segunda-feira, 23 de julho de 2012

Experiência alemã revela potencial da energia solar


  23 DE JULHO DE 2012

Incentivos estabelecidos em lei difundem amplamente coletores e permitem à população vender energia gerada por eles. Preço da geração despenca e torna-se competitivo
Por Clarice Ferraz, no Blog Infopetro
Há mais de 10 anos, a Alemanha lançou um audacioso plano de apoio à expansão da produção e integração das energias renováveis em sua matriz energética, no qual a eletricidade de origem solar fotovoltaica recebeu atenção especial. Recentemente, “vítima de seu sucesso ” – bastante oneroso, e sofrendo os impactos da crise econômica mundial e europeia, o país está revendo sua política energética.
No momento em que o Brasil aguarda a definição dos critérios para a conexão da micro e minigeração distribuída às redes de distribuição, o caso alemão de integração de larga escala de energias renováveis merece ser analisado com atenção sobretudo por duas razões: o êxito da rápida expansão e integração das fontes renováveis e os problemas que decorreram da falta de limites do programa. É importante lembrar que a Alemanha possui importante nível de atividade industrial forte consumidora de eletricidade, e que é o país que melhor tem enfrentado a crise europeia, apesar de ter os preços de sua eletricidade elevados.
Em 2000, Alemanha implementou o German Renewable Energy Sources Act, conhecido como EEG. O plano se baseia na remuneração da eletricidade gerada a partir de fontes renováveis através do sistema feed-in tariff [1] com venda garantida durante vinte anos. O nível das tarifas é ajustado para baixo anualmente e revisto a cada três ou quatro anos para incentivar a competitividade com outras fontes de geração a longo termo.
Na época em que foi lançado, os custos dos sistemas fotovoltaicos eram extremamente elevados e por isso o apoio do programa foi fundamental para viabilizar o desenvolvimento da indústria e a integração da fonte. Ao mesmo tempo, os custos elevados do apoio ao solar fotovoltaico já representavam um peso importante para o programa. Os custos do EEG são financiados por uma taxa cobrada nas tarifas de todos os consumidores de eletricidade, com exceção de algumas categorias, como os grandes consumidores industriais.
Nos últimos anos, o programa de compra garantida passou a representar custos mais elevados do que o previsto e a sobretaxa cobrada para seu financiamento teve que ser aumentada. Em realidade, a Alemanha não esperava que fosse haver uma adesão tão expressiva da população. O país ultrapassou constantemente suas metas de expansão da capacidade instalada de geração solar fotovoltaica. Diante das altas tarifas remunerando essa fonte de geração, e face a uma redução radical dos custos dos sistemas fotovoltaicos, milhares de cidadãos resolveram se tornar produtores de eletricidade e assim aumentar sua renda, afinal o EEG garantia por lei que a eletricidade seria comprada. O sucesso foi tamanho que em 2010, o país respondia por 44% da capacidade instalada global (Grau, 2012). O gráfico abaixo ilustra o rápido avanço do solar fotovoltaico no mundo e a liderança alemã, superada somente em 2011 pela China.
Fonte: Diekmann, Kemfert e Neuhoff, 2012.
Afim de reduzir o impacto financeiro sobre o EEG, o governo começou a prever uma série de ajustes a partir de 2009. Houve redução do nível da tarifa e aumento do grau de reajuste negativo do preço da tarifa. Os esforços entretanto não foram suficientes pois a velocidade da queda dos custos dos sistemas fotovoltaicos foi ainda mais expressiva. Nos últimos cinco anos a queda foi de 57% (Grau, 2012), como mostra o gráfico abaixo. O número de microgeradores continuou a aumentar.
Fonte: Diekmann, Kemfert e Neuhoff, 2012.
Em dezembro de 2011, foi registrado um novo recorde de instalações de sistemas solares fotovoltaicos totalizando um acréscimo de 7,5 mil MWsomente em 2011  – a EPE (2012) estima que o Brasil possui 20 MW. Em janeiro deste ano, o governo adotou medidas mais radicais para frear a expansão da geração de eletricidade de origem solar fotovoltaica: uma redução da tarifa oferecida, reduções mensais progressivas a uma taxa fixa e um modelo de integração de mercado. O modelo proposto ainda se encontra em discussão no parlamento.
Diekmann, Kemfert e Neuhoff (2012), assim como Grau (2012), se preocupam com a severidade das medidas que o governo pretende adotar. Em 2010, o governo previa uma expansão da capacidade de geração fotovoltaica de 52 GW para 2020[2]. Se a revisão pretendida for adotada com sucesso, a meta prevista cai para 33 GW, um terço a menos do que o esperado há menos de 2 anos.
Os autores acreditam que o corte na tarifa é muito elevado e acrescentam que adotar um sistema de redução da remuneração a taxas fixas é contra a dinâmica do mercado. Afinal, não se pode saber de antemão a que ritmo a tecnologia continuará a ter seus custos reduzidos ou se tornar efetivamente competitiva com outras fontes de geração. Ora, os problemas que o governo enfrenta atualmente são justamente dessa natureza, afinal ele não foi capaz de prever o ritmo de redução dos custos e ajustar de forma adequada a remuneração ofertada. As reduções devem portanto seguir a dinâmica de preços do mercado.
Dessa forma, o desafio do governo é encontrar um sistema em que haja uma penetração de solar fotovoltaico a um ritmo mais lento, que limite os custos do programa e consequentemente o impacto sobre a tarifa de eletricidade (Diekmann, Kemfert e Neuhoff, 2012).
Se a preocupação em limitar os custos do EEG é legítima, o governo deve tomar cuidado para não provocar um brusco desinteresse pela fonte e afetar negativamente toda a cadeia de produção e implementação que existe atualmente. Além do reajuste dinâmico de preços, seguindo a queda dos preços da instalação dos sistemas fotovoltaicos, existem outros instrumento de incitativos desenvolvidos para que as pessoas não busquem produzir eletricidade além de suas necessidades de consumo. Uma delas é justamente o sistema de net metering onde o microgerador que produzir eletricidade excedente é remunerado “fisicamente”, em KWh, e não financeiramente. Não há interesse em se produzir além do que se pode consumir. Esse é o modelo previsto pela Resolução Normativa n° 482, de 17 de abril de 2012, da ANEEL que rege o acesso de micro e minigeração distribuída aos sistemas de distribuição de energia elétrica.
É interessante notar que apesar de todo esse esforço e do avanço da indústria solar fotovoltaica na Alemanha, o país ainda não atingiu a paridade tarifária (discutida nopost anterior sobre o solar fotovoltaico no Brasil). A Alemanha ainda precisa de subsídios que viabilizem a integração da fonte na sua matriz.
No caso brasileiro a micro e a minigeração solar fotovoltaica distribuída já são competitivas em diversas regiões e nesse momento o mais importante em termos de regulamentação é evitar barreiras artificiais que impeçam as pessoas de gerarem sua própria eletricidade e se integrarem à rede distribuição.

Bibliografia:
Dieckmann, J., Kemfert, C. and Neuhoff, K., “The proposed adjustment of Germany’s Renewable Energy Law – a critical assessment”, DIW Berlin, Volume 2, No 6, 1° Junho 2012.
EPE, Nota Técnica EPE, “Análise da Inserção da Geração Solar na Matriz Elétrica Brasileira”, Rio de Janeiro, Maio 2012.
Grau, T., “Targetted Support for New Photovoltaic Installations Requires Flexible and regular Adjustments”, DIW Berlin, Volume 2, No 6, 1° Junho 2012.
Morris, C., “ German solar bubble? Look again!”, European Energy Review, 5 de julho de 2012.

[1] No sistemade feed-in tariff a eletricidade gerada é remunerada a um preço premio (acima do cobrado pelas distribuidoras) durante um largo período de tempo afim que o investidor tenha um fluxo de caixa contínuo que remunere seu investimento sem nenhum risco
[2] Federal Republic of Germany’s 2010 Action Plan.
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