quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Comércio da morte em tempos de crise


Em plena crise econômico-financeira, o governo da Espanha impulsiona a exportação de armas, estratégia que preocupa organizações da sociedade civil que alertam para a prevalência do interesse comercial sobre a lei e suas consequências sobre os direitos humanos.

Inés Benítez


"Quando pesam mais os critérios comerciais do que as regulamentações é que se vende armas a países onde são violados os direitos humanos e se alimentam conflitos no mundo", afirmou o codiretor do Instituto de Estudos sobre Conflitos e Ação Humanitária (IEACH), Jesús Núñez.

Em seu Artigo 8 a normativa espanhola sobre comércio exterior de armas estabelece que não serão autorizadas vendas quando houver indícios racionais de que estas poderão ser usadas em ações que perturbem a paz, a segurança e os direitos humanos nos países destinatários.

Núñez, economista e militar da reserva, disse à IPS que esta lei "não é cumprida" porque prevalecem os interesses econômicos do governo, ainda mais considerando que o Ministério da Defesa viu diminuir seu orçamento em 6% para 2013, com relação a este ano, e tem de enfrentar uma dívida milionária.

O Congresso, graças aos votos do governante e direitista Partido Popular (PP), aprovou em 20 de setembro crédito de US4 2,308 bilhões para pagar a dívida acumulada pela Defesa com os fornecedores privados de armas, que chega a US$ 35,794 bilhões, segundo dados oficiais.

Por seu lado, o Ministério da Economia e Competitividade informou que as exportações espanholas em materiais de defesa somaram no ano passado US$ 3,146 bilhões, 115% a mais do que em 2010.

Mais da metade dessas vendas tiveram como destino a Venezuela, seguida de Austrália, Noruega e, em menor medida, Colômbia, Israel, Marrocos e Paquistão, entre outros, diz o documento de "Estatísticas espanholas de exportação de material de defesa, de outro material e de produtos e tecnologias de duplo uso", do Ministério da Indústria, turismo e Comércio.

"Há uma relação clara entre o aumento de venda de armas e o aumento dos conflitos no mundo", disse à IPS o diretor da Associação Catalã para a Paz, Jordi Garrell, também coordenador da campanha Negócios Ocultos, impulsionada por movimentos sociais dessa comunidade autônoma para denunciar as relações em matéria de segurança militar e armamentista entre Espanha e Israel.

"São feitas operações que não seriam justificáveis desde a perspectiva da lei espanhola, pois é possível que produtos de defesa cheguem a destinos onde há risco de serem utilizados para cometer ou facilitar graves violações dos direitos humanos", diz um informe divulgado pelo IEACH. Esse documento contém dados sobre venda de equipamentos militares para Egito, Bahrein e Arábia Saudita enquanto acontecia a Primavera Árabe, em muitos lugares reprimida violentamente ou que derivou em confrontos armados internos.

Precisamente, o presidente da Associação Espanhola para o Direito Internacional dos Direitos Humanos (Aedidh), Carlos Villán, questionou à IPS que a União Europeia não conta com "um mecanismo de controle real" para fazer com que seus Estados membros respeitem a proibição de exportar "tecnologia militar e equipamentos" para países com guerras civis ou liberdades afetadas.

Em uma entrevista na televisão dia 30 de setembro, o ex-ministro da Defesa espanhol Eduardo Serra reconheceu que não daria "seu voto" para vendar armas e outros apetrechos a um país se existe o risco de contribuírem para violar os direitos humanos, mas, também disse que "para fazer coisas é preciso sujar as mãos".

Villán criticou a falta de transparência do governo sobre o assunto porque a sociedade civil da Espanha, que já está em sexto lugar em volume de exportação de armamento no mundo, "não pode ter um controle afetivo sobre as vendas feitas pelas empresas apoiadas pelos ministérios de Defesa, de Assuntos Exteriores e de Cooperação". O cidadão não tem acesso à informação porque as sessões de controle do governo no parlamento "são secretas", acrescentou.

Dados do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (Sipri), o comércio mundial de armas chegou a US$ 1,7 trilhão no ano passado, equivalente a 2,5% do produto interno bruto do mundo. "Esta quantidade tão exagerada de dinheiro só beneficia os comerciantes e exportadores de armas", disse Villán, que denunciou que este comércio "claramente imoral" se beneficia da falta de regulamentação internacional.

No final de julho, terminou sem acordo na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York uma reunião de quatro semanas em busca de um Tratado sobre Comércio de Armas da qual participaram 170 governos.

Para Villán, os principais países exportadores, com Estados Unidos à frente, foram os que "fizeram fracassar" as negociações, enquanto o comércio de armas "alimenta os 40 conflitos armados existentes hoje no mundo". Os recursos que os Estados dedicam à compra de armas "são subtraídos do desenvolvimento econômico e social de seus povos", acrescentou.

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, "não colaborou para o tratado ir adiante", disse Núñez. "Não se trata de proibir o comércio de armas, mas é evidente que falta vontade política para chegar a um acordo internacional sobre o assunto, já que os governos preferem ter carta branca", acrescentou.

Acontece que Alemanha, China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia fornecem aproximadamente três quartos do valor de armas do mundo, segundo afirma em sua pagina na Internet a organização Anistia Internacional. Somente a Alemanha não integra o Conselho de Segurança da ONU.

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