A Companhia City trouxe para o Brasil o conceito de morar dos britânicos e deixou sua marca na paisagem de grandes cidades do país
Marcus Lopes
Marcus Lopes
Alguns dos anúncios publicitários da Companhia na época
A fórmula deu tão certo que, hoje, esses bairros são "pulmões verdes" da metrópole, graças à abundância de árvores e ao baixo adensamento. O Jardim América e o Pacaembu foram tombados pelos órgãos de patrimônio histórico para impedir a especulação imobiliária. "Os padrões da City influenciaram as primeiras leis de zoneamento na cidade de São Paulo", diz o presidente da empresa, José Bicudo. A história dos bairros-jardins está diretamente ligada ao crescimento e à riqueza da cidade. Em 1890, a população paulistana era de 65 mil habitantes. Em 1900, já beirava 240 mil. Começava a surgir uma classe média emergente, formada por comerciantes, empresários e profissionais liberais, que precisavam de um lugar para morar. Um grupo de empreendedores imobiliários, liderados por Horácio Sabino e Cincinato Braga, se associou à City. A dupla já era conhecida por lotear e vender terrenos na área entre a Avenida Paulista e a Rua Estados Unidos.
A diretoria da empresa era composta de banqueiros, funcionários da Prefeitura e diretores da Light and Power, a concessionária canadense que monopolizava as linhas de bonde e os serviços de eletricidade. Uma articulação estratégica. "A Light era a peça decisiva no modo de expansão da cidade. Localizando as paradas finais de suas linhas em pontos extremos e de população rarefeita, gerou fluxos irradiados de valorização imobiliária", afirma Nicolau Sevcenko em Orfeu Extático na Metrópole. "Graças aos seus laços com a Light e com figuras-chave da política local, a City pôde usufruir do acesso, em condições privilegiadas, a serviços básicos de infraestrutura e valorização estética dos seus loteamentos", diz Sevcenko.
Elite emergente
"O fato é que Barry Parker realizou um trabalho excepcional" diz Sevcenko, referindo-se ao arquiteto e urbanista inglês que desenhou e coordenou a implantação dos empreendimentos da City. "Seu traçado para o Jardim América apresenta uma movimentação versátil e envolvente no plano de conjunto, graciosa na disposição das praças e amenidades, compondo um desenho intrincado e surpreendente nos arrua-mentos, que fugia da rotina quadriculada predominante até então na cidade, instaurando um novo padrão de equilíbrio entre funcionalidade, bem-estar, espacialidade e fluência." Projetado por Parker, o Jardim América foi o primeiro grande empreendimento da City, em 1915.
"Era um projeto direcionado à elite emergente da época. Os ricos e os barões de café continuavam morando em Higienópolis ou na Avenida Paulista", diz a arquiteta e urbanista Nadia Somekh, da Universidade Mackenzie. "Foi o primeiro projeto completo de bairro, com começo, meio e fim, além da alta qualidade de desenho urbano." Diante do sucesso de vendas, nos anos seguintes seriam criados outros nos mesmos padrões urbanísticos. "A partir do loteamento pioneiro e de seu sucesso, estabeleceu-se um padrão para ocupação de bairros exclusivamente residenciais, que se firmou e se reproduziu na cidade de São Paulo", diz a arquiteta Silvia Ferreira Santos Wolff, autora do livro Jardim América.
De São Paulo, os bairros-jardins se espalharam pelo Brasil. No Recife, o Derby foi inspirado nas garden-cities inglesas. "O Derby possui ressonâncias do urbanismo ajardinado", diz Silvia Ferreira. "As ruas de Boa Viagem foram bem projetadas, mas o Derby foi o primeiro bairro do Recife planejado como um todo", diz o historiador Leonardo Dantas Silva, do Instituto Ricardo Brennand, na capital pernambucana. "Os lotes não são tão grandes, as ruas são bem desenhadas e todas convergem para um parque central, a praça do Derby."
No Rio de Janeiro, os bairros-jardins inspiraram loteamentos como o Jardim Laranjeiras, na Zona Sul. O bairro surgiu na década de 30, quando a lei de zoneamento proibiu a instalação de fábricas na região. A Cidade-Jardim Laranjeiras brotou no terreno da antiga Companhia Têxtil Aliança Industrial. O Bairro Peixoto, outra ação do gênero, até hoje é considerado um "oásis de Copacabana".
"No caso do Rio, houve uma inversão de polaridade. Uma antiga região industrial virou bairro residencial planejado de alta renda", diz o arquiteto Nestor Goulart Reis, professor da USP e autor de livros sobre história do urbanismo no Brasil. Segundo Reis, o modelo dos bairros-jardins é demonstração de que nem tudo é caos e desorganização quando se fala em crescimento urbano brasileiro: "São Paulo, durante muito tempo, competiu com o Rio em termos de qualidade de vida, pois havia planejamento".
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