segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Congresso Karl Marx: O inimigo interno do neoliberalismo


O inimigo interno, cuja derrota foi crucial para a realização da atual economia capitalista mundial, não era outro senão o trabalho organizado.

Cristina Portella
Divulgação
O neoliberalismo não é apenas uma política para operar uma grande mudança política económica, cujas principais características são a defesa da desregulamentação dos mercados financeiros, de políticas monetaristas destinadas a estabilizar os gastos públicos e a inflação, assim como a privatização de diversos setores da economia. Além disso tudo, seria também “um ambicioso projeto de engenharia social, destinada a reformular a vida social e o comportamento humano, a fim de torná-lo compatível com a concorrência e o consumismo”.

Essa conclusão foi apresentada ontem no Painel “Reconfigurações contemporâneas da luta de classes”, no primeiro dia do 2º Congresso Karl Marx, em Lisboa, pelo historiador Ricardo Noronha, em sua comunicação, intitulada “'O inimigo interno': a luta de classes e a contra-revolução neoliberal”.

“Intelectuais orgânicos”

Esta forma de encarar a ideologia neoliberal e os seus ideólogos faz parte de uma nova linha de investigação inspirada pelas palestras de Foucault no Collège de France durante 1978-1979.

“Enquanto procura compreender a lógica interna e as motivações desses 'intelectuais orgânicos' do neoliberalismo, para usar o conceito de Gramsci, este trabalho”, explicou Noronha, “vai tentar identificar a perceção do trabalho e das suas formas sociais, institucionais e políticas como um grande problema no âmbito dos estudiosos como Friedrich Hayek e Milton Friedman, dois dos principais líderes do Mont Pelerin Society e ganhadores do Prêmio Nobel.”

Para recordar, Mont Pelerin Society é o nome da organização internacional fundada em 1947 por expoentes do liberalismo econômico, então na defensiva diante do projeto de reconstrução da Europa no pós-Segunda Guerra Mundial, do qual surgiria o tão combatido – pelos neoliberais - “estado social”.

Quem é o “inimigo interno”

Para implementar o seu “ambicioso projeto de engenharia social” os neoliberais teriam de derrotar previamente o tal “inimigo interno”, numa expressão cunhada pela ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, nada mais nada menos do que a classe trabalhadora de cada país. Particularmente o seu setor mais avançado.

“O 'inimigo interno', cuja derrota foi estrategicamente crucial para a realização da atual economia capitalista mundial, não era outro senão o trabalho organizado e a sua capacidade para se opor à reestruturação capitalista e ao aumento da exploração, atuando como um elemento rígido contra um padrão cada vez mais flexível de acumulação de capital”, sintetizou Noronha.

A luta dos mineiros

No caso de Thatcher, os inimigos eram os mineiros, uma classe profissional que já infernizara a vida de dois ex-primeiros-ministros, o conservador Edward Heath e o trabalhista James Callaghan. Com a sua grande capacidade de mobilização e uma tática até então infalível de piquetes de greve que iam num crescendo até paralisar toda a categoria, os mineiros britânicos conseguiram impedir, nos anos 1970, a aplicação de um plano de redução salarial e cortes nos gastos públicos.

O braço de ferro entre Thatcher e os mineiros durou um ano. Entre 1984 e 1985, os mineiros cruzaram os braços, enfrentaram uma repressão policial que levou 11 mil grevistas para a cadeia, mas acabaram por perder a batalha. A partir daí, ao derrotar o setor mais organizado e forte da classe trabalhadora inglesa, o governo conservador conseguira o sinal verde para implementar a desregulamentação das relações laborais, reduzir direitos e rebaixar salários.

A finalidade da investigação apresentada por Noronha foi “interpretar os acontecimentos amplamente conhecidos, como o golpe militar no Chile em 1973, a reestruturação maciça das fábricas de automóveis da Fiat em Turim, em 1980, e as greves dos mineiros no Reino Unido em 1984-1985, como episódios-chave de uma guerra de classe que já estava nas entrelinhas do pensamento neoliberal.”

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