sábado, 27 de outubro de 2012

Cada coisa em seu lugar



É preciso mostrar ao aluno que escrever com atenção aos tópicos ajuda a preservar a unidade estrutural e temática dos textos

Revista Língua Portuguesa
À maneira de um quebra-cabeça, um bom texto deve primar pela ordem e pela sequência das partes para que soe claro e cumpra sua função de comunicar
A boa prosa deve apresentar ordem e progressão. Ordenar é garantir uma sequência em que se vá com clareza do primeiro ao último parágrafo. Para conseguir isso é preciso relacionar os componentes textuais de modo a assegurar a continuidade da forma e do conteúdo - se é que se pode, a rigor, separar esses dois planos linguísticos.
A continuidade formal, que se obtém basicamente por meio dos elementos coesivos, promove a coerência e tende a conferir unidade ao texto. Ela contudo não basta para torná-lo claro ao leitor. À exigência de uma rigorosa coesão associa-se a necessidade de uma boa arquitetura. O texto funciona quando sentenças e parágrafos estão dispostos numa ordem tal, que nada compromete a legibilidade. O que não se lê fácil está mal escrito.
Para tornar legível o texto é preciso rigor na construção das partes. Espera-se da sentença que seja completa (não são raros nas redações os fragmentos de frases). Do parágrafo, espera-se que tenha unidade, apresente-se suficientemente desenvolvido e se articule com o parágrafo seguinte de modo a promover a progressão.
A harmonização entre sentenças e parágrafos concorre para assegurar ao texto unidade temática. Atender a ela é fundamental para evitar o maior risco que o aluno pode correr: fugir ao tema e ter sua redação anulada. A melhor maneira de evitar isso é entender o que vêm a ser os tópicos e estruturar o texto de acordo com eles.
A importância da hierarquia nos textos
O que é um tópico? É o componente mais importante de uma sentença, de um parágrafo ou de todo o conjunto textual. Daí se falar em tópico sentencial, tópico frasal e tópico discursivo. Escrever de olho neles ajuda a hierarquizar os elementos do texto.
Tópico discursivo
Comecemos pelo último - o tópico discursivo. Ele indica o assunto e deve constar na introdução. A boa introdução é aquela em que se informa o leitor sobre aquilo de que se vai falar. Redações em que não se faz isso, ou se faz mal, tendem a apresentar problemas de unidade e se tornam um desafio maior para quem não tem experiência com a escrita.
A introdução falha em dois casos: ou quando constitui o que em linguagem jornalística se chama nariz de cera; ou quando representa uma resposta direta ao questionamento proposto nos textos de suporte. O nariz de cera é um preâmbulo que muitas vezes nada tem a ver com o tema (evitamos aqui discutir a diferença entre tema e assunto, irrelevante para o que nos interessa). Aparece ora como uma ponderação subjetiva, ora como uma digressão sobre o ser humano, os males do capitalismo, a difícil caminhada do homem na Terra etc. etc. Redigir isso é perda de tempo.
A resposta direta ocorre quando o aluno não se preocupa em introduzir o texto, iniciando-o pelo meio através de expressões como "de fato", "é verdade", "não há dúvida de que" etc. Isso contraria a velha máxima de Aristóteles, segundo a qual a introdução é o que não admite nada antes, e deixa o leitor sem saber de que trata a redação (é claro que os membros da banca sabem de que ela trata, mas um texto deve dar a qualquer leitor todas as informações necessárias para interpretá-lo).
Tópico sentencial
O tópico sentencial, como o nome diz, é a palavra ou expressão de que basicamente se fala numa sentença. Vê-se, pela definição, que ele coincide com o sujeito. A manutenção desse tópico em posição inicial ajuda a compor parágrafos claros, entre outras razões pela referência do verbo a um mesmo termo sintático. Na passagem abaixo não se observou esse princípio:
"A ONG Nova Vida trata a espiritualidade dos viciados com muita atenção, o que, segundo os jovens, os auxilia a enfrentar os desafios após a saída do centro. Além disso, frequentemente são oferecidas aos internos aulas a fim de que eles estejam preparados para o mercado de trabalho."
Seria mais fácil ler o trecho se o tópico "a ONG Nova Vida" continuasse como sujeito no início do segundo período. É dele, afinal de contas, que ainda se fala. No entanto o aluno preferiu apassivar a construção e dar como sujeito "aulas" ("aulas são oferecidas"). Por que não dizer que a ONG oferece aulas? Quebras como essa, comuns nas redações, geram falhas de continuidade e desnorteiam o leitor.
Tópico frasal
O tópico frasal, por fim, é a sentença (ou sentenças) em que se encontra a ideia principal do parágrafo. Geralmente também aparece no início e se constitui numa declaração a ser justificada, desenvolvida, amplificada.
Grande parte dos problemas de paragrafação decorre de um desenvolvimento insuficiente do tópico frasal. Ou de o aluno limitar o parágrafo a um período. Neste caso o tópico aparece como uma cabeça sem corpo, o que impede o texto de andar.
Articular bem o parágrafo é fundamental. Quando isso não ocorre, o texto não apresenta uma progressão coerente. É o caso destes parágrafos com que um aluno iniciou uma redação sobre a violência contra as mulheres, tendo como referência o caso Bruno:
"A violência contra as mulheres vem tomando grandes proporções no Brasil. Diariamente são registrados casos que aterrorizam o país e muitos deles adquirem grande repercussão na mídia. Um exemplo é o caso da modelo Elisa Samudio.
"O goleiro Bruno foi acusado do desaparecimento e suposto assassinato da sua ex-namorada Elisa Samudio, e no momento encontra-se preso como o principal suspeito do crime. Após procurar a juíza Ana Paula de Freitas com um pedido de proteção, declarando sofrer ameaças e agressões do goleiro, a modelo desapareceu."
Concatenação
Aí existem, na verdade, dois começos de redação. Um dos fatores que reforça a descontinuidade é a forma como o aluno se refere à ex-namorada do goleiro, que parece não ter ainda sido citada.
Haveria concatenação se "a modelo Elisa Samudio", representada por um pronome ou qualquer outro termo coesivo, iniciasse o segundo parágrafo. Isso permitiria inclusive uma melhor ordenação dos eventos, já que Elisa poderia aparecer também como sujeito do segundo período.
Eis o referido parágrafo redigido de outra forma:
"Ela foi supostamente assassinada pelo goleiro Bruno, que se encontra preso por ser também suspeito de haver-lhe escondido o corpo. Elisa desapareceu dias após ter procurado a juíza Ana Paula de Freitas com um pedido de proteção por sofrer ameaças e agressões do jogador."
Transformações como essa mostram que a manutenção do tópico concorre para dar clareza e unidade ao parágrafo.
Estratégias em sala de aula
1 Deve-se mostrar aos alunos que uma boa introdução facilita o desenvolvimento de todo o texto. Uma das formas de fazer isso é orientá-los a apresentar o assunto no parágrafo introdutório. Nos casos em que isso não ocorre, é preciso corrigir o problema. O parágrafo abaixo, por exemplo, apareceu numa redação sobre o bullying:
"Comumente os pais tornam-se vítimas dos próprios filhos. Muitas vezes, isso acontece porque alguns pais não colocam limites e respeito, deixando-os livres e impunes dos próprios atos. Crianças que foram educadas dessa forma se tornarão jovens desestruturados no futuro."
Nada aí prenuncia que o texto vai abordar o comportamento hostil e discriminatório conhecido como bullying. Uma boa estratégia, em casos como esse, é perguntar aos alunos que tema esse parágrafo poderia introduzir. Fizemos isso em forma de um pequeno teste, apresentando as seguintes opções:
I - inversão de papéis entre pais e filhos;
II - falta de limites na educação dos filhos;
III - falta de perspectiva dos jovens atuais.
A maioria dos alunos reconheceu que o parágrafo introduziria pertinentemente uma redação sobre o tema II.
2 Uma boa estratégia para melhorar a paragrafação é fazer o aluno desenvolver tópicos frasais por apresentação de razões, confronto/contraste, enumeração de detalhes etc. A maior parte dos livros de redação traz uma boa teoria, com exemplos, sobre o assunto.
3 Como a estruturação insuficiente de um parágrafo por vezes prejudica o entendimento do que vem depois, é importante levar o aluno a completar as ideias que faltam. Exemplo desse problema encontra-se na passagem abaixo:
"(...) Muitos vão dizer que se apaixonar é muito importante e que quando isso acontece não devemos estar para mais ninguém.
"Portanto, para um bom relacionamento tanto com a namorada quanto com os amigos, devemos saber equilibrar. Dessa forma não desgastaremos o namoro e não iremos esquecer as amizades."
O tema da redação era o comportamento de certas pessoas que, ao se apaixonarem, deixam de lado os amigos. Por não completar a contraposição sugerida por "muitos vão dizer", o aluno tornou incoerente o parágrafo conclusivo. Eis uma possível complementação, que daria clareza ao texto:
"Muitos vão dizer que se apaixonar é muito importante e que quando isso acontece não devemos estar para mais ninguém. No entanto, a vivência da paixão não deve nos impedir de ter outras relações, que são também importantes para o nosso equilíbrio afetivo e emocional."
4 O trabalho com as sentenças pode consistir em reestruturar frases fragmentadas e ligar o tópico sentencial (sujeito) ao predicado nos casos em que estejam separados por longas intercalações, como neste exemplo: "O descaso dos jovens com a alimentação, percebido sobretudo nas grandes cidades, onde o estresse mal permite que as pessoas se sentem para comer, vem provocado em muitos deles gastrites e úlceras."
A seguinte estruturação torna bem mais fácil a leitura:
"O descaso dos jovens com a alimentação vem provocando em muitos deles gastrites e úlceras. Percebe-se isto sobretudo nas grandes cidades, onde o estresse mal permite que as pessoas se sentem para comer."

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