniões conflitantes; esperanças criadas e perdidas; e longas vigílias na área de espera das famílias. Agora, a opinião da UTI é de que a sobrevivência não é mais uma opção, e eu compartilho dessa opinião.
Viver ou morrer não é a questão. A questão com a qual esta família se defronta é como o paciente morrerá: um pouco antes, com a quantidade adequada de morfina, cercado pelos entes queridos na unidade de doentes terminais, ou mais tarde, numa parte da UTI sempre iluminada e raramente em silêncio, com as costelas quebradas por uma ressuscitação bem intencionada, porém ineficaz.
Acrescente o seguinte: o paciente e a família são negros. E embora a cor não deva ser relevante neste momento, as pesquisas dizem outra coisa.
Os negros têm muito mais probabilidade do que os brancos de escolherem um cuidado agressivo e de recusar ordens para não ressuscitar. A escolha de até 30% para não ressuscitar é rara em qualquer comunidade negra, e a inscrição nos centros de tratamento de pacientes terminais também é baixa.
Os afro-americanos têm motivos para preferir um tratamento médico agressivo. Uma tradição de decisão compartilhada nas famílias e altas taxas de afiliação a religiões cristãs parecem favorecer esta escolha. Mas mais importante, é claro, é a demora e o efeito pernicioso da disparidade de cor na saúde e no tratamento de saúde.
Os negros sofrem com taxas mais altas de doenças crônicas e passíveis de prevenção, deficiência e morte prematura do que os brancos, e lutam para ter acesso a um cuidado decente. Diagnósticos equivocados, menos graves, e tratamento inferior são bastante comuns. Depois de anos de tratamento injusto, quem concordaria em receber menos cuidado, deixar de ressuscitar ou ir para um centro de doentes terminais quando a doença ataca ou piora?
A falta de confiança no sistema de saúde, e a crença entre os negros de que os médicos podem estar recusando tratamentos que salvam a vida simplesmente por causa da cor, foi demonstrada em muitos estudos. Eu sei de um homem negro idoso com câncer em estágio avançado que foi questionado sobre ressuscitação e tratamento paliativo por um médico. “Você pergunta isso para todos os seus pacientes?”, ele respondeu.
O comediante Dick Gregory colocou dessa forma: “então agora eles querem que nós fiquemos confortáveis com a morte?”
É claro que é sábio levar em conta os efeitos da religião, da família e do resto sobre o processo de tomada de decisão médica. Mas é mais sábio ainda não deixar que isso se torne outra forma de racismo. Mesmo que os negros em geral prefiram um tratamento mais agressivo, descobri que o paciente sentado à minha frente está quase sempre disposto a me ouvir.
Dana Carr, doutoranda do New York Medical College, Dr. Deborah Viola, professora associada lá; e eu decidimos estudar esta questão mais objetivamente. Revisamos as ordens para não ressuscitação de 1.113 pacientes negros gravemente enfermos vistos ao longo de um período de seis anos no serviço de consulta para medicina paliativa no Centro Hospitalar Bronx-Lebanon, pioneiro em fornecer cuidados paliativos para populações minoritárias.
Pacientes graves e terminais e suas famílias foram aconselhados sobre as doenças, opções de tratamento e cuidados paliativos. As consequências de recusar a não-ressuscitação e escolher a massagem cardíaca quando a respiração e o pulso param também foram esclarecidas. Para pessoas com estágios avançados de doenças cardíacas, pulmonares e hepáticas, demência ou câncer terminal, a sobrevivência a curto prazo está abaixo dos 10%. A sobrevivência à alta hospitalar – em coma, com costelas quebradas, várias paradas cardiorrespiratórias – aproxima-se de zero.
Nossas descobertas, publicadas em 9 de julho na The American Journal of Hospice and Palliative Medicine, mudam as visões convencionais das preferências de cuidado entre os negros. Sessenta e cinco por cento dos pacientes negros que receberam consultas sobre cuidados paliativos escolheram a não-ressuscitação, e 32% escolheram cuidados paliativos – taxas significativamente mais altas do que as demonstradas anteriormente.
O que fez a diferença? Fornecer informações úteis e bem explicadas para os pacientes e famílias, com compaixão e clareza, permitindo que eles fizessem escolhas e mantivessem seus desejos e crenças. Informações da família, membros da igreja e da paróquia foram bem recebidas, e a preocupação com a disparidade foi discutida abertamente. Essas trocas, cuidadosas, honestas e conscientes da cultura, são exceção na moderna medicina norte-americana. Forneçam-nas a todos, eu acredito, e o senso comum mudará.
A suspeita evidente nos ombros tensionados das pessoas que eu chamo para o quarto ao lado da UTI se dissipa notavelmente rápido com apenas um pouco de empatia, verdade e uma alternativa racional e competente para um tratamento que costuma ser duro e sem benefícios. E, caso o cuidado intensivo seja escolhido, aqueles que o fornecem podem ter certeza de que a decisão foi bem informada.
Faça isso, e a cor da pele – praticamente – torna-se irrelevante.
(*) Dr. Joseph Sacco é diretor do serviço de consultas em medicina paliativa e da unidade de internação de pacientes terminais no Centro Hospitalar Bronx-Lebanon
Tradutor: Eloise De Vylder

Nenhum comentário:

Postar um comentário