quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Toscana rural se reinventa ao aproveitar turismo Compartilhar:


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Por Fernanda Prado | De San Gimignano, na Toscana
Fernanda Prado/Valor
Malcolm Leanza (à esq.) e seu pai, Sebastiano, na frente da casa principal da Fattoria Voltrona, nas proximidades de San Gimignano
Um casal de turistas alemães mudou o rumo da Fattoria Voltrona, fazenda situada nas proximidades da cidade medieval de San Gimignano na região italiana da Toscana. Era verão de 1984 e eles procuravam um quarto para dormir. Naquele tempo, apenas uma parte da casa era habitável; todo o resto eram ruínas. Sebastiano Leanza, o proprietário da fazenda, nunca tinha ouvido falar em "turismo rural", mas a chegada dos alemães deu início a essa atividade na Voltrona e ela se tornou uma das pioneiras no agroturismo na Toscana.
Quando Sebastiano adquiriu a propriedade em 1978 - por meio de um sistema de incentivo bancário aos pequenos fazendeiros implementado pelo governo italiano - não havia água potável nem linha de telefone. Na estrada que dava acesso à casa só passavam carros de boi. A fazenda estava tão destruída e abandonada que os caçadores tinham se apropriado do telhado da casa para descansar entre uma pausa e outra nas caçadas. Ervas daninhas haviam destruído as plantações de oliva e javalis selvagens tinham invadido a propriedade em busca de alimento.
Fernanda Prado/Valor
A cidadezinha medieval de San Gimignano
Por causa da industrialização nas cidades e a mecanização nas fazendas, muitos fazendeiros da Toscana abandonaram suas terras entre as décadas de 50 e 70 em busca de trabalho nas indústrias. Foi quando Sebastiano, que é da Sicília, e muitos fazendeiros vindos também de outras regiões da Itália e até mesmo de outros países como Inglaterra e Alemanha adquiriram as propriedades na Toscana. "O esperado era que os fazendeiros da própria Toscana se beneficiassem do incentivo e comprassem as fazendas. Mas o que aconteceu foi que eles preferiram ir trabalhar nas indústrias e quem as comprou foram os italianos de outras regiões", conta Malcolm Leanza, 39, filho de Sebastiano e gerente-geral da Voltrona. Ele conta que um fazendeiro de 90 anos foi quem certa vez lhe deu a melhor explicação: "Ele disse que os fazendeiros ainda acreditavam no socialismo - terra para todos. Portanto, se eles aceitassem pagar por ela estariam indo contra o sistema".
Fernanda Prado/Valor
A paisagem da fazenda dos Leanza
Assim que adquiriu a fazenda, de 40 hectares, Leanza iniciou a produção de leite e criação de porcos, mas a introdução de uma política agrícola comum europeia no início dos anos 80 - regulamentando a produção leiteira e a consequente contração do setor - desencadeou um período muito difícil para os negócios da Voltrona. A situação foi agravada pelo frio rigoroso de 1985 que congelou as olivas ainda nas árvores, fazendo com que a fazenda perdesse 95% da sua produção. O mesmo atingiu as uvas e o preço despencou. Aquele ano ficou marcado na história da agricultura toscana como "annus horribilis" - sem animais, sem oliveiras e sem vinho, muitas fazendas faliram.
Quando o gosto não podia ser mais amargo, Leanza teve que reinventar. Lembrou-se dos turistas alemães que no ano anterior haviam passado por ali à procura de um quarto para dormir. Na mesma época, a lei que regula o turismo rural na região da Toscana reavivou o setor agrícola ajudando os fazendeiros a darem os primeiros passos para um novo conceito de agricultura: além de produzir alimentos, o agricultor deveria fornecer serviços e promover o território em que ela opera. O agroturismo ganhava força na Voltrona.
Fernanda Prado/Valor
Lances de San Gimignano. O turismo rural na Toscana ajudou fazendeiros a enfrentar vicissitudes da produção agrícola e acabou se tornando um setor importante da economia local
Leanza começou então a reformar todas as construções da propriedade, investiu no lazer para os hóspedes e também na produção do vinho chianti Colli Senesi (90% de uvas sangiovese, 4% canaiolo e 3% trebbiano e malvasia), e no azeite de oliva (80% frantoio, 10% correggiolo, 5% muraiolo e 5% leccino). Atualmente a produção de uvas é de oito toneladas por hectare, sendo o vinho tinto 80% da produção. Em 1989, Fattoria Voltrona começou a alterar sua produção para o cultivo orgânico, o que levou oito anos para fazer toda a transição. Leanza investiu ainda na compra de cavalos islandeses. Na fazenda, eles são treinados, vendidos e usados como opção de lazer pelos hóspedes.
A crise financeira europeia tem mudado o mapa de ocupação na fattoria: nos últimos três anos o número de indianos e chineses tem aumentado ao lado de poloneses, russos e sul-americanos - 70% dos hóspedes são regulares, ou seja, voltam mais de uma vez.

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