terça-feira, 23 de outubro de 2012

A difícil batalha da Comissão da Verdade do Rio


O Rio de Janeiro foi o primeiro estado a propor uma Comissão da Verdade em âmbito local para trabalhar em parceria com a Comissão da Verdade nacional. Porém, da proposta até a aprovação de seu projeto no último dia 17 foi um longo caminho, com mais de sete idas e vindas do texto ao plenário da Assembleia. Em entrevista à Carta Maior, o deputado Gilberto Palmares (PT) diz que essa demora “é um demonstrativo que no Rio de Janeiro a direita mais conservadora, a direita saudosa da ditadura e seus aliados, ainda têm uma expressão muito grande".

Rio de Janeiro - De acordo com o deputado estadual Gilberto Palmares (PT), o Rio de Janeiro foi o primeiro estado a propor uma comissão da verdade em âmbito local para trabalhar em parceria com a Comissão da Verdade nacional. Porém, da proposta até a aprovação de seu projeto no último dia 17 foi um longo caminho, com mais de sete idas e vindas do texto ao plenário da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) até o placar final de 49 a 2 (Flávio Bolsonaro (PP) e Édino Fonseca (PEN)). Em entrevista à Carta Maior, Palmares diz que essa demora “é um demonstrativo que no estado do Rio de Janeiro a direita mais conservadora, a direita saudosa da ditadura e seus aliados, ainda têm uma expressão muito grande”.

Passada a aprovação do projeto, e mesmo escaldado com o peso revelado pela direita durante o trâmite, o deputado afirma não trabalhar com a hipótese do governador Sérgio Cabral Filho (PMDB) não sancioná-lo. E espera que até o final do ano os moradores do Rio de Janeiro conheçam os nomes dos seus representantes na comissão da verdade local, que assim como a nacional será formada por membros da sociedade civil.

Palmares vê na autonomia que o projeto dá à comissão os ingredientes para que familiares e setores onde perseguidos atuaram sejam ouvidos e ajudem a “descobrir o paradeiro, para onde foram os restos mortais de diversos desaparecidos políticos”. 

CARTA MAIOR - Por que o Rio de Janeiro, que foi um dos principais centros de repressão e tortura, demorou tanto a instalar uma comissão da verdade estadual? 

GILBERTO PALMARES – Nós cumprimos o nosso papel. Eu redigi o projeto, convidei três deputados de partidos diferentes para ser uma questão pluripartidária, não parecer que é uma questão só do PT, e o primeiro projeto para uma comissão da verdade apresentado em uma assembleia legislativa no país foi o apresentado aqui no Rio de Janeiro.

Agora, infelizmente, isto é um demonstrativo que no estado do Rio de Janeiro a direita mais conservadora, a direita saudosa da ditadura e seus aliados, ainda têm uma expressão muito grande. É ledo engano achar que esse pessoal está super isolado e não tem representação. Eles revelaram peso, expressão na assembleia legislativa, porque durante quase um ano impediram essa questão ser votada. Então a minha explicação para isso é que a direita, os setores que são saudosos da ditadura, ainda têm um peso grande, um espaço grande em algumas instituições, inclusive aqui no Rio de Janeiro.

Agora o projeto irá para a sanção governamental. Caso o governador Sérgio Cabral não sancione significa adeus comissão da verdade estadual? Ele já fez alguma sinalização se irá sancionar ou não? Quando sai a decisão dele? 

Eu não trabalho com essa hipótese. Vários estados já tem a comissão da verdade funcionando. O governador, independente das pessoas que o apoiam, ou não, tem uma trajetória, inclusive foi presidente aqui da casa (Alerj), sabe que o estado do Rio de Janeiro foi uma das unidades da federação com o maior número de casos de pessoas desaparecidas políticas, vítimas da repressão na ditadura militar, um mapa de locais destinados à tortura e à repressão feito por uma série de entidades aponta 13 locais só aqui no estado do Rio de Janeiro. Então eu não trabalho com essa hipótese, para mim o governador vai sancionar o projeto dentro desses 15 dias de prazo a partir da votação.

Em princípio, a Comissão Nacional da Verdade tem um prazo de dois anos para entregar seu relatório e indicar desdobramentos. A comissão estadual também terá esse prazo? Como fazer para recuperar esse atraso de seis meses em relação à comissão nacional?

A partir da implantação da comissão ela terá dois anos para realizar os seus trabalhos. Nós vamos agora iniciar uma articulação para acelerar a sanção e a instalação da comissão para recuperar o tempo perdido. Quanto maior for o tempo de funcionamento da comissão estadual simultânea à comissão nacional, eu acho que maior será a eficácia do trabalho.

Então o nosso trabalho principal foi a aprovação aqui na Alerj, mas agora a gente não para não, começa a se articular para que em curto espaço de tempo ela seja instalada. O ideal é que ainda durante o ano de 2012 a população do Rio de Janeiro conhecesse as pessoas que vão integrar a comissão.

Serão quantas pessoas? Sociedade civil e demais órgãos representativos estarão presentes, como prevê o projeto, ao contrário de comissões estaduais em que apenas parlamentares são membros? 

Serão sete pessoas. E é exatamente isso, a comissão da verdade estadual será aberta. É parecido com a comissão nacional. Tem que ser pessoas de ilibada reputação. Pessoas com trajetória de militância na defesa dos direitos humanos. É isso que está na lei, é uma comissão com representação da sociedade. As outras são comissões das assembleias legislativas locais, formadas por deputados. As comissões do Rio Grande do Sul e de Pernambuco também têm essa participação da sociedade civil.

Já tem algum nome encaminhado?

Ainda não. Isso vai caber ao chefe do poder executivo, ou seja, ao governador, da mesma forma como nacionalmente coube à presidenta Dilma indicar, ouvindo as entidades da sociedade civil. Eu acho que todas as entidades da sociedade civil, o movimento sindical, que perdeu gente para a repressão; várias instituições que vem trabalhando essa questão, como o coletivo Mémoria, Verdade e Justiça, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Os órgãos que historicamente têm estado alinhado com esse debate têm toda a legitimidade para apresentar sugestões de nomes.

Quais pontos já estão rascunhados para a cooperação entre a comissão do Rio e a nacional, e com as comissões de outros estados?

Isso vai acontecer a partir da comissão instalada, mas a comissão nacional esteve reunida no Rio, nós tivemos contato com eles quando eles estiveram na OAB, e eles próprios disseram que estavam ansiosos para que começasse a funcionar a comissão do Rio. Eles próprios reconhecem que as versões estaduais da Comissão da Verdade são fundamentais para o sucesso do trabalho deles.

Então eu acho que a bola está nas mãos da sociedade civil do Rio de Janeiro e do governo do estado. Eu acho que instalada a comissão, o trabalho de cooperação vai ser imediato. Já tem saído notícias na imprensa da comissão da verdade nacional aproveitando informações e levantamentos da comissão da verdade estadual de São Paulo.

Já existe aqui no Rio um roteiro traçado para o início desse subsídio à comissão nacional? 

A gente não pode traçar esse roteiro. A comissão vai ter autonomia para trabalhar, autonomia até com relação ao estado. Eu tenho as minhas expectativas, mas a comissão é que vai decidir. Tem muita gente que é importante ser ouvida. Familiares, por exemplo. Você tem vários casos históricos de militantes aqui do Rio de Janeiro que foram presos e desapareceram aqui no estado. A família, por exemplo, do Fernando Santa Cruz, do Honestino Guimarães, então ouvir os familiares será fundamental. Ouvir lideranças sindicais de categorias que perderam gente, então já há um conjunto de ações, de setores, que na minha leitura será fundamental que a comissão ouça.

Agora, deixa eu te falar. Paralelo a essa luta, nós estamos levantando uma outra luta, porque já há trabalhos de pessoas que discutem a Comissão da Verdade que acham que além de levantar o paradeiro de pessoas que desapareceram ao longo da ditadura, é importante localizar aqueles espaços, aqueles prédios, que claramente foram utilizados fortemente para ações da repressão política, e fazer um tombamento histórico, para isso ficar para as próximas gerações.

Então, por exemplo, nós estamos iniciando um trabalho aqui na Alerj pedindo o tombamento por interesse histórico de alguns espaços. O complexo esportivo Caio Martins, em Niterói, que foi o lugar onde mais de 600 pessoas foram presas depois do golpe militar de 1964. O prédio da antiga Dops aqui na Rua da Relação, no Centro da cidade, nós vamos iniciar um trabalho também para o tombamento, para a preservação desse espaço, pela importância histórica que eles têm.

Dá para traçar objetivos da comissão estadual? Qual seria um resultado mínimo a ser alcançado? E o que aconteceria e qual seriam os desdobramentos em um cenário, digamos, sonhador? 

Eu acho que a comissão da verdade têm condições de ajudar a descobrir o paradeiro, para onde foram os restos mortais de diversos desaparecidos políticos. Porque têm pessoas que desapareceram! Você não sabe onde foram enterradas e tudo isso. Eu acho que com o acesso a documentos, ouvindo figuras que foram ligadas aos órgãos da repressão, ouvindo outros presos políticos que sobreviveram e que estão presentes no Rio de Janeiro, ela pode ajudar. Essa vai ser uma contribuição grande, auxiliar na descoberta do paradeiro de alguns desaparecidos. Aliás, essa é uma das questões que a comissão nacional da verdade está trabalhando.

A outra coisa é jogar luz. Trazer à tona, publicizar nomes de figuras de vários espaços, empresários, pessoas com espaços dentro de governo, pessoas que atuaram nos órgãos de segurança e que tenham participado diretamente, ou indiretamente, de atos que atentaram aos direitos humanos. É preciso que o Brasil conheça esses nomes. Em São Paulo a comissão da verdade estadual, junto com a comissão nacional, já está apurando nomes de empresários que ajudaram a financiar órgãos de repressão.

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