quinta-feira, 20 de setembro de 2012

“Peña Nieto é o Collor à mexicana”


Em entrevista à Carta Maior, concedida na Cidade do México, Eduardo Cervantes, um dos homens de confiança de Andrés Manuel López Obrador, o principal líder da esquerda mexicana, diz que o futuro presidente mexicano, Peña Nieto, que está visitando o Brasil, chegará ao governo graças a uma fraude escandalosa que envolveu a compra de 5 milhões de votos ou mais. Segundo Cervantes, Peña Nieto é "igualzinho ao Collor de Mello, uma invenção da televisão conservadora para impedir a chegada da esquerda ao governo".

Cidade do México - “Enrique Peña Nieto é igualzinho ao Collor de Mello, uma invenção da televisão conservadora para impedir a chegada da esquerda ao governo. Mas eu acrescentaria um aspecto mais. É o Collor à mexicana, mas ainda pior, porque Collor chegou ao governo por meio do voto, Peña Nieto nem isso, porque é o resultado de uma fraude escandalosa através da compra de 5 milhões de votos, ou mais. Esse senhor será um presidente sem autoridade, sem o reconhecimento de milhões de mexicanos fartos da fraude montada pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI), com o apoio da Televisa" (maior cadeia de TV do país).

A afirmação é de Eduardo Cervantes, um dos homens de confiança de Andrés Manuel López Obrador, o principal líder da esquerda mexicana, que denunciou ter sido vítima de fraude em favor de Peña Nieto nas eleições presidenciais de julho, que pode ter sido a segunda consecutiva, já que, em 2006, também houve evidências claras de que lhe roubaram a vitória, quando perdeu por um duvidoso 0,5% para o conservador Felipe Calderón Hinojosa.

Perseguido pela sombra da fraude, o televisivo Peña Nieto (sua esposa é atriz das novelas lacrimosas da Televisa) se reuniu ontem com empresários brasileiros em São Paulo e será recebido hoje pela presidenta Dilma Rousseff.

Sua visita ao Brasil, Colômbia, Chile e a outros países da região foi desenhada por seu partido, o PRI, como o início da reaproximação do México com a América latina. Mas esse argumento cheira a propaganda. Na verdade, Peña Nieto continuará com a diplomacia pró-norteamericana (talvez de um modo menos obsceno que o presidente que sai, Felipe Calderón) e não dará um giro copernicano em sua política externa. Seu roteiro pela América Latina tem como objetivos principais tirar uma foto com Dilma, Juan Manuel Santos, Sebastian Piñera e outros presidentes para conquistar no exterior a legitimidade da qual carece em seu país, onde há dez dias centenas de milhares de pessoas o repudiaram em um ato encabeçado por Andrés Manuel López Obrador no Zócalo (Praça Central) da Cidade do México.

Não muito longe dessa praça, em um gabinete minúsculo, onde cabe apenas o escritório tapado de tapetes e um cinzeiro transbordando de baganas de cigarro, o homem de confiança de López Obrador, Eduardo Cervantes, recebeu Carta Maior para explicar a posição da esquerda frente ao futuro governo de Peña Nieto e analisar o destino de um país assolado pela guerra contra o narcotráfico e pela subordinação aos Estados Unidos.

A esquerda reconhece Peña Nieto como presidente dos mexicanos?

Não reconheceremos Peña Nieto como presidente porque ele não foi eleito legitimamente. O Movimento de Regeneração Nacional (Morena, encabeçado por López Obrador) não poder fazer outra coisa que desconhecer o resultado de uma farsa eleitoral, não podemos aceitar o inaceitável. Essa fraude teve o aval do presidente Felipe Calderón Hinojosa, do ultradireitista Partido Ação nacional (PAN). Houve cumplicidade entre os partidos do regime, o PRI e o PAN, e com isso ficou claríssima a natureza decadente das instituições do país, que estão a serviço do poder oligárquico.

Eles querem pintar como institucionalidade o que é simples arranjo de máfias, Andre Manuel (López Obrador) disse “ao diabo com as instituições” que são facciosas, cínicas e grotescas como o Tribunal Eleitoral que validou as eleições sem considerar nenhuma das provas de fraude que recebeu.

O que ocorrerá no México, a partir do dia 1° de dezembro quando Peña Nieto tomará posse?

Peña Nieto será uma marionete dos que montaram a fraude para que ele ganhasse, será um refém das máfias. Não terá nenhuma margem de independência em relação aos donos do dinheiro, será um serviçal deles. Peña Nieto é um homem que dará continuidade ao processo de concentração e acumulação de capital selvagem em nosso país, no qual há um grupo muito pequeno de pessoas satisfeitas.

Mas o PAN, do presidente Calderón, tentou vencer o PRI, de Peña Nieto. Houve luta eleitoral entre eles.

Se houve luta real ou luta eleitoral aparente entre o PRI e o PAN nas eleições de julho, isso não é o que importa. O PRI que volta ao poder, depois de ter ficado fora dele durante 12 anos, os 12 anos comandados por governos do PAN, será a continuidade linear deste projeto depredador onde se apagaram as diferenças entre os dois partidos do regime. Peña Nieto vai aplicar, e ele deixou isso muito claro, as receitas neoliberais do FMI e do Banco Mundial. O modelo é um só, há total harmonia nas linhas principais de Calderón e Peña Nieto, eles têm a mesma concepção econômica.

Resistência democrática: estratégia de Lopez Obrador

Censurado pelas cadeias privadas de televisão e hostilizado pelas oligarquias política e econômica, Andrés Manuel López Obrador é atualmente o único líder de massas do sistema político mexicano. É o único que recebeu mais de 16 milhões de votos nas eleições presidenciais de 2006 e que superou essa marca na disputa do 1º de julho passado.

O que fará Lopez Obrador no mandato presidencial que se inicia a partir do dia 1º de dezembro?

Não posso declarar nada em nome de Andrés Manuel, mas posso assinalara que ele está disposto a resistir e a continuar convocando a cidadania para se mobilizar contra este governo ilegítimo surgido de uma fraude na qual se compraram cerca de 5 milhões de votos, e a diferença oficial entre Peña Nieto sobre Andrés Manuel foi de 3 milhões.

O México avança na contra-mão da América do Sul. Qual é o pensamento de López Obrador sobre isso?

Isso é completamente certo. O México está no rumo oposto do caminho escolhido por Brasil, Argentina, Bolívia, Venezuela e os governos progressistas da região. É lamentável e dramático como o México fugiu do percurso latino-americano com estes governos de ultradireita do PAN e com os do PRI nos últimos anos. Agora há uma submissão total e vergonhosa aos Estados Unidos. Hoje, a intromissão dos Estados Unidos é cada vez mais direta e se agrava graças à desculpa da guerra ao narcotráfico.

Andrés Manuel tem afinidade com o processo de mudança dos governos progressistas, ele não é um socialista puro, mas tem uma fina sensibilidade em relação ao drama que vive o povo mergulhado na pobreza. Aqui vale o paralelismo com Lula. É alguém que vive com profunda dor pela gente humilhada pelo sistema. Sua luta é contra a desigualdade, contra esse modelo de exclusão das maiorias e de enriquecimento de uma oligarquia arrogante.

É preciso considerar o surgimento da liderança de López Obrador, a partir de uma perspectiva histórica. Ele é uma dessas lideranças que surgem a cada 50 ou 100 anos, como Lula. López Obrador vem de uma longa tradição democrática, nacionalista e popular.

No México, há uma tradição histórica, ideológica e política ligada ao nacionalismo revolucionário que vem do século XIX com os liberais liderados pelo presidente Benito Juárez, e a expropriação dos bens da Igreja, a separação entre Igreja e Estado, o enfrentamento da intervenção francesa. O nacionalismo revolucionário assumiu a herança da Revolução. A Constituição da Revolução, que está até hoje em vigor, contém elementos valiosíssimos. O artigo terceiro, por exemplo, se refere à educação e diz que ela deve ser socialista. Obrador se inscreve nessa tradição nacionalista arraigada nos interesses populares e isso o diferencia claramente das correntes socialdemocratas que se veem hoje na América Latina e que se inclinam para o pensamento neoliberal.

Peña Nieto, um narcopresidente?

Sobre Enrique Peña Nieto paira uma suspeita grave, a de que ele será um “narcopresidente” devido aos supostos acordos que firmou com os carteis. “Processo”, a revista mais importante do México, publicou uma reportagem especial documentando como as principais organizações mafiosas, entre elas o poderoso Cartel de Sinaloa, intimidaram os eleitores para que votassem em Peña Nieto e em seu partido, o PRI. O semanário informou que grupos armados a serviço dos carteis se postaram próximos às cabines eleitorais nos estados do interior e em Chihuaha, fronteira com os EUA e onde se encontra um dos principais corredores de cocaína. Um grupo de indígenas foi trancado em uma casa e eles foram ameaçados de morte se não votassem no jovem candidato do PRI.

Os supostos laços do futuro mandatário Peña Nieto teriam sido forjados quando ele foi governador do Estado do México. Se é certo que, atualmente, o ex-governador e futuro presidente não é objeto de nenhum processo, as relações de seu partido com essa quadrilha estão mais do que provadas. Vários ex-governadores do PRI estão processados ou condenados por terem sido membros ou cúmplices de organizações criminosas que, segundo informação do Departamento do Estado, movem aproximadamente 25 bilhões de dólares por ano.

Peña Nieto é um homem a serviço do narcotráfico? – perguntamos a Cervantes

Não poderia fazer nenhuma afirmação categórica. Seria pouco responsável porque para dizer algo com certeza é preciso ter informação. O que é possível dizer é que Peña Nieto tem o apoio de pessoas muito corruptas e autoritárias e acredito que ele vai dar continuidade à guerra demencial contra o narco iniciado pelo atual presidente Calderón. A militarização seguida por este governo foi uma estratégia catastrófica, são dezenas de milhares de mortos, entre 60 mil e 90 mil pessoas executadas.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

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