Oriente Médio: O fantasma da revolução
No início da revolução iraniana em 1979, havia intenso apoio das potências capitalistas aos
movimentos radicais islâmicos em todo o grande Oriente Médio e Ásia Central com o intuito
de provocar aquilo que se convencionou chamar "arco de crise". O objetivo maior, claro, era
atingir as regiões muçulmanas da União Soviética. De maneira análoga, pode-se dizer que,
32 anos depois, as revoltas populares na Tunísia, no Egito, Argélia e Iêmen podem ser os
sinais iniciais de um novo “arco de crise”, mas agora de autênticas revoluções que poderão
varrer o Grande Oriente Médio.
Reginaldo Nasser
Há um medo crescente alimentado, em grande parte, pelas elites conservadoras do Ocidente e do
Oriente de que futuros acontecimentos no Egito poderão trilhar os mesmos caminhos da revolução
que aconteceu no Irã em 1979 tais como: elegeu Israel como o grande inimigo, se envolveu em
ações antiamericanas no mundo inteiro, privou as mulheres e as minorias dos seus direitos (como se
tivessem direitos sob a ditadura de Mubarak). Numa região repleta de exemplo de ações armadas
que atemorizam Israel, EUA e aliados ajudou a criar a imagem de que a melhor forma de combater
ativistas islâmicos ( falsos ou verdadeiros) é uma ditadura secular.
No entanto é importante lembrar que, logo no início da revolução iraniana em 1979, havia intenso
apoio das potências capitalistas aos movimentos radicais islâmicos em todo o grande Oriente Médio
e Ásia Central com o intuito de provocar aquilo que se convencionou chamar "arco de crise". O
objetivo maior, claro, era atingir as regiões muçulmanas da União Soviética, um regime materialista
e ateu, de “vital importância para os EUA cujo centro de gravidade é o Irã” como afirmou à época
Zbigniew Brzezinski (assessor segurança nacional do presidente Carter). O caos político resultante
poderia facilitar a incorporação do american way of life nos inimigos de seus inimigos.
De maneira análoga, pode-se dizer que, 32 anos depois, as revoltas populares na Tunísia, no Egito,
Argélia e Iêmen podem ser os sinais iniciais de um novo “arco de crise”, mas agora de autênticas
revoluções que poderão varrer o Grande Oriente Médio. Diante de tais fatos, tal como todos outros
governos norte-americanos anteriores, Obama, inicialmente preferiu ficar ao lado de seu “aliado
leal” contra um movimento que levou a fundo a retórica dos direitos humanos presente em seu
discurso no Cairo em 2009. Diga-se, é verdade, que esses momentos revelam a essência da decisão
na política externa dos EUA que vai muito além da órbita do presidente da república. Apesar da
celebração ritual da sociedade civil, autoridades dos EUA (militares, agências de inteligência e
lobbies no congresso) sempre mantiveram fortes ligações com regimes repressivos e nunca
mantiveram qualquer tipo de contato com os principais grupos oposicionistas.
Não há como negar que a religião é um fundamento essencial de identidade dos povos e um
componente crucial da dinâmica de desenvolvimento das sociedades, em geral, e do mundo islâmico
de forma particular. Contudo, tal como observou o professor Mark Levin, as fotos estampadas na
grande mídia dos EUA podem ajudar-nos a entender melhor as diferenças entre os dois momentos
revolucionários. “Revoluções no Mundo Árabe e Islâmico: Regimes Políticos, Síria e Irã - 2012
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No início de 1979 as imagens dos jovens eram de exuberância revolucionária, aliadas a um
sentimento raiva, supostamente alimentada por um fervor religioso, isso soou tão estranho para um
cidadão norte-americano que parecia vir de um outro planeta. Já as fotos da praça Tahrir mostram
mulheres e jovens, seculares e religiosos, curvando-se em orações diante dos blindados militares.
Uma espécie jihad pacífica que sempre existiu, mas que não tinha os holofotes da mídia para
mostrá-la.
Com criatividade e ousadia e mesmo diante das inúmeras provocações e assassinatos mantiveramse determinados a não usar a violência. Suas táticas foram amplas mobilizações, aproximação com
as forças armadas, paralisações de trabalhadores e uso das redes sociais que permitiu que o mundo
inteiro fosse capaz de seguir suas batalhas em tempo real. Já a determinação em reprimir e,
sobretudo, o desprezo pela forma pacífica e democrática de expressar opiniões, era evidente no
início da Revolução Iraniana de 1979 onde vários grupos que defendiam a liberdade de imprensa e
os direitos das minorias foram coagidos por verdadeiras gangues armadas.
No Egito, não há nenhuma figura carismática de estatura do aiatolá Khomeini. Ao contrário do clero
xiita no Irã, a Irmandade Muçulmana não tem uma base em uma organização clerical. Apesar de
contar com setores conservadores, não estão envolvidos em debates sobre o uso do véu ou de
outros comportamentos religiosos, mas sim em questões envolvendo corrupção, desemprego,
liberdade política e violações dos direitos humanos. Nesse sentido, diferentemente do Irã a
possibilidade de mobilizar a maioria dos egípcios em torno de uma agenda de reformas é maior.
Observar o que vai acontecer no Egito nas próximas semanas é como assistir um teatro das
sombras em que apenas alguns dos atores estão sob um foco de luz e outros vão saindo aos
poucos. Entretanto, podemos antecipar e destacar que islâmico ou secular, o novo governo poderá –
espero que sim - recusar a adotar incondicionalmente os métodos adotados pelos EUA e a Europa na
guerra contra o terror sem que isso signifique ser partidário de Bin Laden. Por sua vez, não afrontar
Israel não significa, por outro lado, necessariamente qualquer tipo de concordância com a política de
ocupação dos territórios palestinos. E, finalmente, um novo governo poderá também questionar se
para manter a tão aclamada estabilidade política na região é necessário gastar bilhões de dólares
em equipamentos militares.
De toda forma restar ver como os militares e as elites dirigentes que agora comandam a transição
vão descobrir uma maneira de conviver com este novo cenário. Nesses momentos cruciais sempre é
bom lembrar alguém que entendia de revoluções ( Marx) que certa feita fez a seguinte advertência:
“As criadas políticas da França estão varrendo a lava ardente da revolução com vassouras velhas, e
discutem entre si enquanto executam sua tarefa”.
(*) Professor de Relações Internacionais da PUC-SP
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