quinta-feira, 30 de maio de 2013

Antigas fazendas coletivas ainda dominam agricultura em Israel


Kibutzim israelenses foram criados pela necessidade de vida comunal e inspirados na ideologia socialista

Breno Altman
Menos de 60 quilômetros ao sul de Tel Aviv, entre as cidades de Kiryat Malakhi e Ashkelon, fica um dos lugares mais emblemáticos da história de Israel, na parte norte do deserto de Negev. Ali foi criado, em 1939, o kibutz Negba, uma fazenda coletiva originalmente controlada pelo Hashomer Hatzair, movimento sionista de esquerda originário da Polônia.
Estimular a colonização da antiga Palestina, sob mandato britânico, era parte da estratégia pensada por Ben-Gurion, o líder da independência. A ideia era arrecadar fundos no exterior e estimular a imigração judaica, construindo unidades residenciais e de produção que pudessem ser embriões do futuro Estado.

Crianças no kibutz Negba, localizado a menos de 60 quilômetros ao sul de Tel Aviv, entre as cidades de Kiryat Malakhi e Ashkelon

Estas colônias agrícolas, porém, deveriam seguir o modelo cooperativo que animava vários setores do socialismo europeu. Nada de propriedade privada ou salários. Todos os moradores seriam produtores e o kibutz, responsável tanto pelos investimentos e custeio das atividades quanto pelas despesas de seus habitantes. Uma frase do judeu Karl Marx animava a empreitada: de cada qual conforme sua possibilidade, a cada um de acordo com sua necessidade. No caso, calculada pelo tamanho das famílias.

O Negba entrou para a mística sionista porque ali foi travada uma das batalhas cruciais da primeira guerra árabe-israelense, quando a independência tinha sido recém-declarada. “O kibutz estava em um entroncamento decisivo para as tropas egípcias que avançavam, pois seu controle daria acesso a estrada no rumo de Tel Aviv”, conta Avshalom Vilan, nascido no Negba há 62 anos e filho do homem que comandou a resistência judaica naquele ponto do mapa.

“Nossas instalações foram destruídas durante combates que duraram três meses, mas os soldados do Negba, armados de rifles e pistolas, detiveram os inimigos até chegarem reforços. Foi uma vitória heroica e estratégica.”
Vilan ainda mora no kibutz, com sua esposa Naomi e dois filhos. Mostra com emoção o museu que relembra o confronto de 1948, um velho tanque do exército exposto como relíquia de guerra, a torre cravada de balas que nunca foi restaurada. Volta a sorrir durante o périplo pelos blocos de residência, as instalações leiteiras, as áreas de cultivo e as oficinas educacionais.

Estrutura

O Negba tem atualmente 600 habitantes, em 1,2 mil hectares. Seus empreendimentos se disseminam por criação de frango e gado leiteiro, plantio de verduras e frutas, além de duas fábricas para industrializar derivados de leite, nas quais tem outro kibutz como sócio. Também recebe pelo arrendamento de uma empresa que teve seu gerenciamento repassado para terceiros.
Apenas uma pequena parte dos moradores trabalha em alguma dessas plantas produtivas, menos de 30%. Aqueles que o fazem, depois da reforma nacional do sistema dos kibutzim, em 2004, são pagos por seus serviços. Mas todos são donos dos ativos, recebendo dividendos na proporção do tempo em que integram a coletividade.

“A diretoria, eleita pelos integrantes em assembleia, tem a obrigação de prestar contas das receitas e despesas, além de propor o que será destinado a novos investimentos e de quanto será a parcela que poderá ser distribuída entre os colonos”, explica Vilan.
“Mas ninguém tem nada a ver com o que cada um faz fora do kibutz. No passado, tínhamos que entregar até os salários recebidos de contratos externos ou mesmo presentes de parentes que viviam em outros países.”

A ideia coletivista abrangia todos os aspectos na vida destas fazendas. Havia no Negba, até o início do século, uma casa-dormitório no qual dormiam todas as crianças. Elas não viviam com seus pais, mas em uma espécie de sociedade infantil, sob os cuidados de kibutzniks escalados para essa missão. Podiam visitar suas famílias, participar de aniversários, estar junto com os parentes nas noites de shabat e nos feriados. Mas desde que paravam de ser amamentadas eram transferidas para o convívio comunitário.

Serviços médicos mais complexos e ensino superior, além da compra de bens e equipamentos, eram praticamente os únicos serviços que os colonos buscavam no mundo exterior. De resto, as fazendas coletivas funcionavam como pequenas cidades radicalmente igualitárias. Ninguém tinha o direito de possuir algo que o outro também não tivesse. “O kibutz decidia quando era, por exemplo, a hora de comprar uma televisão”, relata Vilan. “Feitos os cálculos, se existiam os recursos, todos os lares recebiam o mesmo aparelho. Se o caixa estivesse baixo, ninguém.”

Os kibutzim, além de pioneiros da colonização judaica na Palestina (o primeiro foi criado em 1909), se constituíram em instrumentos para planificar a produção no campo, ganhando peso crescente depois da fundação de Israel e até os anos 80. Desde o início, praticamente toda a terra é do Estado, que concede licenças para seu uso. As fazendas coletivas, beneficiadas por essas concessões, foram uma saída entre o sistema de pequenas propriedades, típico de determinadas economias capitalistas que passaram por reforma agrária, e a concentração privada nas mãos de poucos latifundiários.

Crise

O modelo entrou em crise na década de 70. Na primeira etapa, como parte de um conflito político que lhe minaria o respaldo na sociedade. Com a ascensão da direita sionista, apoiada sobre o voto dos judeus sefarditas, os kibutzniks viraram o alvo óbvio para quem quisesse uma caricatura do asquenaze rico e privilegiado. Menachem Begin, candidato vitorioso nas eleições de 1977, pelo conservador Likud, chegou a chamá-los de “milionários com piscinas”.

Avshalom Vilan, nascido no Negba, kibutz que reúne atualmente 600 habitantes em 1,2 mil hectares

A segunda etapa da decadência foi econômica. No princípio da década de 80, estimulados pela escalada inflacionária, muitas fazendas buscaram empréstimos bancários para comprar novos ativos, ampliar antigas empresas ou simplesmente pagar velhas dívidas. O dinheiro se desvalorizava tão rápido que parecia um bom negócio: na hora de pagar a conta, seu valor real tinha despencado. Quando o governo resolveu enfrentar o problema, em 1985, muitos esqueletos caíram do armário.

Os subsídios para consumo de luz e água foram cortados. As linhas de crédito mais generosas, abolidas. Os bancos, quebrados, terminaram assumidos pelo Estado para serem privatizados, sob os olhos atentos de quem estava financiando a saída da crise, os Estados Unidos e o FMI (Fundo Monetário Internacional). Todos os papagaios foram consolidados e cobrados. Os kibutzim estavam com a faca no pescoço.

Para sobreviverem, muitos tiveram que vender empreendimentos. Vários se transformaram em simples condomínios residenciais campestres. Centenas de moradores renunciaram à sua condição de colono e mudaram de atividade. Os que conseguiram sair inteiros da tempestade, mudaram regras internas para conter a evasão.

Transformação

A consolidação dessas mudanças veio há nove anos. Avshalom Vilan, na época parlamentar pelo Meretz (o partido da esquerda sionista, herdeiro do Mapam e do Hashomer), votou a favor de reformas que instituíram salários, aboliram a proibição de propriedades individuais (com exceção da terra), liberaram o direito de construção e ampliaram a contratação de trabalhadores avulsos. Os críticos chamam esse processo de privatização das fazendas coletivas.

Maquinário para a produção de leite no kibutz Negba, que também tem áreas de cultivo e oficinas educacionais

Cada família, a partir dessas medidas, passou a ter direito de escolher onde seus filhos estudariam, quais os equipamentos desejavam adquirir ou o que fazer com suas poupanças. Os moradores passaram a pagar uma taxa de administração para a manutenção da fazenda, conforme a renda, e a cuidar de suas próprias despesas. Os dias de igualitarismo tinham acabado.

“Era fazer isso ou ser tragado pelo declínio”, defende Vilan, hoje secretário-geral da Federação dos Fazendeiros de Israel. “Não somos mais os soldados da revolução socialista e sionista, como nossos pais acreditavam. Continuamos, porém, a ser o braço forte da agricultura israelense.”

Apenas 2% da população vivem nos 267 kibutzim do país, mas respondem por 50% da agropecuária, além de 6% da produção industrial. Feitas as contas de outro jeito: esses 140 mil colonos são responsáveis por 8% do PIB nacional, o que significa que sua produtividade é quatro vezes superior ao conjunto da economia.
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