segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Desafios ou oportunidades do sertão do Ceará?



Por José Ultímio Junqueira Junior - postado em 13/09/2012

Embora tenha escutado Luiz Gonzaga desde que me conheço por gente, foi somente no início de 2006 após solicitação do empresário Luiz Prata Girão para uma consultoria na Betânia e na Fazenda Flor da Serra na chapada do Apodi no Ceará, que realmente comecei a compreender e apreciar a profundidade das letras do velho “Lua”, que tão bem expressam os sentimentos do povo do sertão e as relações que este tem com a terra, o clima, as plantas, os bichos e suas criações na caatinga.

Durante os anos de 2006 e 2007, fiz diversas incursões ao Ceará, primeiro como consultor e depois como arrendatário de uma “vacaria” e um pivô central do próprio Luizinho Girão, como ele é carinhosamente conhecido.

No final de 2007, Luizinho optou por encerrar prematuramente nosso contrato de arrendamento e sem terras ou animais para produzir, fiquei dois anos amargando uma saudade danada do Ceará...

Voltei com dois amigos clientes no final de 2009 com o apoio da ADECE (agencia de desenvolvimento do estado do Ceará) para que conhecessem as condições de produção de leite na região do médio Jaguaribe. Depois de várias idas e vindas, em 2010 acabamos escolhendo e comprando uma propriedade no perímetro de Irrigação Tabuleiro de Russas, montamos a Agropecuária Vale do Castanhão em Limoeiro do Norte, onde desde então, estamos estruturando nosso sistema de produção de leite.

Neste espaço do Milkpoint pretendo dividir com os leitores algumas impressões e experiências de um agrônomo paulista que resolveu assumir o desafio e a oportunidade de ser produtor de leite no semiárido irrigável do Ceará.

Desde já, conto com a compreensão e a contribuição dos companheiros produtores e dos colegas técnicos, para fazermos dessa coluna, um espaço fecundo e favorável à troca de ideias.

Voltando a musica de Luiz Gonzaga:

“A vida aqui só é ruim quando não chove no chão,
Mas se chover dá de tudo... Fartura tem de porção.
Tomara que chova logo. Tomara meu Deus tomara...”

Por causa da fertilidade do solo e da adaptação de uma infinidade de plantas forrageiras de ciclo curto ao incerto e restrito período de chuvas, a diferença do verão (época de seca) para o inverno (época que chove) é tão grande e a mudança é tão abrupta, que o sertanejo sentindo-se completamente diminuído em relação ao contraste, aprende cedo a rezar e a encarnar essa gangorra de fartura e escassez como parte dos desígnios divinos.

seca no vale do Jaguaribe
Vale do Jaguaribe no Inverno

É interessante notar a forma com que um povo se relaciona com suas vacas, pois essa é também uma importante expressão de cultura e de adaptação ao ambiente. No caso do sertão tradicional espera-se que a vaca também consiga “escapar o verão” como se diz por aqui.

“Enquanto a minha vaquinha, tiver o couro e o osso
E puder com o chocalho, amarrado no pescoço
Vou ficando por aqui... Que Deus do céu me ajude
Quem foge a terra natal em outros cantos não para...”

O homem do sertão tem esperança e confia porque já viu antes: Assim que começar a chover a vaca vai ficar “rolando de gorda” novamente.

novilha pastando leguminosas nativas

Nos anos de inverno bom aquilo que se produz de grãos em um curto espaço de tempo, sem nenhum tipo de técnica ou adubação, na grande maioria das vezes, é suficiente para o sustento da família para o ano inteiro.

Os açudes enchem rapidamente e o gado (se a lotação for controlada) se mantém gordo e produtivo por um longo período comendo gramíneas e uma grande variedade de leguminosas tenras.

Posteriormente, quando as chuvas param e a seca começa a se estabelecer os animais comem uma espécie de feno natural das folhas e vagens caídas de várias leguminosas arbóreas. A dieta fica ainda mais completa com gramíneas das vazantes, que crescem nas margens à medida que os açudes começam a secar novamente.

Em anos de inverno mais fraco e com frustração de safra, as dificuldades aparecem no segundo semestre nos chamados “be erre o brós” (setembro, outubro, novembro e dezembro). Com umidade relativa muito baixa, muito vento, pouquíssimas nuvens e sol equatorial escaldante, a evapotranspiração é elevadíssima e tudo seca muito rapidamente.

estrada na caatinga

Essa foi e continua sendo a condição natural de grande parte do sertão nordestino que se agrava tremendamente em anos como este de 2012, em que não houve inverno. Certamente voltaremos a ver reportagens dramáticas sobre a seca e a morte de animais até que volte a chover sabe lá Deus quando...

Entretanto, o Brasil mudou muito nos últimos 15 ou 20 anos e essa mudança talvez tenha sido, ainda maior no Nordeste. Os enormes investimentos dos governos estaduais e do próprio governo federal na construção de grandes reservatórios, universalização da eletrificação rural, perenização de rios e construção de extensos canais de infraestrutura para irrigação (e não cabe aqui análise sobre a existência ou não de desvios) aliados a uma queda vertiginosa dos índices de analfabetismo de crianças e jovens, mudaram significativamente as perspectivas da produção agrícola e da vida no sertão.

canal de irrigação
milhopastejo repasse

É esse novo sertão que me atraiu e tem chamado atenção de muita gente que tentarei compartilhar nas próximas publicações... até lá !

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