José Lisboa Moreira de Oliveira
Adital
Acabo de fazer contato com um amigo meu, com o qual não me comunicava há um bom tempo. Este amigo trabalhava para uma congregação religiosa. Na sua resposta me comunicou que estava de aviso prévio e que seria demitido do seu trabalho. Ao narrar a sua demissão meu amigo dizia-se decepcionado não tanto porque iria ficar sem o emprego, mas pela forma como foi demitido. Ele estranhou que, após anos de dedicação e de doação, fosse dispensado de maneira tão fria e tão formal, sem explicações e sem uma palavra de ânimo e de gratidão pelos serviços prestados. E eu que conheço bastante o meu amigo sei muito bem da sua doação, que sempre vai além daquilo para o qual ele é pago para fazer. É claro que ele, pela competência que tem, pela sua postura ética e pela sua seriedade logo encontrará outro emprego. Mas não deixa de ser decepcionante que uma pessoa seja tratada desta forma em ambientes cristãos, particularmente no âmbito de uma congregação religiosa.
Este fato me fez lembrar outro caso. No início do ano, durante a minha viagem de férias, encontrei uma senhora que conheci numa determinada comunidade eclesial. Ela era uma pessoa assídua. Jamais faltava à celebração dominical da Eucaristia, a encontros, reuniões e atividades eclesiais. Depois da saudação e dos abraços costumeiros, perguntei-lhe como estava a sua paróquia. Ela me respondeu que não estava mais "indo à Igreja”. Estranhei sua resposta e perguntei-lhe qual o motivo de seu afastamento da comunidade. Ela, então, me disse que tinha começado "a trabalhar para os padres”. Depois que começou a trabalhar para eles, não estava mais conseguindo ir à missa. Só vai à Igreja em casos especiais, "quando não tem jeito”. Disse que continuava a ser católica, que sempre reza a Deus pedindo perdão, mas não consegue mais acreditar naquilo que os padres falam nas missas, uma vez que ela tinha percebido que na prática eles agem totalmente diferente daquilo que pregam lá do altar.
Enquanto escrevia este artigo recebi uma mensagem de outro grande amigo que habita na região Nordeste do nosso país. Ele escrevia para partilhar comigo o que estava acontecendo em sua cidade. Acabara de chegar à paróquia um jovem padre que está assustando as pessoas com suas maneiras autoritárias. Intransigente e cheio de vaidades, o reverendo dirige-se às pessoas num tom profundamente egoísta: "eu quero isso, eu quero aquilo”, como se fosse o dono absoluto da comunidade. Uma de suas primeiras providências foi concentrar de modo absoluto o poder sobre sua pessoa, emanando um decreto com uma série de proibições e de exigências.
Não foi a primeira vez que escutei coisas semelhantes. É muito comum encontrar pessoas decepcionadas com o comportamento dos cristãos, de modo particular com as atitudes de lideranças como padres, bispos, pastores etc. Alguém poderá objetar afirmando que a nossa fé deve ser em Jesus Cristo e, por isso, as pessoas não deveriam medir seu grau de participação e de atuação a partir do que fazem ou deixam de fazer determinados cristãos. Isso é verdade, mas pela própria dinâmica da evangelização querida pelo Mestre Jesus, o testemunho ocupa um lugar primordial. A comunidade cristã não é fim em si mesmo, mas existe exclusivamente para a missão (Mc 3,14), para a proclamação da Boa Notícia a todos os povos (Mt 28,19). E este anúncio do Evangelho deve se dar essencialmente através do testemunho dos discípulos e das discípulas de Jesus (At 1,8). Logo, a obrigação de testemunhar para evangelizar é uma exigência fundamental do cristianismo. E, quando falta o testemunho, o cristianismo perde toda a sua força e todo o seu potencial evangelizador. Termina sendo reduzido a uma agremiação qualquer, sem qualquer diferenciação em relação às demais.
As primeiras comunidades cristãs tinham plena consciência disso. Por esse motivo fizeram questão de deixar registrada uma alerta de Jesus a este respeito. De acordo com a comunidade de Mateus (Mt 5,13), o cristianismo é comparado ao sal, o qual, se perde o gosto, não serve para mais nada. Como sabemos por experiência, o sal realça o sabor dos alimentos, mesmo se perdendo no meio da comida. Assim a comunidade cristã, mergulhada na sociedade, deve ser capaz de "dar sabor” a essa realidade. E dar sabor significa dar testemunho de amor, de carinho, de cuidado, de justiça e de ética. Se isso não acontece ela termina sendo um sal insosso que só serve para ser jogado fora e pisado pelos seres humanos.
Lembro-me bem de que o meu professor de Evangelhos Sinóticos na Universidade Gregoriana, o jesuíta Emílio Rasco, nos explicou que a metáfora do sal usado por Jesus tinha a ver com um costume das mulheres judaicas de revestir o forno de assar pão com uma camada de sal, de modo que o sal pudesse funcionar como isolante térmico da temperatura, permitindo assim que o pão fosse assado integralmente. De vez em quando a camada de sal se enfraquecia e precisava ser trocada. As mulheres, então, arrebentavam o revestimento do forno, retiravam o sal insosso que era jogado fora na via pública e, consequentemente, pisado pelas pessoas. Tratava-se, pois, de uma metáfora que, no tempo de Jesus, podia ser bem compreendida por todos. Ainda hoje, sabendo desse detalhe, podemos compreender o quanto o sal insosso pode simbolizar um tipo de cristianismo que não consegue mais comunicar a sua força e a sua energia à humanidade.
Partindo dos casos citados no início desse texto podemos deduzir as razões pelas quais o cristianismo está perdendo força no mundo atual. As pessoas, ao confrontarem os discursos bonitos com as práticas concretas dos cristãos e das cristãs, percebem a esquizofrenia e o grau de mentira das belas pregações. Decepcionadas se afastam porque se dão conta de que "na prática a teoria é outra”. Lembro-me de uma afirmação de Gandhi que dizia mais ou menos assim: "o Evangelho é fantástico, é uma carta de princípios fantástica, mas não sou cristão por causa dos cristãos”. E ao afirmar isso Gandhi tinha presente a tragédia da invasão da sua Índia por parte de cristãos ingleses. Estes deixaram por lá rastros de morte e de destruição, antes que o próprio Gandhi conseguisse mobilizar a população e obter a independência do país.
O papa Paulo VI, recolhendo as indicações dos bispos durante o Sínodo de 1974 sobre a evangelização no mundo contemporâneo, deixou bem explícito na Evangelii nuntiandi que o testemunho "é o primeiro meio de evangelização” (EN, 41). Foi enfático em afirmar que os "discursos ocos” produzem cansaço nos fiéis (EN, 42). O testemunho, afirmava o papa, mesmo sendo proclamação silenciosa da Boa Nova, é muito mais eficaz e valoroso do que certas prédicas estéreis e vazias que não encontram confirmação na prática concreta de pessoas cristãs (EN, 21). Sem meios-termos, Paulo VI nos lembrava de que hoje as pessoas escutam mais as testemunhas do que os mestres e se escutam os mestres é porque ele são antes de tudo testemunhas (EN, 41). E quase já no final da exortação concluía com a seguinte proclamação profética: "Ouve-se repetir, com frequência hoje em dia, que este nosso século tem sede de autenticidade. A propósito dos jovens, sobretudo, afirma-se que eles têm horror ao fictício, àquilo que é falso e que procuram, acima de tudo, a verdade e a transparência” (EN, 76). Porém, tendo presente a exortação do papa, é preciso dizer que o testemunho não deve ser confundido com beatice, pieguismo, excesso de religiosidade e de rezas. Não deve ser confundido com o uso de camisetas com frases e figuras religiosas, com a colocação de uma bíblia ou de um crucifixo no local de trabalho ou ainda de um terço pendurado no retrovisor do carro. De todas essas carolices as pessoas já estão saturadas. O testemunho, afirmava Paulo VI, está necessariamente ligado à prática da justiça e à luta para erradicar as formas de injustiça e de opressão que matam tantos irmãos e tantas irmãs. Isso porque o ser humano a ser evangelizado não é uma pessoa abstrata, mas alguém que precisa de comida, de roupa, de casa para morar e de tantas outras coisas (EN, 31).
É hora, pois, de acabarmos com tantas baboseiras, com tantos discursos ocos, com tantas atitudes antiéticas dentro de nossas Igrejas. É hora de cultivarmos uma vida mais simples, mais humilde, mais caritativa, mais cuidadosa dos pequeninos e pobres, uma vida mais desapegada. "Sem essa marca de santidade, dificilmente a nossa palavra fará a sua caminhada até atingir o coração do homem dos nossos tempos; ela corre o risco de permanecer vã e infecunda” (EN, 76).
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