As autoridades de Moscou acompanharam com apreensão os protestos contra os imigrantes em um subúrbio do sul da cidade na noite de domingo (13). E, apesar de os neonazistas continuarem estimulando os sentimentos xenofóbicos, ficou claro que o Kremlin também fez a sua parte para alimentar essas esse tipo de atitude.
Benjamin Bidder
Benjamin Bidder
Policiais russos detêm imigrantes durante operação realizada em um mercado de vegetais no distrito moscovita de Biryulyovo. Mais de mil imigrantes foram detidos no local, invadido no domingo
O ar cosmopolita de Moscou começa a ruir na periferia da cidade. Quanto mais nos distanciamos do centro da capital russa, mais altos ficam os blocos de apartamentos habitados pela população de baixa renda.
Mais ao sul da cidade encontra-se o distrito de Biryulyovo, onde vivem cerca de 90 mil habitantes. Biryulyovo – apenas um entre as dezenas de subúrbios da capital russa – era relativamente obscuro até domingo passado, quando os protestos xenofóbicos ganharam as manchetes internacionais.
Uma multidão enfurecida teria supostamente atacado imigrantes e seus negócios no bairro, quebrando janelas, provocando incêndios, virando carros e caminhonetes usadas para fazer entregas e entoando palavras de ordem como "A Rússia para os russos". Em meio à violência, as emissoras de TV alertavam contra os ataques à polícia, dizendo que os policiais estavam ali para "proteger a ordem em nossa cidade".
Os distúrbios começaram após a morte de Yegor Sherbakov, 25, um jovem residente de Biryulyovo que foi supostamente esfaqueado por um "não-russo" em seu caminho para casa na noite de quinta-feira passada, de acordo com sua namorada. Mais ou menos às 2h da manhã, depois de o homem ter supostamente assediado o casal, houve uma briga e, segundo relatos divulgados pela mídia local, a faca do suspeito teria ferido o coração de Sherbakov. Ele morreu no local.
Na tarde de domingo, milhares de manifestantes se reuniram para exigir que as autoridades municipais tomassem alguma atitude – ou seja, que prendessem o assassino e deportassem os imigrantes originários da região da Ásia Central e do Cáucaso que foram convidados a trabalhar na Rússia. Vários extremistas de direita de todas as regiões de Moscou estariam a postos após neonazistas terem feito uma convocação via fóruns da internet no sábado passado, e várias centenas deles entraram em confronto com a polícia durante várias horas. Apesar de policiais da temida unidade especial Omon também terem sido enviados para monitorar a situação, a polícia não conseguiu controlar a multidão.
Espera-se mais tensão
Após as prisões iniciais, a multidão cercou veículos da polícia e obrigou a liberação de vários suspeitos. Os manifestantes também conseguiram evitar as barricadas dos policiais ao se movimentarem por ruas menores e secundárias. Os manifestantes queriam "afiar suas lâminas", de acordo com uma repórter do diário Kommersant, que disse ter ouvido esse comentário da boca de extremistas de direita. Em resposta à violência, a polícia de Moscou colocou nas ruas todo seu efetivo disponível e implantou a operação "Vulkan", concebido para ser utilizado em caso de atentados terroristas e que não era acionado desde os ataques ao metrô de Moscou, que mataram 40 pessoas em 2010.
As forças de segurança bloquearam a Praça Manege, em frente ao Kremlin, e, segundo o Ministério da Administração Interna, cerca de 400 prisões foram realizadas. Cinco policiais e 11 manifestantes ficaram feridos.
As autoridades parecem estar nervosas e com medo de que a instabilidade possa se espalhar para além Biryulyovo. Além disso, milhares de muçulmanos pretendem celebrar o importante feriado de Eid al-Adha, que começaria na noite de segunda-feira passada e que todos os anos gera tensões culturais.
O medo da invasão dos estrangeiros superou o temor dos atentados terroristas nas últimas pesquisas de opinião realizadas na Rússia, e as tensões étnicas nas grandes cidades do país são o "maior perigo para a segurança nacional da Rússia", disse Dmitri Trenin, diretor do Carnegie Moscow Center.
A Rússia é o principal destino dos trabalhadores imigrantes provenientes da Ásia Central, e cerca de 4 milhões de tadjiques, uzbeques e quirguizes trabalham no país legalmente. Mas acredita-se que pelo menos o mesmo número de imigrantes também vivam na Rússia ilegalmente. Ultimamente, as autoridades russas têm jogado um jogo duplo com relação a esse tema. No verão deste ano, o Serviço Federal de Migração, que foi recentemente alçado à condição de ministério, reuniu centenas de trabalhadores estrangeiros ilegais e, antes de deportá-los, os enviou para campos de internamento localizados nos arredores de Moscou. A imprensa russa criticou esses campos e disse que eles se pareciam com "campos de concentração".
E, apesar de Sergey Sobyanin, o recém-eleito prefeito de Moscou, ter pedido a adoção de leis de imigração mais duras durante sua campanha, a prefeitura municipal da cidade é uma das maiores empregadoras de trabalhadores estrangeiros, que recebem salários bem baixos. Muitos desses estrangeiros vivem em porões lotados e eles também compõem o principal grupo de trabalhadores que atualmente estão construindo as arenas para os Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, em 2014, projeto que visa a aumentar o prestígio do presidente Vladimir Putin.
Ultra direita quer escalada da violência
Atualmente, tanto os partidários quanto os críticos do Kremlin estão tentando usar os protestos em seu proveito. O líder da oposição, Alexei Navalny, por exemplo, pediu a introdução de vistos obrigatórios para os imigrantes da Ásia Central.
Enquanto isso, a Igreja Ortodoxa Russa publicou comentários que praticamente incentivam a ação de justiceiros. O "sangue dos assassinados chora no paraíso", escreveu o arcipreste Vsevolod Chaplin, chefe de departamento responsável pelas relações entre a igreja e a sociedade.
Usuários que visitaram fóruns nacionalistas online soavam triunfantes após os protestos. Ações semelhantes precisam ser tomadas em "todos os quarteirões de todas as cidades da Rússia", escreveu um desses usuários.
Na segunda-feira de manhã, a polícia de Moscou realizou outra grande operação em Biryulyovo, mas não contra os manifestantes. Em uma "ação preventiva", cerca de 300 policiais prenderam mais de 1.200 pessoas em um armazém de legumes e verduras que emprega muitos trabalhadores migrantes, e onde se suspeita que o suposto assassino também trabalhe, segundo a imprensa russa.
Tradutor: Cláudia Gonçalves
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