terça-feira, 18 de setembro de 2012

'Racismo continua em todos os EUA', diz jovem que desafiou leis de segregação


Hoje aos 70 anos, Franklin McCain pediu para ser atendido em um restaurante nos anos 60; ele se emociona com Obama

DENISE CHRISPIM MARIN
Quando o presidente Barack Obama discursar na noite desta quinta-feira, 6, no palco da convenção democrata, Franklin McCain verá de perto um sonho realizado. Um ano antes de o primeiro presidente negro dos EUA nascer, o então estudante de química sentou-se com três amigos em uma lanchonete para brancos na cidade de Greensboro, na Carolina do Norte, e pediu para ser atendido. A afronta às leis de segregação mobilizou os EUA e fez de McCain ícone da luta pela igualdade de direitos.
McCain, em 1961, com outros 3 negros, exigiu ser atendido num restaurante da Carolina do Norte - Examiner.com
McCain, em 1961, com outros 3 negros, exigiu ser atendido num restaurante da Carolina do Norte
Aos 70 anos, ex-executivo de uma multinacional farmacêutica, ele vive na mesma Charlotte onde, hoje, Obama aceitará formalmente a candidatura à reeleição. Conseguiu o ingresso para assistir ao presidente - que conheceu pessoalmente na campanha de 2008 - graças à intervenção de uma sobrinha, deputada estadual na Flórida. "Quando saiu o resultado da eleição (da vitória de Obama), fiquei estático. Eu não consegui ir a nenhuma festa de celebração de tão emocionado que estava", disse. A seguir, trechos da conversa com o Estado.
Estado: Como quatro estudantes em 1960, em Greensboro, tornaram-se ícones do movimento pelos direitos humanos nos EUA?
Franklin McCain: Discutia toda noite com esses três rapazes, na universidade, sobre o pensamento cristão, a democracia e, juntos, criticávamos nossos pais por aceitarem o sistema de discriminação e segregação. Fazia parte da quinta geração desde os tempos da escravidão. Em 31 de janeiro, em uma dessas conversas, concluíamos que éramos umas fraudes e nos sentimos culpados por isso. Decidimos agir em um lugar onde as pessoas eram tratadas de acordo com a raça. Nas lojas Woolworth de Nova York, um negro podia comprar qualquer coisa e tomar um lanche no balcão. Na filial do sul, não se podia sentar no restaurante, mesmo depois de fazer compras. Esse era o lugar.
Estado: Como aconteceu?
Franklin McCain: Fomos a Woolworth no final da tarde de 1.º de fevereiro. Sabíamos que não seríamos atendidos. Havia muita gente no restaurante. Compramos material de escola, nos sentamos ao balcão e pedimos coca-cola, café e torta. Fez-se um silêncio de missa. 'Por que não querem nos servir? Não há lei que nos impeça', dissemos à garçonete, que era branca. Uma funcionária negra veio e nos falou: 'São pessoas como vocês que nos causam problemas. Vão lá para baixo, se querem comer'. Ficamos mais bravos com essa mulher do que com a garçonete. Mas não saímos. Chegou, então, um policial enfurecido, mas que não sabia o que fazer porque não havíamos quebrado nenhuma lei. Ele batia o cassetete na própria mão, atrás de nós, e estava perturbado. Eu pensei que minha cabeça seria esmagada.
Estado: Ninguém os apoiou?
Franklin McCain: Uma senhora branca não tirava os olhos de mim. Concluí logo que ela estava enfurecida por eu ter me sentado no lugar dela. Então, ela se aproximou e pôs uma das mãos sobre o meu ombro e a outro no do meu amigo. Pensei que tiraria uma tesoura e nos mataria. 'Meninos, estou orgulhosa de vocês. Eu só gostaria que tivessem feito isso há dez anos', disse ela. Foi um alívio. Das ruas, pessoas brancas e negras vieram nos ver ali sentados. A loja foi fechada antes do horário e nós saímos porque, do contrário, seríamos presos por ocupação indevida.
Estado: O movimento foi reproduzido no país. Não tiveram medo?
Franklin McCain: A Câmara de Vereadores pediu ao presidente da universidade para nos manter dentro do câmpus. Ele respondeu que estávamos lá para aprender a pensar e que nada faria. Quando decidimos agir, naquela noite de janeiro, sabia que minha vida de estudante estaria acabada, que eu poderia passar anos na cadeia e até voltar para casa em um caixão. Mas a minha raiva era maior do que o medo. Nunca senti uma sensação de liberdade e de paz como aquela, no balcão da Woolworth.
Estado: Não sofreram ameaças?
Franklin McCain: A Ku Klux Klan veio atrás de nós no câmpus, com armas. Mas não nos pegaram. Recebemos cartas e telefonemas com ameaças. As pessoas passavam por nós e nos queimavam com cigarro, pisavam nos nossos pés e até cuspiam no rosto.
Estado: O que significou a eleição de Obama?
Franklin McCain: O presidente havia me convidado para almoçar durante a campanha (de 2008) e pudemos conversar. Quando saiu o resultado da eleição, fiquei estático. Não consegui a ir a nenhuma festa de tão emocionado que estava. Mas, agora, acho que ele vencerá por uma margem pequena. Muita gente branca que votou nele em 2008 já se sente com a consciência em paz, pode voltar a sua zona de conforto e não vai reelegê-lo.
Estado: Como é o racismo hoje no sul dos EUA?
Franklin McCain: Os negros agora têm esperança porque há um sistema que funciona contra a discriminação. Mas o racismo está ainda totalmente presente. Vejo o racismo todo o tempo e em todo o país. Tivemos muita mudança a partir do governo de Lyndon Johnson (1963-1969). Mas Ronald Reagan (1981-1989) fez um desserviço. Ao não fazer nada nesse sentido, George W. Bush abriu a porta para a discriminação. Agora, o racismo está presente em cada crítica de Mitt Romney à assistência social do governo. Isso é um código, que nós entendemos.

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