sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Rio sofre com a "paulistização" do trânsito


Rio sofre com a "paulistização" do trânsito

A sinuosidade de caminhos entre lagoas, rios e montanhas da capital fluminense prejudica a construção de grandes vias e a constituição de um sistema de metrô abrangente. Espremida entre o mar e a montanha, os 1.182 km2 da cidade abrigavam em 2011 quase 6,4 milhões de moradores e algo em torno de 2,4 milhões de carros, segundo dados do IBGE e do Detran-RJ. Mas especialistas em trânsito criticam a falta de planejamento do poder público para o setor.

Rio de Janeiro - O maior problema no trânsito da cidade do Rio de Janeiro nos últimos três anos é o congestionamento a qualquer hora do dia. Se antes o motorista tinha ciência de que um trajeto levaria mais tempo para ser vencido nos horários do rush matinal ou noturno, atualmente em qualquer período do dia ele gastará mais tempo que o previsto para chegar a algum ponto da cidade.

“Moro no Grajaú e trabalho na praça Mauá. Meu horário de entrada é às 16 horas. Antigamente saía de casa de 30 a 35 minutos antes e chegava bem. Agora, é todo dia uma hora até chegar ao trabalho, que não é tão longe da minha casa. O trânsito do Rio está ficando igual ao de São Paulo, é engarrafamento durante todo o trajeto”, diz o analista de sistemas Vinicius Coelho.

O filho bastardo do maior poder de consumo do brasileiro nos últimos dez anos e dos incentivos fiscais para a indústria automotiva nos últimos três, além do aumento da população e da falta de reforma agrária no país, é a multiplicação dos automóveis nas ruas das cidades. Como, por mais que possam se expandir, elas têm limites geográficos, é fácil para a filha de cinco anos de Vinicius desenhar o especialista em computadores suando, enclausurado dentro de um carro, na tarefa escolar “a vida de papai”.

A ficção da filha de Vinicius é fruto da realidade testemunhada por um dos maiores especialistas de trânsito do Rio, o repórter aéreo Genílson Araújo, que há quase duas décadas faz voos diários para decifrar o “Pac-man automobilístico” aos ouvintes de diferentes estações. “Hoje em dia você vê uma coisa interessante, cada bairro tem o seu próprio congestionamento. Locomover-se entre os bairros é complicado no Rio, e se locomover no interior desses bairros também se tornou uma coisa infernal”, diz ele à Carta Maior.

Genílson aponta outra consequência do aumento do número de veículos trafegando. “Há também a falta de opções para estacionamento. Onde as pessoas vão guardar esse número enorme de carros? Será que todo prédio tem garagem? Tanto é verdade que um negócio da China hoje no Rio é estacionamento. Hoje em dia, se você for ao centro da cidade se gasta mais com o estacionamento do que com o combustível que você usou para se deslocar”, diz, referindo-se ao novo item da lista de queixas de motoristas. Nos estacionamentos privados, não raramente a tarifa horária começa em torno dos R$ 20, chegando à casa da centena caso o motorista guarde seu carro por uma tarde em um desses locais.

Sem planejamento
A situação do trânsito carioca é agravada pela singular geografia da cidade. Espremida entre o mar e a montanha, os 1.182 km2 da cidade abrigavam em 2011 quase 6,4 milhões de moradores e algo em torno de 2,4 milhões de carros, segundo dados da prefeitura, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-RJ).

A sinuosidade de caminhos entre lagoas, rios e montanhas prejudica a construção de grandes vias. Para se fazer um sistema de metrô abrangente, é preciso transpor as dificuldades que esses acidentes naturais impõem. Ainda assim, especialistas em trânsito, como o engenheiro Fernando MacDowell, criticam a falta de planejamento do poder público na questão. “É preciso partir para uma política de transportes com visão sistêmica. Não podemos deixar de fazer vias. É preciso melhorar vias e melhorar o metrô. O Rio não faz um investimento importante de vias há anos. A última foi a Linha Amarela [ligação entre as zonas Norte e Oeste da cidade], em 1998”, afirma.

O engenheiro identifica, ainda, retrocessos e lentidão nas intervenções de melhoria no trânsito. “Transporte público você não faz da noite para o dia. Tem de se estabelecer uma política, um plano, e os governos o seguirem. Isso existia até algum tempo atrás. O que não dá é a Linha Vermelha [ligação entre a zona portuária e outros municípios fluminenses] levar 25 anos para aparecer e o metrô 20 anos para poder funcionar adequadamente. Enquanto isso, a cidade está crescendo e os automóveis chegando. Na verdade, o necessário é um planejamento objetivo”, cobra.

Avaliações
A prefeitura contra-ataca e divulga em seus canais oficiais a construção da Transolímpica – estrada interligando vários bairros da zona Oeste, aonde acontecerá grande parte das competições olímpicas de 2016 – e a implantação dos bilhetes únicos, em parceria com o governo estadual, e dos corredores expressos de ônibus BRT (Bus Rapid Transit, inexplicavelmente batizado em inglês) para o transporte público concedido à iniciativa privada.

Se a prefeitura e os concessionários quase vitalícios alardeiam os planos e obras como melhoras testadas e comprovadas, os usuários julgam. “Muitas vezes não dá tempo! Contando o tempo que se leva entre passar o bilhete na primeira roleta, o engarrafamento e a espera para o outro ônibus, já era”, protesta, fazendo referência ao Bilhete Único, o garçom Carlos Alberto Brasil, que mora na cidade de Duque de Caxias e trabalha no bairro carioca de Botafogo. Pelas regras do tíquete, o usuário paga R$ 4,95 e pode fazer duas viagens, inclusive em um ônibus intermunicipal, dentro do período de duas horas e meia.

Quanto ao sistema BRT as queixas são menores. Com duas faixas seletivas e número menor e mais espaçado de paradas, os ônibus cumprem o trajeto em menor tempo, mas muitas vezes obrigam o passageiro a percorrer a pé grandes distâncias até a parada específica de seu ônibus.

Avenida Brasil real
Outro obstáculo aos motoristas, e ainda no contexto das melhorias que a prefeitura propagandeia para as olimpíadas de 2016, são as obras que interditam grande parte da zona portuária da cidade. A região que se estende do centro da cidade ao início da avenida Brasil sofre uma grande remodelação, inclusive com planos de demolição de um viaduto de 5,5 quilômetros, e tem várias de suas ruas fechadas. Assim, os motoristas já enfrentam uma espécie de preliminar de engarrafamento antes de entrarem na mais importante via expressa da cidade.

Cortando 27 bairros em seus 58 quilômetros de extensão, a avenida Brasil, atual alvo da glamorização dos folhetins televisivos das organizações Globo, faz parte do caminho diário de mais de meio milhão de cidadãos e continua a campeã dos congestionamentos no Rio. Segundo pesquisa da própria prefeitura, em 2010, um morador da zona Oeste que trabalhava no Centro perdia cerca de cinco horas por dia em seus engarrafamentos.

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