terça-feira, 29 de outubro de 2013

Prêmio da Fundação Darcy Ribeiro para os sonhadores que ousam


Quando se comemoram os 91 anos do nascimento de Darcy Ribeiro, o presidente da FunDar, Paulo Ribeiro, faz um balanço dos 17 anos de vida da instituição.


Léa Maria Aarão Reis
Arquivo
“Sou um homem de causas. Vivi sempre pregando, lutando como um cruzado pelas causas que me comovem. Elas são muitas, demais: a salvação dos índios, a escolaridade das crianças, a reforma agrária...”

Darcy Ribeiro no livro Testemunho (Ed. Apicuri)

Presidente da Fundação Darcy Ribeiro, a FunDar, com sede no bairro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, o sociólogo Paulo Ribeiro, sobrinho de Darcy, faz um balanço dos 17 anos de existência da instituição que não se tornou “vetusta”, como faz questão de afirmar. Pelo contrário: ela continua ativa, desenvolvendo parcerias e projetos nacionais e internacionais que se encontram em andamento, embora, até agora, “durante o governo Dilma Roussef, não firmamos qualquer contrato ou convênio” dentro do país.

Paulo, que trabalhou como assessor do tio na Secretaria Extraordinária de Ciência e Cultura do Estado do Rio de Janeiro, na Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais e no Senado Federal, presidiu a Fundação Roquette Pinto, administradora da TVE Brasil e da Rádio MEC, a Rede Minas de Televisão e a Companhia de Habitação de Minas Gerais (Cohab). O ex- secretário de Meio Ambiente e de Comunicação e Articulação Institucional da Prefeitura de Montes Claros, em Minas Gerais concedeu esta entrevista exclusiva a Carta Maior. 

Nela, embora lembre que o foco das ações da FunDar tem sido a melhor qualidade social da educação pública, ressalta que é uma instituição cultural e educacional, de pesquisa e desenvolvimento científico com o objetivo de manter vivos o pensamento e as idéias de Darcy. Centenas de educadores, antropólogos, etnólogos, cientistas políticos e estudiosos da literatura brasileira frequentam o espaço e a biblioteca. “A principal missão da FunDar”, ressalta,” é prosseguir as lutas do Professor por uma educação de qualidade, integral e integradora; pelo desenvolvimento autônomo do Brasil; a valorização cultural dos índios, caboclos e negros brasileiros e o reconhecimento de nossa potencialidade como nação e povo com vocação para a alegria e a solidariedade.”

Sobre a baixa qualidade do ensino no país,  Paulo Ribeiro é enfático: “A classe dominante não permite que tenhamos uma educação pública de qualidade; não quer perder os seus privilégios,” diz.

Comentando sobre o Premio Darcy Ribeiro que a Fundação está entregando, este ano, à antropóloga Carmen Junqueira e ao ex-Ministro Gilberto Gil, para festejar a data, ele parafraseou Darcy lembrando: “É uma homenagem aos que não se resignaram. Mesmo indignados eles ousam e sonham.” 

Dezessete anos depois, a FunDar está perto da “maioridade”, como você bem diz. Como ela se encontra hoje?

Percebo que, assim como Darcy a desejou, não se tornou uma instituição vetusta. Em 17 anos de prestação de serviços temos colaborado na implementação de importantes projetos, programas e políticas públicas voltadas para a qualificação de professores, formação de educadores e, consequentemente, beneficiado milhões de alunos Brasil afora. Prova disso tem sido a participação da Fundação no Programa Nacional de Inclusão de Jovens – o ProJovem -, especialmente, se pensarmos no Programa como a institucionalização de uma política pública para a Juventude.

O objetivo é, sempre, o da inserção social?

Nosso objetivo é a busca da inserção social de crianças e jovens, nos termos de Darcy Ribeiro, na “civilização letrada” de que eles fazem parte. E não apenas a formação continuada dos professores. Também a recuperação do processo de aprendizagem dos alunos.  

Como a FunDar se mantém do ponto de vista financeiro?

Vivemos da prestação de serviços já que somos uma instituição privada, sem fins lucrativos. A Fundação não é beneficiada com repasse de recursos públicos para a sua manutenção. O que nos assusta, sobretudo mais recentemente, é a maneira como o governo federal vem tratando instituições do Terceiro Setor e os movimentos sociais responsáveis por grande parte das ações sociais desse país. A Portaria Interministerial 507/2011 desarticulou o Terceiro Setor, justo ele, que cumpre as mais árduas funções do Estado, tornando o diálogo mais frágil.  No governo Dilma, a Fundação Darcy Ribeiro não assinou qualquer convênio ou contrato.
 
No passado, quais contratos foram assinados entre a FunDar e o estado do Rio de Janeiro?

Vários, entre 1999 e 2005. Com a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEE/RJ) o objetivo foi prestar consultorias visando reorganizar a rede de ensino e os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) idealizados por Darcy e implantados no Rio de Janeiro durante os governos de Leonel Brizola. Para promover a formação de professores regentes, atuantes nas escolas que se propõem a estender o horário de permanência dos alunos, a consultoria da FunDar, durante todos aqueles anos, teve como metas atingir uma nova concepção de espaço e de tempo na gestão da escola, resgatar a matriz curricular da Educação Básica e de uma educação integral que se realiza no horário do Estudo Dirigido, na Biblioteca, nas aulas de Educação Física e Desportos, nas atividades de Animação Cultural e de Tele-educação, numa perspectiva de planejamento integrado. 

E durante o governo Lula?

Ela ampliou sua atuação na área educacional para todo o território nacional ganhando visibilidade nas 26 capitais dos estados brasileiros e no Distrito Federal por força de sua participação no Programa Nacional de Inclusão de Jovens – o Projovem. Durante oito anos, a Fundação se manteve como principal parceira da Secretaria Nacional da Juventude, vinculada à Secretaria Geral da Presidência da República, na implantação do Projovem Urbano, programas do Governo Federal executados por Estados e Municípios. Nessa parceria, uma das suas principais incumbências consistiu em assegurar – por meio da formação profissional em serviço – a unidade dos pressupostos teóricos e operacionais do programa, junto aos entes executores que o desenvolvem, no território nacional. Os diferentes profissionais, de todo o país, formados no Projovem pela FunDar – gestores, formadores, educadores – favorecem a divulgação de suas ações e o notório saber na área educacional.

E a representação em Brasília? O Memorial Darcy Ribeiro? 

Foi inaugurado há três anos, no campus Darcy Ribeiro, da Universidade de Brasília, o projeto mais audacioso do professor Darcy. Foi apelidado por ele como Beijódromo. É um centro cultural e de pesquisa, abriga os acervos Darcy e Berta Ribeiro e sua biblioteca com aproximadamente 22 mil livros e oito mil periódicos.
Os acervos documental, iconográfico, audiovisual e a biblioteca de Darcy e Berta Ribeiro têm sido procurados por estudiosos, estudantes e pesquisadores das mais diversas partes do país e do exterior. Em 2009, o então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, declarou de interesse público e social estas bibliotecas e arquivos de acordo com manifestação do Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ) sobre a relevância dos acervos. O Memorial acolhe também apresentações artísticas, lançamentos de obras literárias, exposições, e realiza atividades docentes e comunitárias.

E o projeto da Biblioteca Básica Brasileira, a BBB, idealizada pelo professor Darcy, cujo desenvolvimento foi abortado pela ditadura?

É um projeto que foi concebido em 1962  quando Darcy exercia o cargo de primeiro reitor da Universidade de Brasília com a proposta de reunir e editar 100 títulos seminais que poderiam proporcionar aos brasileiros uma compreensão mais profunda de sua trajetória histórica, social, política, econômica e cultural. A BBB já nasceu grande, dividida em dez coleções, de uma dezena de livros cada uma. A tiragem inicial de cada coleção somaria 150 mil livros para ampla distribuição pelas bibliotecas públicas, universidades e centros de ensino do país. Em 1963, então ministro da Educação, Darcy viabilizou a primeira etapa do seu sonho, e publicou os dez primeiros livros. Mas o regime militar inviabilizou a continuidade do projeto; e ele teve que ser abandonado pela UnB. 

Hoje, qual o ponto em que se encontra a BBB?

Em 2012, retomamos essa bandeira e reconfiguramos  o projeto com patrocínio dos Correios e da Petrobras, prevendo agora a edição e publicação de 150 obras. A seleção foi realizada por uma comissão editorial composta por representantes da Fundação Biblioteca Nacional, Academia Brasileira de Letras, Editora Universidade de Brasília e FunDar. 

Qual projeto da FunDar é o mais recente no âmbito internacional?

A FunDar celebrou, recentemente, um contrato com a Agência de Implementação da Cooperação Alemã para o Desenvolvimento, Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ), para produzir, agora, ainda em 2013, uma série de dez cadernos temáticos sobre as boas práticas de manejo de espécies extrativistas. A série está em fase final de confecção. 

E qual é a sua posição, como presidente da FunDar, relativa à criação do fundo de 75% de investimento para educação a partir da exploração do pré-sal?

Sobre o assunto tenho uma posição muito firme: o crucial não é resolver somente a falta de recursos. O grande problema da educação no Brasil é que a classe dominante não permite que tenhamos uma educação pública de qualidade com medo de perder seus privilégios. Os recursos dos quais dispomos hoje seriam suficientes para executarmos uma política educacional minimamente decente; falta-nos o essencial: levar a educação a sério. A nossa vergonha é termos um rendimento escolar pior do que o Paraguai.

Quais estão sendo as comemorações da FunDar, este ano, para festejar os 91 anos do professor Darcy?

No próximo dia 28 vamos celebrar os 91 anos de nascimento do Professor que está mais vivo do que nunca. Vamos premiar duas importantes personalidades brasileiras: a antropóloga doutora pela USP Carmen Junqueira, revolucionária aguerrida e apaixonada tal como Darcy, e que ainda hoje mantém posições firmes e críticas junto a alguns acadêmicos e a sua falta de compromisso com aqueles sobre os quais estuda, e o ex-ministro, músico e compositor Gilberto Gil, a quem Darcy atribuiu a importante missão de contribuir pela melhoria da autoestima do negro brasileiro e por prestigiar, valorizar e contemplar a nossa diversidade cultural. O Prêmio Fundação Darcy Ribeiro é uma homenagem àqueles que, como Darcy, não se resignaram. Mesmo indignados, ousam e sonham.
Créditos da foto: Arquivo

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