“Revoluções no Mundo Árabe e Islâmico: Regimes Políticos, Síria e Irã - 2012
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Carta Maior – 25/07/2010
A privatização da segurança e a democracia nos EUA
Empresas privadas estão atuando em todos os setores que cuidam da segurança nacional
dos serviços de inteligência dos EUA (cerca 70% do orçamento). Com o fim da Guerra Fria, as
companhias militares privadas passaram a converter-se em soluções do mercado frente às
novas tendências à privatização de várias funções governamentais. Crescimento do mercado
privado de segurança anda de mãos dadas com a também crescente avaliação nos EUA de
que as democracias não conseguem vencer as “pequenas guerras”, principalmente porque as
exigências morais e políticas vão muito além do que a oposição doméstica está disposta a
aceitar.
Reginaldo Nasser (*)
Durante essa semana os jornais noticiaram a morte de três seguranças da embaixada dos EUA em
Bagdá, sendo que dois deles eram de Uganda e o outro do Peru, todos contratados por uma
empresa privada de segurança. De certa forma a presença desses agentes de segurança não é um
fenômeno novo, mas o que é novo é a dimensão desses fornecedores internacionais de segurança
privada, cujo tamanho e especialização são equivalentes, e por vezes superiores, às forças armadas
de vários Estados.
De acordo com o Departamento de Estado as forças armadas dos EUA devem se retirar do Iraque
até o final de 2011, entretanto, o próprio departamento tratou de solicitar ao Congresso aumento
substantivo do número de empresas de segurança privada no país, além de solicitar a compra de
dezenas de helicópteros Black Hawk, veículos à prova de minas, sistemas de vigilância de alta
tecnologia e outros equipamentos militares. "Depois da partida das forças militares dos EUA – disse
um alto funcionário do departamento - continuaremos a ter uma necessidade crítica para apoio
logístico de uma escala de magnitude e complexidade sem precedentes na história.”
No dia 22 de Julho o Washington Post divulgou produto de uma investigação de dois anos, realizada
pelos jornalistas Dana Priest e William Arkin, mostrando em detalhes como as empresas privadas
atuam em todos os setores que cuidam da segurança nacional dos serviços de inteligência dos EUA
(cerca 70% do orçamento).
Com o fim da Guerra Fria, as Companhias Militares Privadas passaram a converter-se em soluções
do mercado frente às novas tendências à privatização de várias funções governamentais, além
disso, há que se considerar a diminuição significativa do patrocínio político-militar das grandes
potências de que muitos países do terceiro mundo beneficiavam-se. A progressiva deterioração do
perfil de segurança desses Estados e a redução dos exércitos são fatores que confluem para a
consolidação de um verdadeiro mercado para a presença das forças privadas.
Estima-se que o mercado dessas atividades inclua várias centenas de empresas, que geram receita
anual global de mais de 100 bilhões de dólares e são frequentemente utilizadas pelos mais
diferentes atores em conflitos: grandes potências, ditadores em países da periferia, paramilitares,
cartéis de drogas e até mesmo as missões de paz. Essas novas modalidades têm substituído, em “Revoluções no Mundo Árabe e Islâmico: Regimes Políticos, Síria e Irã - 2012
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certa medida, a utilização de mercenários tradicionais, preenchendo o vazio deixado em situações
de instabilidade em que seus empregados são contratados como civis armados e, diferentemente
dos militares, operam em “zonas cinzentas” como combatentes sem supervisão ou qualquer tipo de
responsabilidade perante o direito internacional. Assim podem atuar livremente promovendo
assassinatos, tortura, sabotagem etc (desenvolvi esse tema no livro Reginaldo Mattar Nasser.
(Org.). Novas perspectivas sobre os conflitos internacionais. 1a ed. São Paulo: Unesp, 2010)
Nesse sentido, especialistas militares e funcionários do governo passaram a valorizar cada vez mais
as experiências históricas em que os EUA exercitaram um tipo de operação militar freqüentemente
ignorada pela maioria dos lideres políticos que preferem “glamourisar” as grandes guerras (1ª e 2ª
guerras mundiais). Argumentam que foram, justamente, as experiências adquiridas nas pequenas
guerras (small wars) em que insurgentes e guerrilheiros derrotaram foram derrotados é que lhe
permitem tirar lições para o momento presente no Iraque e Afeganistão. A grande maioria dessas
pequenas guerras foi empreendida pelas mais diferentes razões (morais, estratégicas ou
econômicas) – e não foi necessário ter um significativo apoio popular. Na verdade a opinião pública,
freqüentemente, simplesmente nunca soube o que estava acontecendo a respeito, e as tropas
fizeram seu trabalho mesmo quando havia oposição.
Outra característica desse tipo de guerra é que não há, necessariamente, uma declaração de guerra
por parte do governo dos EUA, que podem enviar força militar ao exterior, sem qualquer tipo de
declaração e, portanto sem necessidade de autorização do congresso.
Vem crescendo uma avaliação nos EUA de que as democracias não conseguem vencer as “pequenas
guerras”, principalmente porque as exigências morais e políticas vão muito além do que a oposição
doméstica está disposta a aceitar. Nestas guerras as elites estabelecem uma oposição muito clara
entre o que o governo entende que tem que fazer para vencer e aquilo que se considera
politicamente aceitável dentro das regras democráticas e da avaliação da opinião pública de outro.
As democracias têm problemas em convencer a sociedade da necessidade das vítimas na luta da
contra-insurgência e, assim, uma parte da sociedade exerce forte pressão sobre o Estado com
criticas sobre os custos morais e políticos a respeito da conduta das forças militares estabelecendo
uma competição entre a sociedade e o estado. De outro lado, o Estado responde com manipulação e
censura ameaçando as regras democráticas, a oposição nega ao Estado a sustentação popular e o
consenso nacional necessários para estabelecer metas uniformes nos conflitos em que sua
superioridade militar é inconteste. Ora, se as democracias não podem vencer as pequenas guerras,
dane-se a democracia e para isso nada mais conveniente do que a “privatização da segurança”.
(*) Professor de Relações Internacionais da PUC/SP
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